O exemplo da Coreia do Sul
mostra que pode haver decrescimento da população com prosperidade social e
ecológica.
A Coreia passou por grandes
mudanças no último século. Foi anexada pelo Japão em 1910, após décadas de
disputas entre potências regionais (China, Rússia e Japão). Houve repressão
cultural, com proibição do uso da língua coreana em escolas e documentos
oficiais. Uso intensivo de recursos agrícolas e minerais em benefício do Japão.
Milhões de coreanos foram
obrigados a trabalhar em fábricas, minas e até no exército japonês, inclusive
mulheres forçadas à prostituição (“comfort women”). Esse período deixou marcas
profundas de ressentimento entre coreanos e japoneses.
Com a derrota do Japão na
Segunda Guerra, a península foi dividida ao longo do paralelo 38, com ocupação
soviética ao norte e norte-americana ao sul. A Coreia do Norte (República
Popular Democrática da Coreia), comunista, sob Kim Il-Sung. A Coreia do Sul
(República da Coreia), capitalista, sob Syngman Rhee.
Em 1950 teve início a guerra,
quando a Coreia do Norte, apoiada pela URSS e pela China, invadiu o Sul. Os EUA
e forças da ONU intervieram em defesa da Coreia do Sul. Em 1953, foi assinado
um armistício, mas nunca um tratado de paz. Até hoje, as Coreias estão apenas
em cessar-fogo, separadas pela Zona Desmilitarizada (DMZ).
População global cresceu
2.000 vezes em 12 mil anos. Nesse período, passamos de 4 milhões de pessoas
para 8 bilhões.
A partir dos anos 1980, o
país passou por movimentos populares que resultaram em eleições livres e
democracia consolidada. Atualmente a Coreia do Sul é uma potência econômica e
tecnológica, fazendo parte da OCDE e do G20. Reconhecida pela cultura global
(K-pop, cinema, tecnologia). Tem um dos maiores PIBs per capita da Ásia e do
mundo.
Neste processo de superação
da “armadilha da pobreza” e da “armadilha da renda média”, a transição
demográfica foi fundamental para se aproveitar os bônus demográficos e para o
aumento da longevidade com qualidade de vida.
No início da década de 1950 a
expectativa de vida ao nascer na Coreia do Sul estava abaixo de 30 anos e deu
um salto para 76 anos no ano 2000 e para 84,4 anos em 2024, uma das maiores
longevidades do mundo. A idade mediana era de 18 anos em 1950, passou para 30
anos em 2000 e chegou a 45 anos em 2024. Isto quer dizer que o envelhecimento
populacional sul-coreana foi rápido e profundo.
O gráfico abaixo mostra a
evolução da população e da renda per capita da Coreia do Sul de 1980 a 2030,
segundo dados do FMI. Nota-se que a população era de 38 milhões de habitantes
em 1980, chegou ao pico populacional de 52 milhões de habitantes em 2020 e deve
cair para 51,3 milhões em 2030. A renda per capita, em preços constantes, em
poder de paridade de compra (ppp), era de US$ 6,2 mil em 1980 (aproximadamente
a metade da renda per capita brasileira) e deu um salto para US$ 49,9 mil em
2020 e deve ficar em US$ 61,7 mil em 2030.
Portanto, a Coreia do Sul
aproveitou bem o 1º bônus demográfico (enquanto a população estava crescendo) e
virou um país rico. Mas o fim do crescimento da população não representou um
retrocesso. Ao contrário, a renda per capita continuou crescendo, mesmo com o
decrescimento populacional. A Coreia do Sul tinha um IDH de 0,738 em 1990 e
passou para 0,937 em 2023, um dos maiores índices de desenvolvimento humano do
mundo, estando em 20º no ranking global.
Como mostrei no artigo “A Coreia do Sul tem a taxa de fecundidade mais baixa do mundo” (Alves, 13/05/2024) a Taxa de Fecundidade Total (TFT) alcançou 0,78 filho por mulher em 2022, 0,72 filho em 2023 e 0,75 filho em 2024, as taxas mais baixas do mundo. O governo coreano já criou diversas políticas públicas para aumentar a fecundidade, mas dificilmente ela voltará ao nível de reposição. O decrescimento demográfico será inexorável, a dúvida é sobre o ritmo de queda do número de habitantes.
No pensamento convencional, a baixa TFT, o envelhecimento populacional e o decrescimento demográfico são fatos interpretados como “armadilha fiscal gerontológica” ou “inverno demográfico”, ou “suicídio populacional” e representariam o fim da linha para o desenvolvimento humano de qualquer nação.
Contudo, o exemplo da Coreia
do Sul mostra que pode haver decrescimento da população com prosperidade social
e ecológica. A diminuição da população em idade ativa, de fato, significa o fim
do 1º bônus demográfico. Mas os países podem contar com o 2º bônus demográfico
– bônus da produtividade – com o 3º bônus demográfico – bônus da longevidade e
da geração prateada e o 4º bônus demográfico – bônus do decrescimento
populacional.
Em uma análise mais acurada,
os idosos devem ser vistos como um ativo produtivo e não como um passivo que
representa gastos de uma população improdutiva.
O chamado “inverno
demográfico” da Coreia do Sul pode se transformar em primavera social e
ambiental. A redução da população não é um problema em si e pode se tornar uma
solução.
Esta visão sobre o decrescimento
populacional como oportunidade de progresso social e ambiental é apontada pelo
renomado demógrafo Wolfgang Lutz, que traça um quadro bastante otimista do
futuro da civilização humana se for dada prioridade à educação universal e, em
particular, à educação feminina:
“Mais investimentos em
educação compensam em termos de maior bem-estar, e ainda mais quando combinado
com níveis de fecundidade que levam ao declínio populacional a longo prazo em
países individuais e, em última análise, em todo o mundo. Portanto, esta
conclusão apoia o título do artigo, que afirma que o declínio da população
global não é apenas provável, mas também irá beneficiar o bem-estar humano a
longo prazo” (Lutz, 2023, p. 13).
Também, como observou
Jennifer Sciubba (2023): “Desde a década de 1960, a população mundial mais do
que duplicou, mas a taxa de crescimento vem diminuindo o tempo todo. Estamos
testemunhando a mudança mais fundamental que ocorreu na história humana
moderna. A mudança generalizada e permanente para uma baixa taxa de
fecundidade, acompanhada do envelhecimento populacional (…) Vamos fazer dessa
mudança um planeta resiliente e reimaginar um mundo mais prateado e com menor
número de pessoas, como um mundo mais bonito”.
Artigo de Lainos et al
(2023), utilizando o método de estimativa do grupo médio agrupado (PMG),
constataram: “que o declínio da população pode andar de mãos dadas com o
crescimento do PIB e o aumento do PIB per capita e, ao mesmo tempo, a taxa de
participação no trabalho pode aumentar e o desemprego pode diminuir.
Como disse Nathanial
Gronewold (2024): “Nada cresce para sempre – por favor, repita estas três
palavras em voz alta na próxima vez que você estiver em um pub ou esperando na
fila para algo ou de outra forma em público e acontecer de ouvir alguém
preocupado com as últimas notícias sobre a queda das taxas de fecundidade. Seja
educado sobre isso, claro, mas por favor repita este fato básico da física em
voz alta e com orgulho e sem hesitação, martelando o ponto fica claro para
todos ao alcance da voz” (p. 5).
Em geral, o declínio da
fecundidade provoca medo entre políticos, religiosos e investidores. Eles se
preocupam com sistemas de pensões, saúde e crescimento econômico. No entanto,
não se deve desesperar com a baixa fecundidade. Suas consequências são menos
cataclísmicas do que frequentemente se supõe, como mostrou o demógrafo Vegard
Skirbekk, no livro “Decline and Prosper! Changing Global Birth Rates and the
Advantages of Fewer Children” (2022).
Skirbekk considera que a
fecundidade muito baixa pode causar tensões fiscais e afetar negativamente o
crescimento econômico. Contudo, uma taxa de fecundidade total (TFT) entre 1,5 e
2 filhos por mulher favorece a autonomia reprodutiva, a igualdade de gênero e o
avanço da educação e do mercado de trabalho. Baixa fecundidade favorece os
investimentos na qualidade de vida das crianças e ajuda a minimizar o impacto
humano no planeta. Além disso, segundo o autor, é hora de aceitar que a baixa
fecundidade veio para ficar. As políticas públicas é que precisam se adaptar a
essa nova realidade.
De acordo com O’Sullivan
(2020) o envelhecimento populacional não deve ser visto como um entrave: “Uma
sociedade madura não é apenas uma sociedade para os idosos. Num mundo
pós-transição com uma população estacionária ou em declínio, as crianças podem
receber melhor apoio para desenvolverem o seu potencial. Os jovens adultos têm
maior probabilidade de aceder a empregos seguros nos quais a sua contribuição é
valorizada e a sua o capital humano é nutrido. Poderia ser oferecida aos
trabalhadores mais velhos maior flexibilidade para permanecerem na força de
trabalho na medida que eles escolherem. As famílias têm maior probabilidade de
conseguir habitação acessível e se beneficiar da herança. Menos desigualdade de
rendimentos e mais voluntariado por parte do nosso exército de reformados
capazes contribuirão para a coesão social” (p. 37).
Como mostrou Adair Turner
(03/10/2025): “Ao contrário do senso comum, o rápido crescimento populacional
raramente gera dividendos demográficos, enquanto baixas taxas de fecundidade
não levam necessariamente à estagnação. De fato, a fecundidade persistentemente
alta frequentemente agrava o subemprego, limita o investimento em educação e
infraestrutura e arraiga a pobreza entre gerações”.
Turner observa que: “A Coreia
do Sul é um exemplo disso. Sua taxa de fecundidade caiu para menos de 1,7 em
1985, e a parcela da população entre 20 e 40 anos diminuiu 20% desde 2000, mas
o país ainda ocupa o primeiro lugar no Índice de Inovação de 2021 da Bloomberg.
No início deste ano, o país ficou em décimo segundo lugar no Índice Global de
Soft Power da Brand Finance de 2025, uma “ascensão meteórica” atribuída ao seu
‘domínio nas artes e no entretenimento’ e ao apelo mundial de suas exportações
culturais, seja K-pop, K-dramas como Round 6 ou produtos de beleza coreanos.
Com apenas 0,8, a taxa de fecundidade da Coreia do Sul pode eventualmente minar
sua vitalidade inovadora. Mas a ideia de que baixas taxas de fertilidade
inevitavelmente resultam em estagnação tecnológica e cultural não é apoiada nem
pela lógica nem por evidências empíricas”.
Portanto,
o envelhecimento populacional é inexorável, mas isto não implica
necessariamente em retrocesso nos indicadores sociais.
O mundo será um lugar melhor para se habitar se o decrescimento populacional dos países for acompanhado do aumento da renda per capita e da redução da pegada ecológica e do déficit ambiental. Um mundo com menor quantidade de pessoas, pode ser um mundo com maior qualidade de vida humana e ecológica.
Fecundidade fica abaixo do nível de reposição em 20 das 22 maiores economias do mundo.
Para termos um mundo mais
sustentável, tendência de redução do crescimento populacional precisa vir
acompanhada de queda no consumismo e na exploração dos recursos naturais.
O caso da Coreia do Sul pode
servir de exemplo para a população brasileira. (ecodebate)
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