domingo, 9 de agosto de 2009

A ''tragédia ambiental'' sob a ótica do paisagista

Burle Marx relata destruição após viagem à Amazônia. Após expedição à Amazônia, um paisagista denuncia "verdadeira tragédia ambiental" presenciada ao longo de 11 mil quilômetros de rodovia, tomado por sentimento de "frustração e impotência". Diante da "catástrofe" provocada pela "devastação imediatista", ele defende a criação de leis que possam, rapidamente, "deter o processo suicida de eliminação sumária de um patrimônio muito maior do que a nossa dívida externa, do que nosso pluripartidarismo, do que as eleições diretas para presidente, problemas importantes apenas enquanto houver um Brasil pelo qual ainda valha a pena lutar". A denúncia não foi feita nos últimos meses, mas continua atual. Foi escrita em 1983 por Roberto Burle Marx em uma carta para o jornalista Carlos Castello Branco, então colunista político do Jornal do Brasil. O chefe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, Eduardo Coelho, encontrou o documento durante a preparação de um inventário sobre Castello Branco e ficou surpreso com sua atualidade. É um texto absolutamente contemporâneo, que realça o vanguardismo de Burle Marx. Ele já estava preocupado com a questão da legislação ambiental. Vinte e seis anos depois, a discussão é a mesma. A carta foi publicada na coluna de 16 de dezembro de 1983, oito dias após ter sido enviada pelo correio. Ex-sócio-colaborador e um dos herdeiros de Burle Marx (1909-1994), o arquiteto e paisagista Haruyoshi Ono disse que ele foi "um dos primeiros a se insurgir contra o desmatamento e as queimadas na Amazônia. Não se falava nada na ocasião. Depois surgiram outras vozes, mas o problema ambiental se agravou. Burle Marx começa a carta contando que havia retornado de expedição à Amazônia e que se sentia "na obrigação de denunciar". O objetivo inicial era coletar plantas potencialmente utilizáveis em projetos de paisagismo. Mas a viagem teve outros resultados. "Parti do Rio já preparado para constatar a devastação imediatista, a cupidez com que nossos recursos naturais são vilipendiados. Entretanto, confesso que errei em minha avaliação. E, lamentavelmente, meu erro foi o de subdimensionar a extensão dessa catástrofe", escreveu. "Onde está o homem, está a destruição. Pretender retratar, com palavras, um desastre de tais proporções é tarefa impossível. Após essa viagem, vi confirmadas algumas afirmações e conceitos meus que, tendo sido publicados, foram taxados de românticos, de verborréia estéril e outras qualificações depreciativas. Entretanto, depreciar um conceito, criticando sua forma, sem contra-argumentos em relação ao conteúdo, é prática costumeira dos que, instalados em seus gabinetes refrigerados de Brasília, pretendem ditar as leis de intervenção na natureza, sem o menor conhecimento da realidade amazônica." Ele avalia que o mais grave era o fato de não serem ouvidos moradores e cientistas especializados no estudo do bioma. "Admitir uma legislação genérica para uma formação natural com uma infinidade de matizes e circunstâncias tão específicas é, no mínimo, ingênuo ou tendencioso", comentou. "Permitir aos donos da terra que derrubem a metade da floresta em sua propriedade, independentemente das potencialidades do solo, das condições topográficas, das possibilidades de escoamento da produção e de uma infinidade de outros aspectos nos levará irreversivelmente à perda do patrimônio." O paisagista afirma que incentivar a remoção da capa vegetal, baixando os impostos por considerar a eliminação da floresta como benfeitoria, é crime de lesa-pátria. Para ele, enquanto a discussão dos problemas estivesse restrita aos gabinetes, o País teria verdadeiros abortos sob a forma de leis inadequadas e mesmo ridículas, porque emanadas da vaidade, da ignorância e, o que é pior, da necessidade do faturamento político eficiente no angariar prestígio, porém gerando dispositivos legais estéreis como, por exemplo, a lei que proíbe a derrubada da castanheira do Pará. Burle Marx conta que seu propósito, ao fazer a denúncia, não era o de que frutificassem só as castanheiras, mas também leis nascidas do conhecimento real dos problemas.

Um comentário:

Nas Quatro Estações disse...
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