Os quatro bônus demográficos
e a nova dinâmica populacional global.
No Livro do Gênesis (1:28),
Deus abençoa Adão e Eva dizendo: “Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra e
sujeitai-a”. Durante milênios, a frase foi tomada como um mandamento literal,
incentivando famílias numerosas como forma de cumprir a vontade divina. Líderes
religiosos e políticos usaram esse princípio para justificar políticas
pronatalistas, associando população abundante a força e prestígio. De fato, em
um mundo pouco povoado e em sociedades agrícolas e patriarcais, filhos eram
riqueza e segurança na velhice. O crescimento populacional era visto como um
sinal de prosperidade e bênção divina.
Hoje, em um mundo com mais de
8 bilhões de habitantes e pressões ambientais graves, muitos teólogos e
pensadores reinterpretam esse trecho não mais como uma obrigação de reprodução
infinita, mas como chamado à responsabilidade de cuidar da vida e da Terra.
“Multiplicar” pode significar multiplicar saberes, justiça, solidariedade, e
não apenas descendência biológica. Portanto, o mandamento de “encher a terra”
já está cumprido; o desafio atual é preservar a criação e garantir qualidade de
vida para todas as espécies. Não mais multiplicar corpos, mas multiplicar
bem-estar, conhecimento e sustentabilidade.
A população mundial cresceu enormemente nos últimos 12 mil anos, tendo um aumento exponencial nos últimos 250 anos. O gráfico abaixo, do site Our World in Data, mostra que a população mundial era de 4 milhões de habitantes há 12 mil anos (3 vezes menos do que a cidade de São Paulo atualmente), atingiu cerca de 1 bilhão de habitantes em 1800, alcançou 4 bilhões em 1974 e 8 bilhões em 2022, devendo chegara 10 bilhões por volta de 2080 e, em seguida, iniciando uma tendência de decrescimento.
Mas o crescimento exponencial da população mundial já está com os dias contados. A maior taxa de crescimento (2,1% ao ano) ocorreu na década de 1960, atualmente está em 0,8% ao ano e o crescimento zero deve ocorrer em 2083, conforme projeções da Divisão de População da ONU. As últimas 2 décadas do século XXI serão de ligeiro decrescimento populacional global.
Desta forma, o mundo está
passando pela maior mudança de comportamento de massa da trajetória da
humanidade. A queda das taxas de mortalidade e natalidade trazem ganhos
inestimáveis para os seres humanos. Sem dúvida, a transição demográfica é a
vitória histórica sobre as inexpugnáveis barreiras do passado que aprisionavam
o destino dos seres humanos às altas taxas de mortalidade e de natalidade.
Sem dúvida, durante mais de
200 mil anos, desde o surgimento do Homo sapiens, as taxas de mortalidade e
natalidade permaneceram elevadas e o padrão de vida da população mundial era
extremamente reduzido. Até o início do século XIX, a maioria dos nascimentos
resultava em mortes prematuras, muitas vezes antes que os indivíduos atingissem
a idade adulta. Em um contexto de saúde precária e de pobreza generalizada, a
expectativa de vida ao nascer estava em torno de 25 anos.
No entanto, com o avanço do
ideário iluminista e com a produção em massa de bens e serviços, especialmente
após a Revolução Industrial e Energética, a dinâmica demográfica e econômica
começou a se transformar. A urbanização e o desenvolvimento econômico
promoveram melhorias nas condições de saúde, educação e moradia, além de elevar
o padrão de consumo.
A queda da mortalidade não só
aumentou a longevidade, como viabilizou a redução das taxas de natalidade. A
menor quantidade de filhos nas famílias impulsionou o investimento na qualidade
de vida de um número menor de crianças. Os casais passaram a dedicar menos
tempo às tarefas domésticas. As mulheres com maior autonomia reprodutiva
apresentam níveis mais elevados de escolaridade, maior inserção no mercado de
trabalho, maiores rendimentos e maior mobilidade social ascendente.
Desta forma, o
desenvolvimento urbano-industrial possibilitou a transição demográfica, que,
por sua vez, impulsionou ainda mais o processo de desenvolvimento. Esses dois
fenômenos ocorreram de forma sincrônica e constituem características essenciais
da modernidade, alimentando-se mutuamente em um ciclo virtuoso de progresso. A
expectativa de vida global se aproxima de 75 anos, cerca de 3 vezes mais do que
os 25 anos de 200 anos atrás.
O aumento da proporção de
idosos com uma vida mais longeva possibilita o surgimento de um terceiro bônus
demográfico: o bônus da longevidade. O envelhecimento saudável e ativo
impulsiona o crescimento das chamadas gerações prateadas, compostas por pessoas
que vivem mais e melhor. Neste sentido, o envelhecimento populacional – fruto
da transição demográfica – não deve ser visto como uma ameaça, mas sim como uma
conquista civilizacional.
A mudança da estrutura etária
é simplesmente uma nova realidade demográfica que não é intrinsecamente
negativa nem positiva. A forma como as nações respondem a essa mudança, por
meio de suas instituições sociais e políticas e a maneira de implementação das
diversas ações é que determinará se elas prosperarão ou não. Mas se as
oportunidades do envelhecimento forem bem aproveitadas é possível aproveitar um
3º bônus demográfico ou bônus da longevidade.
Mas cabe afirmar que não há
país rico e com alto padrão de vida que mantenha uma elevada proporção de
crianças e adolescentes em sua população. O enriquecimento e o envelhecimento
são processos simultâneos e sinérgicos. Promover atitudes e práticas favoráveis
aos idosos e contra as discriminações é uma condição essencial para superar as
armadilhas da pobreza e da renda média.
Assim, a “economia prateada”
representa um momento estratégico para aproveitar o terceiro bônus demográfico.
A primeira tarefa para concretizar o dividendo da longevidade é desmistificar
os mitos negativos sobre o envelhecimento e superar preconceitos etários. A
longevidade saudável, ativa e colaborativa pode se tornar uma eterna fonte de
integração intergeracional e de bem-estar social do país.
O artigo “Ageing and population shrinking: implications for sustainability in the urban century” (Jarzebski, et al, 2021) mostra que a mudança da estrutura etária e a diminuição do número de habitantes pode gerar um “dividendo demográfico do decrescimento”, tanto na área social, quanto na área ambiental.
Os autores mostram que o envelhecimento populacional e o decrescimento do número de habitantes são totalmente compatíveis com a Agenda 2030 da ONU e as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Mas, em especial, é uma situação que favorece a redução da Pegada Ecológica e a defesa do meio ambiente. Eles chamam de “dividendo do despovoamento” a situação favorável à restauração ecológica.
Adicionalmente, os autores
mostram que uma política pronatalista para se contrapor ao decrescimento
populacional pode dificultar o enfrentamento das questões sociais e ambientais.
O lado esquerdo da figura abaixo, representa um 4º bônus demográfico, ou
“dividendo do decrescimento”, enquanto o lado direito representa a “ampulheta
vulnerável”, que é uma situação de aumento da razão de dependência demográfica,
com baixa proporção de pessoas em idade ativa e alta proporção de dependentes,
jovens e idosos.
São várias as oportunidades
do decrescimento populacional:
a) Menos pressão sobre
recursos naturais, uso do solo, água e energia;
b) redução das emissões de
gases de efeito estufa;
c) O envelhecimento abre
espaço para novas indústrias e serviços voltados à saúde, bem-estar, lazer,
turismo e tecnologia assistiva;
d) Setores ligados a
longevidade podem se tornar motores de inovação e emprego;
e) a escassez de mão-de-obra
pode ser superada com o uso da robótica e a Inteligência Artificial.
Além disto, com menos
crianças e jovens, famílias e governos podem investir mais na educação e
qualificação de cada indivíduo. Isso pode elevar a produtividade e compensar
parte da redução do número de trabalhadores. Áreas urbanas podem se tornar mais
habitáveis, com menos congestionamentos e maior qualidade de vida. Espaços
abandonados podem ser convertidos em áreas verdes ou habitação social. Mudanças
nos valores sociais podem fortalecer solidariedade intergeracional e novas
redes de apoio.
O decrescimento populacional
pode ajudar a mitigar a crise climática e ambiental e pode facilitar a
adaptação diante da aceleração do aquecimento global e da 6ª extinção em massa
das espécies, abrindo espaço para a restauração ecológica.
Menor densidade populacional
em áreas de risco (zonas costeiras, regiões áridas) pode reduzir o impacto de
eventos extremos. Facilita políticas de relocação e adaptação urbana. Com menor
demanda, é possível investir em sistemas mais sustentáveis de transporte,
saneamento e habitação, adaptados à realidade do aquecimento global. Em um
mundo de escassez hídrica e alimentar, menores populações poderão reduzir
conflitos por água, terras férteis e energia.
Em síntese, o decrescimento populacional é um desafio estrutural inevitável, mas não precisa significar estagnação ou declínio do bem-estar. Se houver políticas adequadas em educação, inovação tecnológica e adaptação dos sistemas de proteção social haverá a possibilidade de construir uma sociedade mais equilibrada, sustentável e centrada no bem-estar humano, com respeito a todas as formas de vida da Terra.
O único grupo etário que vai crescer continuamente durante todo o século XXI será o de 60 anos e mais de idade, que tinha apenas 195 milhões de idosos em 1950, passou para 600 milhões de idosos no ano 2000, chegou a 1 bilhão de pessoas em 2018, deve alcançar 2 bilhões de pessoas em 2048 e está projetado para chegar a 3 bilhões de idosos em 2100. (ecodebate)





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