sábado, 21 de novembro de 2009

A (in)sustentabilidade de uma associação de agricultores da Amazônia

Ampliar e diversificar atividades e, ao mesmo tempo, preservar a qualidade das ações desenvolvidas é um desafio para iniciativas comunitárias voltadas para o uso de recursos naturais. Essa afirmação resume uma das principais conclusões do estudo feito pela engenheira agrônoma Renata Mauro Freire, que há 15 anos trabalha junto a ONGs da Amazônia, na área de gestão de projetos socioambientais. A pesquisa foi desenvolvida no Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob orientação da professora Lúcia da Costa Ferreira, e deu origem à tese de doutorado “Sustentabilidade de sistemas socioecológicos sob a lente da resiliência: o caso de uma associação agroecológica na Amazônia ocidental”, defendida no último dia 19 de outubro. Freire analisou estratégias institucionais e práticas de manejo da Associação dos Produtores Alternativos (APA), uma organização de agricultores familiares da região de Ouro Preto do Oeste, no estado de Rondônia. Referência em agroecologia no final dos anos 1990, a associação declarou falência em 2008, depois de uma grave crise institucional. A partir do caso da APA, o estudo discute a sustentabilidade dos sistemas socioecológicos – iniciativas comunitárias voltadas para o uso de recursos naturais, que integram atividades institucionais e ecológicas, como a associação de agricultores de Rondônia. A trajetória da APA é emblemática e não é um caso isolado. De acordo com o estudo, muitas iniciativas consideradas bem sucedidas não conseguem se sustentar por mais de dez anos. Diante dessa realidade, a pesquisa foi baseada no conceito de resiliência, que se refere à capacidade de adaptação e reorganização das iniciativas comunitárias frente a mudanças e distúrbios, como, por exemplo, a variação de preço dos produtos comercializados, os conflitos internos ao grupo, as secas e a incidência de pragas e doenças. Ao discutir a sustentabilidade da gestão dos sistemas socioecológicos, Freire destaca dois elementos-chave: ganho de escala e capital social. A ampliação e diversificação temática das atividades e o aumento no número de integrantes estão entre os exemplos de ganho de escala. Já o capital social se refere a condições de interatividade, como confiança, compromisso, valores compartilhados, redes de cooperação e relações sociais. No caso da APA, o descompasso entre o ganho de escala e a preservação da qualidade do capital social foi crucial para a crise. “Não tem receita, mas qualquer outra iniciativa que vá se desenvolver deve estar muito atenta a essas questões”, defende Freire. A APA contava com 23 famílias associadas quando foi criada oficialmente, em 1992. Ganhou novos integrantes e formou parcerias com cooperativas locais, associações, prefeitura, ONGs, agências financiadoras e, até, com o mercado europeu. De uma estratégia inicial concentrada na produção de mel e em experimentos com sistemas agroflorestais – que incluem espécies arbóreas, agrícolas e criações de animais em um mesmo espaço -, passou à produção comercial de produtos, ao manejo de reservas naturais e à recuperação de áreas degradadas na região de Ouro Preto do Oeste. No seu período de auge, tinha mais de 200 agricultores associados e cerca de 500 hectares de sistemas agroflorestais e áreas reflorestadas. No entanto, segundo analisa Freire, à medida que ocorre o ganho de escala, há uma forte tendência de perda de qualidade do capital social e, consequentemente, das ações desenvolvidas. No caso da APA, houve enfraquecimento dos vínculos com os associados, diminuição da qualidade da assistência técnica e concentração de poder nas instâncias locais de decisão. A perda de credibilidade, o descontrole gerencial e o endividamento vieram a partir dos anos 2000, levando ao fim da associação. A grande lição é fazer um equilíbrio mais ponderado, avaliar em que medida o ganho de escala está diminuindo o capital social ou em que medida o capital social que se formou pode apontar para um ganho de escala mais seguro e resiliente. A pesquisadora chama a atenção, também, para a responsabilidade de acompanhamento técnico gerencial por parte do governo. Freire conta que, dentro de uma política de desenvolvimento em uma escala regional maior, a APA foi eleita como principal ator social na região central de Rondônia. “Houve uma transferência de responsabilidades, sem que houvesse um apoio e acompanhamento gerencial na mesma intensidade”, avalia. Para a pesquisadora, a importância da divisão de responsabilidades, não só com o governo, mas com outras instituições locais e regionais, é também uma lição importante aprendida a partir da análise da trajetória da APA. “Planejar de forma mais integrada uma região, fortalecendo os diversos atores sociais locais, é fundamental para garantir a sustentabilidade em um nível regional”, explica Freire. Agroecologia e sustentabilidade Se no campo institucional a APA encontrou problemas, na esfera do manejo, a associação era um exemplo. Por meio da análise das práticas de manejo da APA, o estudo permite avaliar as contribuições da agroecologia para a sustentabilidade. A agroecologia integra conhecimentos de diferentes disciplinas, como biologia, agronomia, sociologia, economia e, principalmente, ecologia e estabelece, ainda, o diálogo entre o conhecimento técnico-científico e o conhecimento ecológico das comunidades locais ou populações tradicionais. O estudo aponta que o interesse pelo conhecimento local, para melhorar estratégias de conservação e manejo de recursos, surgiu somente nos anos de 1980. Freire destaca a força desse conhecimento híbrido na APA. “Havia uma abordagem muito interessante de agricultor para agricultor. Eles levavam em consideração a sua realidade, seus interesses. Não que a assistência fornecida por técnicos deva ser excluída, mas pode-se fazer um sistema misto. É importante que os agricultores se apropriem de suas tecnologias”, argumenta a pesquisadora. O estudo destaca, ainda, as práticas de manejo voltadas para a diversificação. A utilização de cultivos com períodos de safra diferenciados contribuiria para garantir a boa distribuição, tanto da oferta de alimentos, quanto dos rendimentos econômicos, ao longo do ano. Freire conta que a APA, ao invés de se especializar em sistemas simplificados voltados para o mercado, contava, também, com sistemas mais diversos. Associava diferentes unidades de produção, como pasto, roça e sistemas agroflorestais diversificados e comerciais. “Havia equilíbrio entre a segurança alimentar e a geração de economia a partir da comercialização de outros produtos, principalmente pupunha, açaí, cupuaçu e mel”, descreve. Mesmo com o fim da APA, ao descrever as atividades de manejo da associação, Freire escreve no presente. “A APA colapsou institucionalmente, mas isso não quer dizer que os agricultores pararam de conduzir os seus sistemas”, justifica. O estudo descreve que alguns ex-sócios têm simplificado suas unidades de produção, investindo em monocultivos ou mesmo abandonando completamente os sistemas agroflorestais, como forma de protesto frente à crise. Os agricultores enfrentam, ainda, a pressão pela tendência ao desmatamento observada na região. Em suas considerações finais, o estudo questiona se o Estado e o movimento social e ambiental da região central de Rondônia vão agir para que o desmatamento não se intensifique. A tese valia, ainda, que é cedo para prever até que ponto o capital social formado na região, com grande participação da APA, será mobilizado e reorientado para novos empreendimentos e oportunidades. “Tanto os acertos como os erros e crises vivenciadas no passado devem servir de aprendizado e memória institucional regional para apoiar novas iniciativas e processos socioecológicos mais resilientes”, conclui o estudo.

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