sexta-feira, 29 de julho de 2011

"Ciência sob encomenda"

‘Ciência sob encomenda’ baseou alterações no Código Florestal
A reforma do Código Florestal aprovada pela Câmara dos Deputados utilizou como inspiração e base científica apenas um estudo, com conclusões duvidosas e erradas e ainda não devidamente publicado. A afirmação foi feita pelo agrônomo Antonio Donato Nobre, em sua conferência Novas Geotecnologias no Ordenamento Territorial, dada em 15/07 durante a 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada durante esta semana em Goiânia e que acaba hoje. Ele se refere a um trabalho de 2008, de Evaristo de Miranda, pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite, que afirma que apenas 29% das terras agricultáveis do Brasil estão disponíveis para as lavouras.
Para Nobre, o que Miranda fez foi ciência “a soldo, sob encomenda”. Apesar disso e das inconsistências das conclusões dele, elas “foram avidamente apropriadas por poderosos interesses políticos e econômicos”. “Na esteira dessa apropriação, e substanciado pelo julgamento de valor emitido pelo estudo, formou-se ampla frente política para alteração do Código Florestal”, criticou Nobre, que é pesquisador dos institutos nacionais de pesquisas Espaciais (INPE) e da Amazônia (Inpa). “O estudo, em essência, estimulou a percepção das forças políticas sobre uma [falsa] realidade de que não existiriam terras disponíveis para expansão da atividade agrícola.”
Em suas críticas, ele não está falando por falar. Nobre se baseia num estudo próprio que realizou, intitulado Zonas ripárias e o código florestal – Usando Geotecnologias na definição de APPs, que deverá ser publicado em breve. Para isso ele mapeou 308.200 km2, subdivididas em áreas menores nas regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste. Nobre empregou nesse trabalho uma nova tecnologia chamada de hidrografia de alta resolução, que usa imagens de diferentes tipos de radares e modelagem matemática para produzir mapas em 3D. Depois, ele usou as determinações para as matas ciliares (ripárias) do código florestal vigente, do substitutivo do deputado Aldo Rebelo, aprovado na Câmara, e os dados de Miranda e comparou os três.
Os resultados mostraram, que se forem obedecidas as normas do atual código florestal, as matas ciliares protegidas ocupam apenas 6,87% das terras do Brasil. Pela proposta aprovada na Câmara, esse índice é de somente 4,72%, enquanto no estudo de Miranda chegam 21,26%. “APP (área de proteção permanente) ripária computada emulando método de Miranda é 309% super-estimada em relação à APP utilizando hidrografia em alta resolução”, revelou. “Não se justifica, portanto dizer que o código florestal vigente protege áreas ripárias demais. Se Miranda inflacionou as APPs ripárias desta forma, como confiar em seus outros números?”
As críticas de Nobre ao trabalho do pesquisador da Embrapa não param aí. De acordo com ele, o estudo de Miranda passou uma noção não-quantitativa [e também falsa] de que as APPs estariam genericamente tomadas por atividades agrícolas altamente produtivas. “Como até hoje a evolução do substitutivo Aldo Rebelo não contou com um aporte qualificado e sério de ciência, essas falsas premissas científicas ainda instruem o processo legislativo”, disse.
Nobre fez mais que um estudo próprio. Ele realizou uma avaliação científica do estudo de Miranda semelhante àquela, feita por pares, a qual são submetidos todos os trabalhos científicos antes da sua publicação. Por esse critério, trata-se, segundo Nobre, “de um estudo pioneiro em abrangência, aparentemente extenso e complexo, mas com aspectos críticos da metodologia inexplicavelmente omitidos, o que tem dificultado ou impedido a reprodução independente das análises feitas”.
Além disso, para Nobre, é um trabalho pretensamente científico, “mas que saiu diretamente do laboratório para a imprensa e para os círculos de lobby político”. “Dois anos e meio anos depois de seu anúncio, o estudo ainda não foi publicado em revista científica com corpo editorial na sua área de concentração (geociências)”, lembrou. “Apesar das graves limitações metodológicas, admitidas em parte no próprio estudo, as conclusões são apresentadas com julgamento de valor e engajamento ideológico, contrariando as melhores práticas científicas de neutralidade objetiva.”
Para piorar a situação, Nobre diz que os parlamentares são impermeáveis às informações corretas e à boa ciência. “A SBPC e ABC (Academia Brasileira de Ciência) apresentaram uma revisão criteriosa de centenas de estudos científicos publicados, mas o Congresso ainda os ignora”, reclamou. “Enquanto isso, o estudo de Miranda, esse tipo de factoide científico, gerado pela informação incompleta, inacuada e pelas generalizações temerárias feitas, foi amplamente utilizado para justificar várias alterações propostas no Código Florestal.” (EcoDebate)

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