A China está apresentando crescimento econômico com decrescimento demográfico, o que significa um aumento da renda per capita. Esta é a receita da prosperidade, pois significa que um número menor de trabalhadores produz um volume maior de bens e serviços.
A China está fazendo mais
(valores) com menos (pessoas). Se não houver aumento da concentração de renda,
os benefícios atingirão a maioria da população e o gigante asiático poderá
deixar para trás a longa história de pobreza no país.
A relação entre crescimento
econômico e população variou ao longo da história. O artigo “Population,
Technology, and Growth: From the Malthusian Regime to the Demographic
Transition” de Galor and Weil (1998) mostra que a economia mundial evoluiu
endogenamente através de três fases.
1ª. No regime malthusiano, o
crescimento populacional está positivamente relacionado com o nível de
rendimento per capita. O progresso tecnológico é lento e é acompanhado por
aumentos proporcionais da população, de modo que o produto per capita se mantém
estável em torno de um nível constante.
2ª. No regime
pós-Malthusiano, as taxas de crescimento da tecnologia e da produção total
aumentam. O crescimento populacional absorve grande parte do crescimento da
produção, mas o rendimento per capita aumenta lentamente. A economia passa
endogenamente por uma transição demográfica em que a relação tradicionalmente
positiva entre o rendimento per capita e o crescimento populacional é
invertida.
3ª. No regime de Crescimento Moderno, o crescimento populacional é moderado ou mesmo negativo e o rendimento per capita aumenta rapidamente. O progresso tecnológico avança juntamente com o aumento da proporção da população em idade ativa (1º bônus demográfico) e o aumento do nível médio de educação. O progresso tecnológico cria um estado de desequilíbrio que aumenta o retorno do capital humano e induz os casais a substituírem os investimentos na quantidade de filhos pelo investimento na qualidade de vida das crianças e o empoderamento das novas gerações.
De fato, o quadro era desalentador antes da Revolução Industrial e Energética. No final do século XVIII, a população mundial tinha uma mortalidade na infância de aproximadamente 400 mortes para cada mil nascimentos e uma expectativa de vida ao nascer de cerca de 25 anos. Mais de 80% da população global estava abaixo da linha da extrema pobreza.
Mas o quadro mudou com o
avanço do desenvolvimento econômico e com a transição demográfica. Considerando
os últimos 250 anos (1773-2023), a economia global cresceu 156 vezes, a
população mundial cresceu 9,1 vezes e a renda per capita cresceu 17 vezes. Em
1773, a população mundial era pouco menos de 900 milhões de pessoas e passou
para 8,1 bilhões de habitantes em 2023. A renda per capita global, em preços
constantes em poder de paridade de compra, estava abaixo de US$ 900 e passou
para cerca de US$ 15 mil, no mesmo período. Este crescimento da população e do
poder de compra ocorrido em dois séculos e meio foi muito maior do que o de
todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens.
Na China, a grande mudança ocorreu em um espaço de tempo muito menor e a grande arrancada do aumento da renda per capita ocorreu por volta dos últimos 50 anos. No decorrer de um século, a China passou do “regime malthusiano” para o “regime pós-Malthusiano” e chegou ao “regime de Crescimento Moderno”. A China era um país pobre, se tornou um país de renda média e está a caminho de entrar no clube dos países ricos e com alto padrão de vida da população.
O gráfico abaixo, com dados do Maddison Project Database (2020), mostra que o crescimento acumulado do Produto Interno Bruto (PIB) da China, entre 1913 e 1963, ficou praticamente no mesmo nível do crescimento populacional acumulado. A população chinesa era de 437 milhões de habitantes em 1913 e passou para 682 milhões em 1963, um aumento de 56,1% em 50 anos. No mesmo período o PIB chinês cresceu 164%. Isto quer dizer que a renda per capita ficou praticamente estagnada.
Este período de 1913 a 1963
foi marcado por grandes transformações na China, que tiveram impacto negativo
no crescimento econômico e demográfico. Em 01 de janeiro de 1912 aconteceu o
fim da China Imperial, a queda do último imperador e a fundação da República.
Entre 1931 e 1945 houve a invasão japonesa da Manchúria. Em 1949 houve a
Revolução Chinesa, liderada por Mao Tsé-tung, com a Proclamação da República
Popular da China. O governo chinês lançou o programa “Grande Salto para Frente
(1958-1962), visando acelerar a marcha para o comunismo, mas foi um tremendo
fracasso, provocando a diminuição da população e do PIB entre 1960 e 1962.
A renda per capita em 1961 e 1962 ficou abaixo da renda per capita de 1913, no início da República chinesa. Em 1963 houve uma ligeira recuperação da população e do PIB. Mas no geral, a despeito das oscilações, houve estagnação da renda per capita chinesa entre 1913 e 1963. Portanto, neste período, a China estava no regime malthusiano.
O gráfico abaixo, também com dados do Maddison Project Database (2020), mostra que o crescimento acumulado do Produto Interno Bruto (PIB) da China, entre 1964 e 1979, ficou acima do crescimento populacional acumulado. A população chinesa era de 698,4 milhões de habitantes em 1964 e passou para 969 milhões em 1979, um aumento de 38,8% em 15 anos. No mesmo período o PIB chinês cresceu 224%. Isto quer dizer que houve aumento da renda per capita em 61% no período. Desta forma, a China saiu do regime malthusiano e passou para o regime pós-Malthusiano, com o crescimento da renda per capita sendo maior do que o crescimento da população.
O gráfico abaixo com dados da Divisão de População da ONU e do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que o crescimento do PIB da China entre 1980 e 2028 apresentou um ritmo de crescimento extremamente acima do ritmo do crescimento demográfico. A população chinesa era de 982 milhões de habitantes em 1980, chegou ao pico de 1,43 bilhão em 2022 e deve diminuir para 1,42 bilhão em 2028, um crescimento de 45% em 48 anos. No mesmo período o PIB chinês cresceu impressionantes 4.809%. Isto significa que houve aumento da renda per capita de 3.296% no período. A renda per capita cresceu 31,4 vezes entre 1980 e 2028. Desta forma, a China saiu do regime pós-Malthusiano e passou, com destaque, para o regime de Crescimento Moderno.
Desde as reformas de Deng Xiaoping no final da década de 1970 a economia da China cresceu de forma espetacular. Não existem registros de países que tenham crescido tanto em tão pouco tempo e o gigante asiático retirou cerca de 1 bilhão de pessoas da extrema pobreza.
A nova direção chinesa,
liderada por Deng Xiaoping, adotou o modelo “Export led growth” para incentivar
o crescimento econômico buscando gerar empregos internos e conquistar mercados
externos. Como a China era pobre e não tinha um mercado consumidor com alto
poder de compra, a solução foi se transformar em “fábrica do mundo”, buscando
aumentar a produção de bens e serviços com alta parcela voltada ao mercado
estrangeiro e para conseguir saldos crescentes na balança comercial. Ao mesmo
tempo, houve uma política draconiana de redução da fecundidade, que já vinha
caindo desde o início da década de 1970.
Portanto, a China adotou o
“regime de Crescimento Moderno”, aumentando as taxas de poupança e
investimento, investindo em infraestrutura de transporte e comunicação,
avançando na área de ciência e tecnologia e melhorando substancialmente as
condições de saúde e educação da população para aproveitar a janela de
oportunidade demográfica, que surgiu a partir da queda das taxas de
fecundidade.
Entre a década de 1960 e os anos 2020 o número de nascimentos caiu de cerca de 30 milhões anuais para cerca de 10 milhões anuais. No mesmo período, a população ocupada cresceu até atingir o pico na década de 2010. Com maior número de trabalhadores, com trabalhadores mais qualificados em termos educacionais e com maior acúmulo de capital físico, a China deslanchou a sua economia, com elevado crescimento do PIB e redução do ritmo de crescimento populacional. Segundo o FMI, a renda per capita da China, a preços constantes em poder de paridade de compra, era de US$ 674 em 1980 e passou para US$ 20 mil em 2024. O sucesso no aumento da renda foi inegável.
A China soube aproveitar o 1º bônus demográfico (aumentando o percentual da população ocupada e elevando o nível de qualificação educacional da força de trabalho), além de ter aproveitado o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade) e agora está investindo no 3º bônus demográfico (bônus da longevidade), aumentando as oportunidades de emprego para a população idosa.
Porém, a China ainda é um
país de renda média e a população em idade ativa, de 15 a 59 anos, já está
diminuindo em termos absolutos. A China corre o risco de ficar preso na
armadilha da renda média e envelhecer antes de enriquecer. A população chinesa
de 15 a 59 anos era de 560 milhões de pessoas em 1980, chegou a 928,4 milhões
de pessoas em 2011 e deve cair para 403 milhões de pessoas em 2080. Ou seja, em
2080 a força de trabalho chinesa será menos da metade de 2011 e menor do que
era 100 anos antes. E a população total começou a diminuir em 2022. Isto coloca
o tema do decrescimento demográfico na pauta cotidiana dos novos desafios
chineses no restante do século XXI.
A tese de doutorado “The macroeconomics of degrowth : conditions, Choices, and Implications” de Antoine Monserand (2022) investiga, em uma perspectiva da macroeconomia, um paradigma ecológico, social e do decrescimento. A tese utiliza a teoria econômica pós-keynesiana. O quarto capítulo examina a possibilidade de garantir o financiamento de um regime de repartição simples do sistema previdenciário, da proteção social em geral e dos serviços públicos numa economia em decrescimento econômico. A tese demonstra que o decrescimento pode ser ambiental, social e economicamente benéfico. Estes resultados vão contra as afirmações de que o decrescimento pode apenas produzem catástrofe económica e social.
Portanto, o decrescimento econômico e demográfico da China está no horizonte e pode ser uma oportunidade de prosperidade humana e ambiental. Provavelmente, a China vai manter um crescimento econômico positivo nos próximos 15 a 20 anos, garantindo uma renda per capita do nível dos países ricos, mesmo com a redução do número de habitantes e do número de pessoas em idade ativa. Mas, especialmente, na segunda metade do século XXI, o decrescimento da economia deve prevalecer.
Como mostrei no artigo
“Decrescimento demoeconômico com elevação da prosperidade social e ambiental”
(Alves, 20/01/2023), a renda per capita pode continuar crescendo mesmo com o
decrescimento da população e do PIB, desde que o decrescimento populacional
seja maior do que o decrescimento econômico. Por exemplo, se a população cair
1% ao ano e o PIB cair 0,3% ao ano, a renda per capita sobe 0,7% ao ano, o que
seria suficiente para dobrar a renda em 100 anos.
O fato é que menor volume das atividades antrópicas facilitará o processo de mitigação da crise climática e ambiental e a restauração ecológica. A China tem batido recordes anuais de aumento da capacidade instalada de energia renovável e avançado de maneira exponencial na indústria de carros e veículos elétricos. O gigante asiático já se prepara para ter uma população menor, mas com uma qualidade de vida maior.
Em síntese, em vez de maior quantidade de pessoas e de bens e serviços, a China – que é o país com as maiores emissões de CO2 – está buscando investir na perspectiva da redução da pegada ecológica e na maior qualidade de vida humana e ambiental. (ecodebate)
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