O Brasil foi concebido no
contexto das grandes navegações promovidas pela Europa cristã. A ocupação
econômica das terras americanas constituiu um capítulo fundamental da expansão
comercial europeia. No entanto, para além dos interesses econômicos, é
importante destacar que o Brasil nasceu e se desenvolveu profundamente
vinculado à religião católica, especialmente ao catolicismo ibérico.
O projeto colonizador
português tinha como uma de suas metas prioritárias a evangelização do Novo
Mundo. As velas das naus comandadas por Pedro Álvares Cabral ostentavam a Cruz
de Malta — uma cruz de 8 pontas, formada por 4 “Vs”, cujo desenho remonta às
cruzadas medievais. O primeiro nome atribuído ao território foi Ilha de Vera
Cruz.
Com o avanço das explorações
e a constatação de que se tratava de um continente, o nome foi alterado para
Terra de Santa Cruz. Foi também aos pés de uma cruz que se oficializou a
Primeira Missa em solo brasileiro, celebrada por Frei Henrique de Coimbra no
domingo, 26 de abril de 1500 (ALVES, 2022).
O catolicismo tornou-se, ao
longo do tempo, uma das principais marcas identitárias do Brasil. Até o início
da República, a Igreja Católica era a única instituição religiosa oficialmente
reconhecida, mantendo-se hegemônica por grande parte do século XX. Ser
brasileiro era, em larga medida, sinônimo de ser católico.
O primeiro censo demográfico
do país, realizado em 1872 — meio século após a Independência —, indicou que
99,7% da população de 9,9 milhões de habitantes se declarava católica. Entre
esses estavam a maioria dos escravizados e dos povos indígenas, classificados
como católicos. Apenas 0,1% (cerca de 10 mil pessoas) foram registrados como
evangélicos, em sua maioria imigrantes europeus oriundos de países de tradição
protestante. Em 1890, primeiro ano da República pouca coisa mudou nos números.
Mas 98 anos depois, em 1970,
a população total brasileira deu um salto para 93,1 milhões de habitantes,
sendo 85,5 milhões de católicos (91,8%), 4,8 milhões de evangélicos (5,2%), 2,1
milhões de outras religiões (2,3%) e 702 mil autodeclarados sem religião
(0,8%). A perda de filiações católicas ficou pouco abaixo de 1% por década.
Todavia, a redução do
percentual de católicos brasileiros se acelerou bastante nas décadas seguintes.
O número de católicos chegou a 121,8 milhões (83%) em 1991, passou para 124,9
milhões (73,6%) em 2000 e diminuiu para 123,3 milhões em 2010. Percebe-se que o
número absoluto de católicos atingiu o valor máximo no ano 2000 e, pela
primeira vez na história brasileira, o número absoluto de católicos caiu na década
inaugural do século XXI.
O gráfico abaixo mostra que o
percentual de pessoas que se autodeclaram católicas caiu de 89% em 1980, para
83,3% em 1991, para 73,9% no ano 2000, para 64,6% em 2010 e 56,7% em 2022.
Entre 1980 e 2022 o percentual de pessoas que se autodeclaram evangélicos
passou de 6,6% para 26,9%. Em 2022, o percentual de pessoas que se declaram sem
religião ficou em 9,3% e o percentual de pessoas das demais religiões ficou em
7,1%. Os dados de 2010 e 2022 não incluem as crianças com menos de 10 anos.
Fica evidente que o Brasil está passando por um processo de transição religiosa que se desdobra em quatro movimentos: declínio absoluto e relativo das filiações católicas; aumento acelerado das filiações evangélicas; crescimento percentual das religiões não cristãs; aumento absoluto e relativo das pessoas que se declaram sem religião.
A tabela abaixo mostra a variação anual das mudanças percentuais dos quatro grandes grupos religiosos no Brasil entre 1980 e 2022. Nota-se que a queda dos católicos foi de -0,52% entre 1980 e 1991, subiu para o recorde de -1,04 entre 1991 e o ano 2000, caiu ligeiramente para -0,89% entre 2000 e 2010 e teve uma queda mais expressiva de -0,69% entre 2010 e 2022.
Os evangélicos cresceram
0,22% ao ano entre 1980 e 1991, subiram para 0,71% entre 1991 e 2000, caíram
ligeiramente para 0,63% ao ano entre 2000 e 2010 e tiveram uma queda mais
significativa para 0,43% entre 2010 e 2022. O grupo que se autodeclara sem
religião cresceu 0,18% ao ano entre 1980 e 1991, subiu para 0,20% entre 1991 e
2000, caiu para 0,15% ao ano entre 2000 e 2010 e caiu novamente para 0,12%
entre 2010 e 2022.
De qualquer maneira, os
resultados do censo demográfico de 2022 mostram que houve uma desaceleração da
queda dos católicos e uma redução do ritmo da subida dos evangélicos e também
do grupo sem religião (a ausência de crianças com menos de 10 anos afetou a
taxa do grupo sem religião). A única aceleração (mesmo que pequena) foi do grupo
das demais religiões, conforme mostrado na tabela acima.
Tomando como base a variação
percentual anual dos quatro grandes grupos entre 2010 e 2022, o gráfico abaixo
apresenta uma projeção até o ano de 2049 quando as filiações evangélicas podem
ultrapassar as filiações católicas se o ritmo da última variação intercensal
for mantida.
O gráfico mostra que o percentual de católicos deve cair para 51,2% em 2030, para 44,3% em 2040 e para 38% em 2049. O percentual de evangélicos deve subir para 30,4% em 2030, para 34,7% em 2040 e para 38,6% em 2049. O percentual de pessoas que se declaram sem religião deve chegar a 12,5% em 2049 e o percentual das demais religiões deve chegar a 10,9% em 2049.
Em projeção anterior publicada aqui no Portal Ecodebate (Alves, 12/10/2022) foi estimado que a mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos se daria em 2032. Na ausência de dados oficiais do IBGE entre 2010 e 2022, utilizamos os dados do grande crescimento dos templos evangélicos como base para estimar uma aceleração da transição religiosa no Brasil, como mostrado no artigo “O acelerado crescimento dos templos evangélicos e a transição religiosa no Brasil” (Alves, 20/12/2023).
Contudo, os dados do censo
2022, mesmo com suas possíveis limitações, mostram que houve uma desaceleração
da transição religiosa no Brasil entre 2010 e 2022, com os católicos caindo em
ritmo menor e os evangélicos subindo em ritmo mais lento.
Estudos mais aprofundados são
necessários para avaliar toda a complexidade do cenário religioso do país.
Sem dúvida, os católicos
mostraram resiliência e diminuíram o ritmo de perda de fiéis, valendo-se da
capilaridade da longa tradição da Igreja Católica no Brasil. Os dados do censo
2022 indicam que os católicos devem manter a maioria absoluta (mais de 50%) das
filiações religiosas no Brasil na atual década. A que se destacar que os
evangélicos ultrapassaram os católicos no Acre e em Rondônia.
O ritmo de avanço dos
evangélicos, no geral, perdeu força. Evidentemente, as explicações são
multifacetadas. Porém, há evidências de que a associação entre alguns grupos
evangélicos e movimentos de extrema-direita tem causado afastamento de fiéis
mais moderados, além de gerar críticas dentro e fora das igrejas. Esse fenômeno
ocorre em vários países, incluindo o Brasil, onde parte do evangelicalismo se
alinhou a discursos políticos polarizados.
Uma das possíveis razões para
o afastamento de moderados é que muitos fiéis buscam nas igrejas um espaço
espiritual, não político. Quando líderes religiosos adotam posições partidárias
radicais, alguns membros se sentem desconfortáveis ou até traídos. Igrejas que
abraçam discursos extremistas (contra minorias, negacionistas, contra os
direitos reprodutivos, etc.) podem afastar jovens e pessoas com visões mais
inclusivas. Escândalos envolvendo pastores aliados a políticos controversos ou
casos de corrupção e abusos sexuais minam a confiança nas instituições
religiosas.
Desta forma, o
fundamentalismo de setores evangélicos mais radicais parece provocar rejeição
em boa parte da população brasileira. Há relatos de pessoas que deixaram
igrejas evangélicas devido ao apoio incondicional a Bolsonaro e a pautas
extremistas.
A politização extrema pode fortalecer a lealdade de quem vê a fé e a política como uma batalha, mas pode afastar os setores moderados que desejam equilibrar engajamento político e espiritualidade.
Os dados do censo 2022 não possibilitam uma análise definitiva sobre a transição religiosa no Brasil. Novas pesquisas serão necessárias para se traçar um quadro mais amplo do cenário atual e das perspectivas futuras.
O debate está aberto e é
preciso mais tempo para se analisar todos os aspectos da transição religiosa no
maior país católico do mundo. (ecodebate)
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