Resíduos sólidos na Bahia: é
hora de romper com o discurso do comodismo e com o “geocentrismo” da engenharia
ambiental.
Se os estados vizinhos
avançaram, a partir de soluções mais simples, a Bahia também pode. Mas para
isso, precisamos abandonar o “geocentrismo” e abrir espaço para uma engenharia
ambiental que enxergue e faça enxergar soluções plurais, eficazes e viáveis.
Muitos gestores preferem
aguardar a próxima mudança legal a assumir o desafio de implantar soluções de
destinação adequada
A destinação final dos resíduos sólidos urbanos continua sendo um
dos maiores desafios para os municípios baianos, em especial os de pequeno
porte.
Dados de 2023 divulgados pelo
IBGE, davam conta de que apenas 13,9% dos municípios da Bahia dispunham de
aterros sanitários licenciados. Por sua vez, a Lei nº 14.026/2020, que ficou
conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento, estabeleceu que mesmo municípios
pequenos deveriam pôr fim aos seus lixões no prazo limite de agosto de 2024.
Após mais de um ano do fim do
prazo, pouco se avançou na prática. Ao analisar o tema, identifiquei dois
discursos predominantes que considero preocupantes para o futuro da gestão de
resíduos na Bahia.
Primeiro, verifiquei a
narrativa política de que, nos municípios de pequeno porte, haveria carência de
recursos financeiros para implantar a infraestrutura necessária à gestão
adequada dos resíduos.
Essa justificativa tem servido,
em grande medida, para sustentar sucessivas prorrogações de prazo. Não à toa,
já tramitam no Congresso novos projetos de lei com esse objetivo. Um deles
propõe por exemplo estender o prazo até 2030.
O desafio é que o prazo já foi
estendido diversas vezes e, se a lógica permanecer, em 2030 estaremos novamente
discutindo outra prorrogação — enquanto os lixões seguem ativos. A constante
prorrogação dos prazos acaba por gerar um efeito colateral perverso: o
comodismo.
Muitos gestores preferem
aguardar a próxima mudança legal a assumir o desafio de implantar soluções de
destinação adequada. Assim, perpetua-se um ciclo de inércia que mantém os lixões
ativos e adia indefinidamente a superação do problema.
Por sua vez, percebo entre os
próprios técnicos, a repetição de uma narrativa, que pode ser fruto da carência
na formação. Confesso que já fui um dos que reproduziram esse discurso, pois me
foi apresentado como consensual. Continuam a insistir e repercutir que aterros
consorciados são a única solução para os municípios de menor porte. Isso ignora
alternativas legal e tecnicamente viáveis, financeiramente acessíveis e de
rápida implementação, como os aterros sanitários de pequeno porte.

O discurso técnico que insiste
na exclusividade de grandes aterros consorciados acaba fortalecendo o discurso
político de inviabilidade e fortalecendo o comodismo. Ao apresentar os
consórcios como única solução viável, cria-se a impressão de que a solução está
longe do alcance de municípios menores, reforçando a justificativa para
sucessivas prorrogações de prazo.
A defesa exclusiva dessas
grandes estruturas pode, paradoxalmente, ampliar os impactos ambientais:
distâncias maiores para transporte dos resíduos elevam custos, aumentam as
emissões e estão sujeitas ao risco próprio do transporte rodoviário; estruturas
paralelas de transbordo também requerem atenção aos riscos ambientais e possuem
custos elevados.
Esses desafios, levam prefeitos
a desistirem da adesão ao consórcio — perpetuando a destinação irregular. É
preciso reconhecer que o território baiano é diverso e que a solução precisa
respeitar essa diversidade.
Enquanto engenheiro ambiental,
não posso deixar de criticar o “geocentrismo” moderno da nossa categoria: uma
tendência de olhar apenas para um modelo único, sem considerar realidades
locais. Essa postura limita o debate e atrasa a construção de soluções
adaptadas à escala municipal.
A Bahia precisa avançar, e isso
passa por reconhecer que cada cidade tem condições específicas. O caminho não é
repetir fórmulas, mas adotar múltiplas alternativas — aterros de pequeno porte,
consórcios bem estruturados onde fizer sentido, valorização de recicláveis e incentivo
à compostagem.
O fundamental é garantir que os
resíduos tenham uma destinação final realmente ambientalmente adequada, e não
apenas reproduzir discursos.
Se os estados vizinhos
avançaram, a partir de soluções mais simples, a Bahia também pode.
Mas para isso, precisamos
abandonar o “geocentrismo” e abrir espaço para uma engenharia ambiental que enxergue
e faça enxergar soluções plurais, eficazes e viáveis.

Daniel Pedro Santos Marinho: Engenheiro
Ambiental – IFBA, Mestre em Ciências Ambientais – UESB. Atuou como professor
substituto do Instituto Federal da Bahia, campus Vitória da Conquista, no qual
ministrou disciplinas como: Projetos de Aterros Sanitários, Avaliação de
Impactos Ambientais e Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas. Atualmente é
analista ambiental do Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM. (ecodebate)
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