sábado, 13 de fevereiro de 2010

A política nacional de mudanças climáticas é um exemplo para o mundo

Se no campo das negociações internacionais sobre as mudanças climáticas o Brasil é reconhecidamente um líder nato, influenciando sobremaneira aspectos importantes do Protocolo de Kyoto (o MDL, por exemplo, derivou de uma proposta brasileira), internamente o país vem também dando um exemplo para o mundo. Especialmente nos últimos quatro anos, a sociedade brasileira vem ampliando de maneira consistente e progressiva o debate sobre questões envolvendo o aquecimento global. Tal fenômeno de engajamento não tem paralelo no mundo em desenvolvimento (e mesmo em muitos países industrializados). Embora o cidadão comum brasileiro ainda permaneça relativamente distante do debate sobre o assunto, há agora significativas oportunidades de se obter informações e expressar opiniões. O Brasil tem um histórico exemplar no debate sobre o assunto. Foi o primeiro país a assinar a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) durante a Rio92. Naquela ocasião, foi fundada a Rede Clima Brasil, a qual se transformou, posteriormente, em 2000, no GT Clima do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (FBOMS), que permanece atuante até hoje. Mas foi a partir de 2000 que várias instituições brasileiras representativas da sociedade se envolveram mais profundamente no debate sobre o tema. Por exemplo, as discussões sobre a questão das emissões de C oriundas do desmatamento tropical (responsável por 25 % das emissões globais) e dos possíveis mecanismos, no âmbito do Protocolo de Kyoto (PK), para enfrentá-las, tomaram forma e tornaram-se polêmicas. Mais de 30 ONGs e Movimentos Sociais se envolveram nesse debate. No mesmo ano, o governo brasileiro estabeleceu o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, cuja presidência é ocupada pelo Presidente da República. O Fórum, embora sem destino certo, representou um passo importante para o fortalecimento e a abertura do debate com a sociedade. No ano seguinte, em outubro, parte importante da sociedade amazônica, os povos indígenas e agroextrativistas, representados pela Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA) e o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) respectivamente, estabeleceram o Fórum Indígena sobre Mudança Climática. Embora atualmente inativo, discussões sobre a sua reativação estão sendo iniciadas no âmbito da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Novas oportunidades de debate surgiram em 2002, com a criação do Observatório do Clima (OC), uma rede de ONGs e Movimentos Sociais que é atualmente composta por 28 instituições. O Observatório vem promovendo debates tanto no nível nacional (Seminários) com internacional (COP9), e lançou recentemente um documento sobre os Critérios de Sustentabilidade para Projetos de Carbono no Brasil. Paralelamente, o setor empresarial criou diversas oportunidades de discussão, enfocando seus esforços sobre as oportunidades econômicas abertas pelo mercado de carbono e MDL. Dois projetos relacionados a aterros sanitários já receberam apoio do Governo Brasileiro. Seguidas demonstrações de capacidade para o debate por parte da sociedade brasileira ocorreram em 2002. Embora o governo brasileiro ainda continue relutante em discutir como enfrentar seu principal problema, as emissões de gases de efeito estufa, via desmatamento na Amazônia, no âmbito das negociações internacionais sobre clima, há agora muito mais abertura para o debate com a sociedade sobre este e outros temas. Com o novo governo, por exemplo, discussões pré-COPs, entre membros do Itamaraty, MCT e MMA e setores da sociedade vêm se tornando tradição. Mas, qual foi o principal resultado de todo este evidente avanço do debate? A resposta parece ser a possibilidade de o país adotar uma Política Nacional de Mudanças Climáticas num futuro próximo. Se for capaz de aprovar tal política, o Brasil estará consolidando, definitivamente, sua posição entre os lideres mais expressivos no combate ao aquecimento do planeta. Certamente se tornaria um modelo a ser seguido. E pode ser que não estejamos longe disto, se depender, pelo menos, da sociedade brasileira. Por exemplo, em julho de 2004, foi criado, no âmbito do CONAMA, um GT sobre Mudanças Climáticas o qual propõe, entre outros objetivos, o de contribuir com uma Política Nacional de Mudanças Climáticas. O Observatório do Clima também iniciou tal discussão entre os membros da rede e avança na proposição das bases para um Projeto de Lei que estabeleça uma política nacional. Para completar, o Congresso Brasileiro, através da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados também, em julho de 2004, criou o GT de trabalho sobre Mudança Climática. Tal comissão referendou sua intenção de iniciar um amplo debate sobre o assunto, com um Seminário realizado na Câmara dos Deputados (Mudanças Climáticas: Desafios e Oportunidade). Tal debate resultou na proposição de um Projeto de Lei (PL) sobre uma política nacional de mudanças climáticas. Portanto, o debate sobre o assunto no país, vive um inédito e excitante momento. A pergunta agora é: o que podemos fazer, enquanto brasileiros, para contribuir com a melhoria de nossa qualidade de vida (presente e futura), ao mesmo tempo em que auxiliamos o mundo no combate às mudanças climáticas? Tal questão nos coloca em um ponto além do debate usual e focado exclusivamente em metas e, geralmente, calcado em uma posição defensiva no campo internacional. Pensar em uma política nacional significa, primariamente, em criar os meios para institucionalizar elementos importantes como a produção do inventário e da comunicação nacional de emissões de gases de efeito estufa. Também, seria um instrumento fundamental para fornecer as bases para a adoção de metas de redução de emissões, as quais o Brasil deverá enfrentar no futuro. Finalmente, tal política ajudaria a preparar a sociedade para assumir o desafio de avaliar as suas vulnerabilidades e preparar o país para medidas de mitigação e de adaptação, incluindo aí aspectos de educação sobre o assunto. Só estaremos bem preparados para enfrentar um clima alterado se estivermos efetivamente bem informados. Não esquecendo certamente os princípios básicos do Protocolo de Quioto, especialmente aquele relacionado às responsabilidades comuns, porém diferenciadas dos países (aqueles industrializados têm maior responsabilidade pelo problema e pela sua mitigação), o Brasil poderá aproveitar este momento para iniciar o seu mais estrondoso passo em relação às negociações internacionais. Poderá mostrar ao mundo que continua sendo uma liderança capaz de passos audaciosos o que, certamente, trará mais poder de negociação na definição dos rumos dos próximos períodos de negociação do Protocolo. Cabe agora a nós e ao governo brasileiro a decisão de aproveitarmos esta oportunidade.

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