quinta-feira, 23 de junho de 2011

Código florestal ‘volta ao passado’ colonial

Mais que opor ruralistas e ambientalistas, a nova legislação sobre áreas rurais faz reacender disputas por terra no interior do país.
O debate em torno do projeto do novo Código Florestal acirrou ainda mais a antiga rivalidade entre ambientalistas e ruralistas Brasil adentro. Enquanto os defensores do meio ambiente protestavam e os empresários do agronegócio aplaudiam, a Câmara dos Deputados aprovava o texto do parlamentar Aldo Rebelo (PC do B/SP), no dia 25 de maio. Para piorar o estado de tensão, no mesmo dia em que o projeto era votado em Brasília, um casal de extrativistas que denunciava o trabalho ilegal de madeireiros era assassinado no Pará, ilustrando o histórico quadro de violência no campo cujo principal ator é a impunidade dos corruptores da floresta.
Neste momento, cabe apenas ao Senado decidir os rumos das matas brasileiras: contestar ou passar o bastão à Presidência da República? Eis a questão. Diante do impasse, a discussão aumenta, assim como as dúvidas: o que diz afinal o projeto do novo código?
Em texto publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, no dia 8 de junho, Aldo Rebelo explica que “o objetivo central do novo Código Florestal é deixar o agricultor trabalhar em paz e em harmonia com o meio ambiente”, de forma que se possa conciliar preservação e crescimento econômico. O deputado assegura que, com base na nova legislação, é “possível enfrentar a ilegalidade de boa parte da atividade agrícola e da pecuária em razão das restrições impostas, com um mínimo de criatividade, que permita aos estados, dentro das exigências atuais, preservar os porcentuais mínimos de cada bioma, adaptando-se às condições locais, ao modelo de ocupação do território e à estrutura da propriedade da terra”.
A forma com que o projeto tenta realizar essa chamada “harmonia” encontra dura oposição no meio científico e acadênico, principalmente no que diz respeito à mutabilidade das Áreas de Proteção Permanente (APPs) – como topos e encostas de morros e margens de rios – e à suspensão das multas do agricultor que desmatou até julho de 2008 – caso este adira ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
“Ele permite a consolidação da ocupação irregular de encostas, expõe a população que ocupa essas áreas aos riscos, expõe o solo e a água à contaminação”, diz Carlos Rittel, coordenador do programa de mudanças climáticas e energia da organização WWF Brasil (http://www.wwf.org.br/). “O Código Florestal precisa sim ser modernizado, mas no sentido de permitir que se cumpra o código e se fiscalize o setor produtivo. A gente não pode perder o objetivo central que é de proteger as nossas florestas. Isso não é um código de desenvolvimento agropecuário, é um código de desenvolvimento sustentável da floresta”, acrescenta.
Os danos causados pela aprovação da nova norma escapam também do âmbito ambiental e entram no âmbito político e social. Em entrevista à Revista de História, a historiadora Regina Beatriz Guimarães Neto, professora da Universidade Federal de Pernambuco, alerta para o agravamento dos conflitos no campo diante da possível impunidade concedida pelo código – que delegaria aos estados e municípios o poder de decidir sobre os domínios das APPs em suas respectivas regiões. Com esse poder localizado nas instâncias locais, aumentaria ainda mais a corrupção dos interesses do meio ambiente diante do desejo de desmatadores e senhores de terra, que têm grande influência sobre a política no interior do Brasil.
“Reaparecem fantasmagoricamente cenas de uma ‘volta ao passado’ colonial, com comerciantes gananciosos fazendo de uma rica terra recém descoberta um amplo posto de venda. Hoje, presenciamos o agronegócio que devasta as nossas florestas e cerrados e ainda chega, até mesmo, a utilizar trabalho análogo a de escravo. Mas, como antes, falta a estes fazendeiros o próprio ‘sentido de cidadania’”, observa a pesquisadora, que ainda utiliza uma frase do professor José Murilo de Carvalho, conselheiro da RHBN, para ilustrar a situação política no norte do país: “o poder do governo [termina] na porteira das grandes fazendas”.
O assassinato dos líderes extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, no dia da votação do projeto do novo código é, para a historiadora, um fato simbólico que deve ser visto como uma violação dos direitos do Estado democrático, “é a certeza da impunidade”. “É uma declaração de poder de segmentos que, ao se organizarem em consórcios criminosos para contratação de pistoleiros, emitem claros sinais de que o Estado não tem poder para governá-los. É uma situação que conta com a articulação de uma oligarquia política e seus representantes no Congresso Nacional que, tradicionalmente, tem o domínio da terra, dos homens e das mulheres trabalhadoras”, observa.
Para ela, a solução é a sociedade civil se mobilizar e pressionar o Senado para que o Código seja revisto. “Não podemos naturalizar estes atos bárbaros e jamais pensar que isso ocorre ‘longe de nós’”, e finaliza: “A maquinaria política se esmera a convencer o Brasil, em pleno século XXI, a seguir na contramão do estímulo à vida no planeta Terra”.
Entenda o projeto do novo Código Florestal
O Código Florestal é a legislação que traça as normas de preservação ambiental em propriedades rurais, estipula o que pode ou não ser utilizado por pequenos e grandes agricultores e pessoas ligadas à atividades no campo. O texto do deputado Aldo Rebelo foi aprovado em julho de 2010, mas demorou quase um ano para que a Câmara debatesse seus pontos e aprovasse o projeto final, que está agora sob julgo do Senado Federal. Se aprovado pelo Senado, a norma chega às mãos da Presidência da República, que pode ou não usar o veto para fazê-lo retornar à Câmara para ajustes.
O novo texto prevê que pequenos produtores rurais estejam isentos de recuperar a mata desmatada em até quatro módulos fiscais, o que representa uma área de 40 a cem hectares – dependendo do estado. Isso foi ponto de discórdia tanto na Câmara, quanto para ambientalistas, assim como a passagem que se refere à Área de Proteção Permanente.
Neste ponto, o novo texto consolida algumas plantações em APPs, como o café e a laranja, sem necessidade de recompor a natureza desmatada. Além disso, deixa à cargo dos estados a definição do que pode ou não ser cultivado nestas áreas. O governo é contra a descentralização da regulamentação.
Outro ponto de discórdia é o que se refere à anistia a quem desmatou até julho de 2008. O texto-base de Rebelo prevê a suspensão das multas ao produtor que se inscrever no Programa de Regularização Ambiental, o qual traça novas ações de preservação dentro da nova norma. Se o agricultor não seguir o PRA à risca, precisará pagar as multas anistiadas no primeiro momento. O governo é contra, assim como os ambientalistas. Estes últimos alegam que isto poderá fazer com que o desmatamento seja estimulado ainda mais diante do reforço da impunidade. (EcoDebate)

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