A entrevista de hoje trata de entender o Plano de Ação para a Produção e o Consumo Sustentáveis. O projeto é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente e pretende discutir com diferentes setores algumas das ações necessárias para mudança dos padrões de consumo, e torná-lo mais sustentável. Em entrevista, por telefone, à IHU On-Line, Lisa Gunn analisa o plano, assim como as ações do governo, da iniciativa privada e dos consumidores para mitigar a problemática do aquecimento global. “Diversas pesquisas demonstram que os consumidores estão preocupados e valorizam as empresas que atuam de forma responsável. Existe uma conscientização maior sobre a importância dos problemas ambientais. E isso não em função da informação que é disponibilizada, mas porque estamos vivendo na pele as mudanças climáticas. A realidade está colocando para a sociedade a necessidade para termos de fato medidas concretas”, disse ela.
Lisa Gunn é formada em Antropologia e Sociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fez a especialização em Desenvolvimento Sustentável pela Carl Duisberg Gesselschaft, na Alemanha. É mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é coordenadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC).
IHU On-Line – No que consiste o Plano de Ação para a Produção e o Consumo Sustentáveis (PPCS) que foi lançado recentemente pelo governo federal?
Lisa Gunn – Essa é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente. A ideia do plano de ação é justamente trazer, para a discussão dos diferentes setores envolvidos, o debate sobre as ações necessárias para mudança dos padrões de consumo, e torná-lo mais sustentável. O Ministério do Meio ambiente é o coordenador desta iniciativa e formou um comitê de trabalho que está elaborando uma proposta preliminar de plano de ação, definiu-se alguns setores estratégicos para esse início de trabalho.
IHU On-Line – Qual é a sua origem e contexto?
Lisa Gunn – Desde a ECO 92, temos a clareza de que os atuais padrões de consumo e produção formam a raiz dos problemas socioambientais que nós enfrentamos. Então, há todo um trabalho a ser feito, tanto por parte do poder público quanto do setor privado e da sociedade civil para, de fato, implementar mudanças efetivas nesses padrões. A questão das mudanças climáticas veio justamente para demonstrar a urgência da necessidade que temos de mudar os padrões de consumo e produção. Esse plano tenta fazer a ponte com o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, identificando quais são as sinergias entre esses diferentes projetos. A proposta do Ministério do Meio Ambiente é colocar o Plano de Ação para a Produção e o Consumo Sustentáveis em consulta pública para colher a opinião da sociedade como um todo. O trabalho do comitê que fez a primeira versão já pensou em receber a contribuição da sociedade.
IHU On-Line – Quais são os principais atores que o PPCS envolverá?
Lisa Gunn – Há um entendimento disseminado de que toda e qualquer transformação que nós desejarmos nos padrões de produção e consumo deve ter uma co-responsabilidade entre poder público, empresas, sociedade civil e, principalmente, dos consumidores. O plano pretende demandar de vários setores, como as cadeias produtivas, um engajamento para discussão e debate dos padrões de consumo e produção.
IHU On-Line – Governos, empresas e consumidores têm a mesma responsabilidade no aquecimento global ou há um responsável maior?
Lisa Gunn – Não adianta tentarmos hierarquizar em relação a quem tem maior parcela de responsabilidade. A ideia da co-responsabilidade diz que o setor produtivo tem que mudar seus padrões. Por outro lado, não podemos pensar no papel do poder público como apenas fiscalizador e regulador. Ele também tem um papel de induzir, por meios de incentivos, que as empresas se mobilizem por essa transformação. Os consumidores podem ser um ator extremamente relevante porque, quando consciente dos problemas ambientais envolvidos na produção de bens específicos, pode demandar do setor privado posturas mais responsáveis. Porém, para isso, o consumidor precisa de informação e alternativas concretas. Hoje, ele não tem, de fato, nem um nem outro. Não podemos falar quem é mais responsável, todos nós somos. A questão é: cada um tem uma responsabilidade específica que pode ser encarada de formas diferentes.
IHU On-Line – Qual sua avaliação sobre as iniciativas do governo brasileiro para mitigar a problemática do aquecimento global?
Lisa Gunn – O governo brasileiro avançou bastante no momento em que, na reunião de Copenhague, apresentou suas metas de redução de emissões. Claro que agora o trabalho é ver quais medidas são necessárias para de fato alcançar essas metas. Temos um longo caminho a percorrer em relação a implementação que, de fato, vão permitir as reduções completas. Acredito que o governo poderia até ser mais ambicioso, mas isso pode ser rediscutido. O governo demonstrou, e isso temos que reconhecer, o compromisso do Brasil na redução de emissões. Onde o governo foi menos ambicioso, precisamos ter uma iniciativa mais efetiva do setor empresarial.
IHU On-Line – A principal fonte de gases estufa é o desmatamento e a pecuária. Que medidas são necessárias para mudar isso?
Lisa Gunn – Esse é um trabalho que várias organizações da sociedade civil vem fazendo para debater a questão da carne. Precisamos que o poder público seja mais efetivo na fiscalização do cumprimento da legislação porque, infelizmente, alguns representantes dos pecuaristas ainda desrespeitam leis tanto ambientais quanto trabalhistas. Hoje, o que dificulta a mudança é não termos mecanismos e compromisso em relação à rastreabilidade da carne. Isso para termos a certeza de que não estamos consumindo e produzindo carne que é proveniente de áreas de desmatamento ou com trabalho escravo.
Há um esforço do setor produtivo e dos frigoríficos, mas ainda precisamos a implementação concreta desses sistemas. Se temos produtores que desrespeitam a lei, precisamos que os frigoríficos assumam o papel de induzir esses fornecedores ao cumprimento da legislação. Assim, ele privilegia aqueles que atuam de forma correta e responsável. A mesma coisa deve acontecer com os supermercados. Eles têm o papel de debater com seus fornecedores o que eles estão fazendo para garantir que existe o cumprimento da legislação. Com isso, podemos dar um passo além.
IHU On-Line – Em sua opinião, como o consumo sustentável vem ganhando espaço na sociedade?
Lisa Gunn – Existe um crescimento da consciência da sociedade brasileira em relação aos problemas ambientais. Diversas pesquisas demonstram que os consumidores estão preocupados e valorizam as empresas que atuam de forma responsável. Existe uma conscientização maior sobre a importância dos problemas ambientais. Isso não em função da informação que é disponibilizada, mas porque estamos vivendo na pele as mudanças climáticas. A realidade está colocando para a sociedade a necessidade para termos de fato medidas concretas. O que está faltando é justamente o consumidor ter alternativas concretas e premiar as empresas que atuam de forma mais responsável e punir aquelas que não atuam conforme a lei.
IHU On-Line – Quais são os primeiros passos que uma pessoa tem que dar para se inserir numa prática de consumo sustentável?
Lisa Gunn – O consumidor precisa fazer uma reflexão sobre seus hábitos de consumo e olhar para além da relação entre preço e qualidade, que é privilegiado normalmente, mas também olhar os impactos sociais e ambientais dos seus hábitos. Essa não é uma tarefa fácil. Nós ainda não temos mecanismos que deem informações ao consumidor, mas ainda assim ele tem condições de, ao menos, olhar, por exemplo, o consumo de energia de um equipamento no momento da compra e dar preferência para os que consomem menos energia. Praticar a separação do lixo é algo importante. Sabemos que são poucos os municípios que oferecem a coleta seletiva, o consumidor precisa fazer um esforço extra de buscar associações de catadores ou supermercados que façam esse trabalho. E mais: ele pode pressionar o poder público para que faça a coleta do lixo de forma seletiva. O consumidor precisa ter um protagonismo na busca de informações e alternativas. (EcoDebate)
O entendimento vem de acordo com o nível cultural e intelectual de cada pessoa. A aprendizagem, o conhecimento e a sabedoria surgem da necessidade, da vontade e da perseverança de agregar novos valores aos antigos já existentes.
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