sexta-feira, 17 de junho de 2011

Proposta para o Código Florestal por Biomas

Proposta técnica para um Código Florestal por Biomas
Na discussão do novo Código Florestal brasileiro, conforme proposta que está sendo trabalhada no Congresso, e que eu preferiria fosse um Código Ambiental, tanto do campo quanto da cidade, tem havido muitas reclamações de que ele não tem bases científicas e técnicas. Pensando na necessidade de contemplar tais requisitos, eu escrevi um artigo publicado no portal do EcoDebate, em 06/05/2009 , onde fazia reflexões sobre o atual Código e propunha que o novo fosse feito por Biomas. (Osvaldo Ferreira Valente)
Não tive nenhum apoio do meio científico e técnico, e olha que mandei o artigo para muitas pessoas que falavam sobre o assunto, inclusive para o Grupo de Trabalho (GT) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Vivíamos um momento em que as pessoas que tinham interesse no assunto estavam divididas em dois blocos: o primeiro formado pelo setor rural, trabalhando para uma reforma mais profunda do atual Código, e o segundo constituído dos ambientalistas, que fechavam a cara para quaisquer possíveis mudanças. À primeira vista, parece que, mesmo sem intenção ou posição preconcebida, os cientistas da SBPC e da ABC subsidiaram as ideias do segundo grupo, pois a partir do relatório do GT os contrários passaram a usá-lo como argumento principal de luta pela manutenção do Código atual. Lamento que a ciência só tenha servido para tal. Tudo isso deu no que deu, com um acirramento absolutamente irracional e que não trouxe nenhum benefício real para o meio ambiente. Apenas satisfez alguns interesses corporativos e massagearam egos individuais.
Mais recentemente, em 31/05/2001, também publicado no portal do EcoDebate, escrevi artigo sobre os reais números da situação da florestas naturais do Brasil, que também serão usados aqui para subsidiar uma proposta técnica para um novo Código Florestal por Biomas. Em primeiro lugar, vamos ver como andam os nossos Biomas, usando dados do Serviço Florestal Brasileiro, órgão da estrutura do Ministério do Meio Ambiente.
1) Áreas dos Biomas:
. Amazônia – 419 milhões de hectares (mha)
. Mata Atlântica – 111 mha
. Cerrado – 204 mha
. Caatinga – 85 mha
. Pantanal – 15 mha
. Pampa – 17 mha
. Área total do país 851 mha
2) Áreas de florestas naturais existentes em cada Bioma:
. Amazônia – 354,6 mha (84,6%)
. Mata Atlântica – 29,8 mha (26,8%)
. Cerrado – 66,0 mha (32,35%)
. Caatinga – 47,0 mha (55,3%)
. Pantanal – 8,7 mha (58,0%)
. Pampa – 3,2 mha (18,8%)
. Área total de florestas naturais no país – 509,3 mha (59,8%)
A análise dos dados expostos nos itens 1 e 2 mostram que o país ainda detém 59,3% de seu território coberto por florestas naturais, o que parece muito bom. Tenho firme convicção de que o desejo de aumentar tal porcentagem não irá passar de utopia ou da criação de conflitos permanentes no campo.
Para uma proposta de adequação entre produção agropecuária/conservação ambiental, começo dividindo as áreas de floretas naturais em três categorias: as da Amazônia, as de posicionamento nas propriedades rurais dos demais Biomas e as de unidades de conservação, também nos demais Biomas.
Para o Bioma Amazônia, proponho a proteção de 335 mha, 80% da área, incluindo todas as formas, tais como: áreas de APPs e de reservas legais nas propriedades rurais, unidades de conservação, florestas públicas e terras indígenas.
Para as propriedades rurais dos demais Biomas, apresento a sugestão do item 3, como base para discussão.
3) Áreas de florestas naturais propostas para propriedades rurais:
. Mata Atlântica – 27,7 mha (25%)
. Cerrado – 61,2 mha (30%)
. Caatinga – 25,5 mha (30%)
. Pantanal – 7,5 mha (50%)
. Pampa – 3,4 mha (20%)
. Área total de floresta natural proposta, incluindo a Amazônia – 460,3 mha (54% do território nacional)
Como existem atualmente 24 mha em unidades de conservação (federais, estaduais e municipais), nos cinco Biomas (fora o da Amazônia), ou seja, 2,8% do território nacional, isto levaria ao total de 56,8% (54 + 2,8). Mas é evidente que ao fazer estudos por Biomas, irão aparecer novas áreas de extrema fragilidade para serem adicionadas às atuais unidades de conservação, levando o total para perto de 60%.
Algumas considerações a respeito das propostas:
– Considero mais do que razoável que 20% do Bioma Amazônia possa ser destinado a atividades agropecuárias, dentro de zoneamento ecológico/econômico;
– Os 25% da Mata Atlântica são justificados por ser a região mais habitada e com maiores demandas produtivas. E como ela já tem 7% de Unidades de Conservação, o percentual protegido vai a 32%, o que é mais do que razoável para as condições socioeconômicas do Bioma. Ainda resta a possibilidade de algum aumento das unidades de conservação, com base em estudos do respectivo Comitê (que será discutido mais a frente, neste artigo);
– Os 30% para Cerrado e Caatinga poderão, com a adição das unidades de conservação, atualmente em 6,4 e 5,9%, respectivamente, chegarem a valores de 40%, com a inclusão de novas áreas;
– O Pantanal, por sua situação emblemática de verdadeiro santuário, mas com tradição na criação de gado em regime extensivo e sem maiores danos ambientais, parece ficar bem servido com 50% de floresta natural.
– O menor valor, 20%, ficou para o Pampa, dada a sua característica típica de predominância natural de extensos campos de vegetação herbácea e pouca ocorrência de florestas.
É fácil notar, portanto, que a minha proposta, até agora, não traz nenhuma grande novidade em termos de totais de áreas protegidas. O importante, como diferencial em relação ao que hoje está posto, é quanto à metodologia de distribuição e implantação de tais áreas no campo. Em primeiro lugar, a legislação federal deveria se restringir à fixação dos percentuais da Amazônia e do item 3, mais as seguintes orientações:
– Áreas ciliares de interesse hidrológico e da biodiversidade deverão ter, no mínimo 15 metros de cada lado dos cursos d’água e das margens de lagoas naturais e artificiais, desde que com áreas maiores do que um hectare. Caberá aos Comitês de Biomas a fixação dos valores adicionais, levando em consideração as fragilidades ambientais e as condições socioeconômicas das comunidades envolvidas;
– Todas as encostas com 100% ou mais de declividade, independentemente do Bioma, deverão estar cobertas por florestas naturais;
– Obrigatoriedade de a propriedade rural fazer uma auto declaração do cumprimento dos mínimos exigidos no item 3, para constar no cadastro do INCRA e no Certificado de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR), emitido periodicamente ao proprietário rural. Para que criar mais um degrau burocrático? O cadastro do INCRA poderá ser consultado pelo MMA, sempre que necessário.
– Criação de um Sistema Nacional de Gerenciamento Ambiental, nos moldes do existente na chamada Lei das Águas (Lei Federal 9.433);
– Criação de programa de incentivo ao produtor rural que quiser ter mais do que o proposto no item 3.
Mas neste ponto os leitores já devem estar preocupados, achando que eu estou muito otimista quanto a ficar preso a uma legislação muito genérica. Mas calma, pessoal, eu ainda não expliquei os Comitês de Biomas, já mencionados.
A legislação federal deverá criar 6 Comitês, um para cada Bioma, formado por cientistas, com notória especialização em assuntos ambientais ligados aos respectivos Biomas, por membros da sociedade civil que habitem ou desenvolvam atividades no Bioma, e por representantes dos poderes públicos (federal, estadual e municipal), em número que não ultrapasse 30% do total de cada Comitê. Caberá a cada Comitê as orientações sobre o cumprimento das obrigatoriedades do item 3, a fixação de valores adicionais para as áreas ciliares, quando for o caso, a indicação de novas áreas para criação de unidades de conservação e servir de primeira instância para resolução de conflitos ambientais. Cada Comitê terá um presidente eleito pelos pares, câmaras especializadas e uma secretaria executiva, formada por profissionais e que será responsável por estudos técnicos sobre as fragilidades ambientais do Bioma. A secretaria executiva será responsável, também, pelo acompanhamento das atividades produtivas quanto aos impactos ambientais e pela integração dos diferentes órgãos públicos e privados atuantes na área do Bioma. Para sua constituição e funcionamento, poderá ser usada a experiência, já de alguns anos, dos Comitês de Bacias Hidrográficas. Eles já têm prática para apontar defeitos que possam ser corrigidos nos Comitês de Biomas.
A estrutura e o funcionamento dos Comitês de Biomas devem priorizar metodologia de apoio em conhecimentos científicos e técnicos para a tomada de decisões, ou seja, as decisões devem ser entre alternativas baseadas na ciência e na técnica.
Resumindo a proposta feita, ela tem dois pilares básicos: primeiro, que a União deveria legislar sobre aspectos gerais do sistema de proteção e conservação dos recursos naturais, as florestas, no caso, indicando parâmetros mínimos a serem cumpridos; e, segundo, que caberia aos Comitês a operacionalização dos parâmetros criados. Exemplo: no caso da Mata Atlântica, a União fixaria os 25% de florestas naturais e a necessidade de pelo menos 15 m de faixa de proteção em torno dos cursos d’água e o Comitê iria determinar como e onde distribuir o restante para cumprir os 25% em cada propriedade. Determinar, também, se haverá ou não possibilidade de manejo florestal sustentado em algumas dessas áreas.
Alguém poderia dizer, a esta altura, que eu estou tirando dos Estados o direito de legislarem concorrentemente com a União, conforme previsto no Art. 24 da nossa Constituição. Mas tais prerrogativas poderão ser contempladas nos desdobramentos das funções dos Comitês e dando aos Estados, também, preferência na ocupação dos 30% dos membros dos Comitês. O interessante é que a presente proposta atende ao disposto no Parágrafo 1o do Art. 24, que diz: “No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”.
Após esta sinopse de proposta, confesso que termino este artigo com certa tristeza, por achar que o campo de discussão já está minado pelos grupos que atuam dogmaticamente a favor ou contra o texto do Código já aprovado em uma das casas do Congresso. E até agora a ciência e a técnica só foram mencionadas quando de interesse de quaisquer das partes em alicerçar posições já previamente assumidas. Como consolo, considero o fato de estar cumprindo a minha obrigação de cidadão que há 45 anos tem, como atividade profissional, os assuntos relacionados com o meio ambiente. A minha experiência traz-me tranquilidade para propor alternativas às situações com as quais não concordo. Fiz a primeira investida no artigo de 2009, quando a comissão dos deputados, sob a relatoria do Aldo Rebelo, apenas começava o seu trabalho.
Quanto aos que só criticam, sem sequer ter informações exatas sobre as propostas correntes, gostaria e vê-los participando de discussões objetivas, com os pés bem posicionados nas realidades do nosso interior e despidos de preconceitos ambientalistas e ruralistas. A variabilidade do território brasileiro exige muito mais do que definições geométricas burras e uniformidades inteiramente artificiais. Apenas cômodas metragens para lá e para cá não serão capazes de dar caráter científico ao Código. Além do mais, as leis jamais deveriam descer a detalhes que possam prejudicar futuras aplicações tecnológicas. (EcoDebate)

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