quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

In-segurança alimentar

A questão tem três pontos: renda para o produtor, renda para o consumidor e estrutura de comércio.
A RECENTE DISPARADA dos preços dos alimentos trouxe de volta uma discussão que andava meio adormecida: a segurança alimentar. De fato, a carestia da comida faz populações de baixa renda terem maior dificuldade de obter o essencial para garantir a sobrevivência. Dois fatores são responsáveis pelos aumentos: a produção mundial cresceu menos do que a demanda e fundos realizaram especulação.
O menor aumento de produção, por sua vez, se deveu basicamente a situações de seca na Europa central e na Austrália (frustrando duramente as safras de trigo, elevando os preços do cereal e, por consequência, os do milho, os da soja e os das proteínas animais) e, no hemisfério Sul, quebrando as colheitas de cana-de-açúcar, de café e de laranja.
Com isso, os estoques mundiais diminuíram, enquanto a demanda continuou crescendo no pós-crise, especialmente nos países emergentes. Aí veio a especulação, agora ampliada pela notícia de que a safra norte-americana não será tão grande quanto se esperava.
A volatilidade dos preços agrícolas é uma característica desse setor, o que determinou, ao longo da história, particularmente depois da Segunda Guerra Mundial, políticas públicas estabelecidas por governos com o objetivo de garantir a segurança alimentar. Foi a Europa, castigada pela fome durante a Guerra, que decidiu nunca mais passar pela tragédia da escassez e criou, em 1957, a PAC (Política Agrícola Comunitária), lastreada em pesados subsídios para seus produtores rurais.
Funcionou, e a Europa, importadora de alimentos, virou grande exportadora. Mas os subsídios se transformaram num feitiço contra o feiticeiro. Agora, mais de 50 anos depois, com a economia globalizada, os agricultores europeus não conseguem competir com seus colegas dos países tropicais, porque estes incorporaram novas tecnologias e aumentaram a produtividade, especialmente o Brasil e a Argentina.
Por isso, não podem mais ficar sem subsídios, que também passaram a ser aplicadas por outros países ricos, especialmente os Estados Unidos e o Japão, o que inibiu o comércio mundial a tal ponto que a OMC, na Rodada Doha, estabelecida para implementar esse comércio, não conseguiu mais avançar.
Instituições governamentais, ONGs e organizações privadas estão debatendo intensamente medidas para garantir a segurança alimentar. E a receita é sempre a mesma: abrir o mercado via negociações multilaterais ou bilaterais; coordenar mecanismos governamentais que restrinjam as exportações (modelo adotado pela Argentina e que resultou em um desastre econômico: taxadas as exportações, os preços subiram internamente, ao contrário do esperado); constituição de estoques mundiais e/ou regionais (que acabam rebaixando preços); programas de ajuda alimentar, como a Europa fez com a África; redes de segurança (para proteger os mais vulneráveis) e assim por diante.
Tudo muito interessante, mas a questão da segurança alimentar tem de ser tratada em três pontos: renda para o produtor continuar na atividade sustentavelmente, renda para o consumidor comprar o que precisa e estrutura de comércio (incluindo distribuição) adequada.
É nesses três pontos centrais que os governos devem atuar com políticas públicas efetivas. O resto ajuda, é claro, mas de forma subsidiária. Dos três, o mais frágil (mas que demanda estratégia de Estado) é a estabilidade de renda do produtor. Os mecanismos são superconhecidos: crédito farto e barato, seguro rural eficiente, preços de garantia, rol já praticado por diversos países.
A renda para o consumidor depende de investimentos que gerem empregos bem remunerados, o que não se faz de uma hora para outra. E, enquanto isso, programas como o Bolsa Família fazem um bom serviço. O problema é sair deles, assim como dos subsídios dos países ricos aos seus produtores.
As regras de comércio só precisam ser fixadas pelo governo, sem intervenção. Não é tão complicado: mas é preciso ter vontade política. (noticiasagricolas)

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