domingo, 17 de julho de 2011

Onde o IPEA errou

Reforma do Código Florestal: Onde o IPEA errou
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão do Governo Federal responsável pela elaboração de estudos e pela avaliação de políticas públicas, divulgou, em junho de 2011, estudo analisando os impactos sobre a conservação de Reserva Legal no âmbito do Código Florestal: O Código Florestal trata, entre outras coisas, sobre desmatamento, exploração e conservação de vegetação nativa. O Código Florestal Brasileiro data de 1934 e surgiu como forma de regrar a expansão da economia agrícola para as áreas de florestas, estimulada pelo desenvolvimentismo do Governo Vargas. O Código foi reformulado em 1965, em função do programa governamental de colonização da Amazônia.
A partir de então, o código sofreu mais duas reformas significativas. A primeira em 1989 quando, através da ECO 92, a pauta ambiental passou a ser um tema central no cenário internacional. A segunda ocorreu em 2001, através de uma Medida Provisória, com objetivo de criar mecanismos facilitadores para o cumprimento do Código. A determinação de percentuais de áreas de conservação de vegetação nativa em todas as propriedades rurais, a Reserva Legal (RL), e a proteção de Áreas de Preservação Permanente (APP) são importantes mecanismos da política ambiental brasileira definidos no Código Florestal, aprovado na Câmara dos Deputados. O estudo, no entanto, comete quatro erros que criam mais confusão do que esclarecimento sobre o que está em jogo na reforma do Código Florestal.
São eles:
- A análise do tamanho do passivo de Reserva Legal, não faz qualquer menção ao fato de que uma parte das áreas abertas, e que deveriam ser destinadas ao cálculo de Reserva Legal, foram desmatadas legalmente na legislação vigente à época
- O estudo foi capaz de estimar o passivo de Reserva Legal, mas decidiu não mencionar que, se levada à ferro e fogo, a recomposição integral das áreas de RL acarretaria redução da produção, prejudicando os consumidores brasileiros
- A adoção de premissas que superestimam o passivo de Reserva Legal no Brasil
- A utilização de um cenário de isenção de recuperação de Reserva Legal que não faz parte do Código aprovado e, portanto, não tem validade.
A Reserva Legal corresponde a percentuais de cada propriedade rural que deve ser conservado, ou seja, mantidas com a vegetação nativa. Os percentuais variam de acordo com o Bioma: Grande comunidade estável e desenvolvida, adaptada às condições ecológicas de uma certa região, e geralmentecaracterizada por um tipo principal de vegetação e a região onde a propriedade está localizada: 20% na Mata Atlântica, nos Pampas, no Pantanal, na Caatinga e nos Cerrados 35% nos Cerrados localizados na região denominada Amazônia Legal e 80% na Amazônia. Lembrando que na região Amazônica, se o estado possui o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), certas regiões podem ter seus percentuais reduzidos para 50%. O zoneamento é um instrumento para orientar a alocação de atividades agropecuárias e florestais no território e atua também na definição das Áreas Prioritárias para Conservação.
Devido às inúmeras mudanças que o Código Florestal brasileiro em vigor sofreu desde sua promulgação em 1965, que alteraram o propósito e os percentuais da Reserva Legal, e devido ao fato de que a ocupação do território brasileiro se deu por orientações e políticas dos governos passados, que inclusive estimularam a abertura de novas áreas, nas condições do Código vigente à época, muitas propriedades acumulam hoje o chamado “passivo de Reserva Legal”, ou seja, muitas propriedades não possuem os percentuais determinados pela lei vigente. O Código aprovado no Congresso reconhece, corretamente, que a lei mudou no tempo e desobriga de recomposição áreas que deveriam ser destinadas à Reserva Legal, mas que foram desmatadas de acordo com a lei vigente à época.
A versão do Código aprovada na Câmara, em maio de 2011, reconhecendo a existência destes passivos, que colocam um grande contingente de produtores na ilegalidade, estabelece algumas flexibilizações para permitir a regularização das propriedades. Esta versão, no entanto, não altera em nada o princípio da Reserva Legal, ou seja, ela continua sendo uma obrigação de conservação de uma parcela de todas as propriedades rurais do Brasil.
Uma destas flexibilizações é dada aos produtores de menor porte: propriedades de até 4 módulos fiscais, ou seja, 20 a 400 ha, dependendo do estado. Reconhecendo que eles têm menor renda e, por suas propriedades serem menores, serão mais prejudicados pela recomposição da Reserva Legal em suas áreas utilizadas para produção, os desobriga de recompor seus passivos e, consequentemente, reconhece a vegetação existente como suficiente para atender a obrigação das reservas legais.
O estudo “Código Florestal: Implicações do PL 1876/99 nas Áreas de Reserva Legal” do IPEA tentou quantificar o montante de vegetação que deixará de ser recomposta para atender à necessária flexibilização para as propriedades de até 4 módulos fiscais, ou seja, calcular o passivo de Reserva Legal nestas propriedades. Sugere calcular, também, o passivo de Reserva Legal na parcela de até 4 módulos das propriedades maiores que 4 módulos.
O IPEA errou no cálculo dos passivos de Reserva Legal, porque obviamente os superestimou, e errou ao assumir que o passivo nas áreas de até 4 módulos fiscais, dentro das propriedades maiores do que 4 módulos, não precisa ser recomposto. Esse segundo cálculo não tem qualquer serventia para o debate da reforma do Código Florestal, já não está estabelecido no Código aprovado na Câmara, ou seja, as propriedades maiores que 4 módulos fiscais continuam obrigadas a recompor seus passivos de Reserva Legal.
O erro do passivo nas propriedades de até 4 módulos fiscais decorre do equívoco cometido no cálculo do passivo total, ou seja, em relação a todas as propriedades. O IPEA estimou a reserva legal necessária em 258,2 milhões de ha e em 159,3 milhões de ha o seu passivo (a diferença entre eles é área com vegetação nativa). Este passivo foi calculado combinando o cadastro do INCRA, que indica existirem no Brasil 5,1 milhões de propriedades, ocupando 571,4 milhões de ha, com os dados do Censo AgropecuárioCenso agropecuário: O Censo Agropecuário é feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e é o mais completo levantamento sobre estrutura e produção da agricultura e da pecuária brasileiras.
De âmbito nacional, seus resultados servem de base para estudos, análises e projeções sobre o setor agropecuário. Constitui a maior fonte de informações e auxilia os diversos níveis de governo (federal, estadual e municipal) na elaboração e acompanhamento de políticas públicas, aperfeiçoando cada vez mais o processo de alocação de recursos públicos. O objetivo da pesquisa é atualizar dados de censos anteriores e fornecer informações sobre aspectos econômicos, sociais e ambientais da atividade agropecuária. Fonte: IBGE, que indica também 5,1 milhões de propriedades, mas ocupando uma área de 330 milhões de ha, portanto, muito abaixo do observado nos dados do INCRA.
No Censo Agropecuário, os produtores declaram quanto de vegetação nativa possuem nas suas propriedades. Com base nesse dado, o IPEA estimou um índice de passivo contido nas declarações do Censo. Esse índice foi aplicado nos dados do cadastro do INCRA, gerando esse passivo de 159,3 milhões de ha. Como no cadastro do INCRA a área total das propriedades é muito maior do que no Censo (cerca de 73% maior), o passivo encontrado é, forçosamente, muito maior.
Mas esse não é o único erro. Nenhuma análise de imagem de satélite da vegetação remanescente foi feita. Assim, o passivo calculado é teórico porque o IPEA não tem qualquer evidência para afirmar que ele é real. Uma simples conta de subtração comprova que ele não tem relação com a realidade.
As propriedades incluídas no Cadastro do INCRA ocupam 571,4 milhões de ha. O IPEA afirma que o déficit é de 159,3 milhões de ha. O Censo Agropecuário mostra que cerca de 220 milhões de ha são ocupados com atividades produtivas. Se o passivo fosse recomposto, a área produtiva teria de cair para 61 milhões de ha. Será mesmo verdade que os produtores geraram um déficit que representa 73% da área produtiva sendo que grande parte desta área está em Biomas cuja reserva legal é de 20%?
Se o IPEA tivesse tido algum rigor científico em estimar esse passivo, teria buscado analisar imagens de satélite. Com elas, teria descoberto que a ordem de grandeza do passivo é de 1/3 da estimativa publicada no estudo. Se o passivo total está errado, o mesmo, obviamente, ocorreu com o passivo das propriedades de até 4 módulos. O estudo estimou esse passivo em 29,5 milhões de ha, sendo esta a área que deixaria de ser recomposta em função da flexibilização criada pelo Código votado no Congresso. Como o passivo real é de 1/3 do estimado, o mesmo vale para o passivo das propriedades de até 4 módulos fiscais. Todos os demais cálculos feitos pelo IPEA, de retenções evitadas de carbono pela não recomposição do passivo, não são, portanto, válidas.
Ao superestimar o passivo e não ponderar que ele decorre da lei vigente e desconsiderar as aberturas de áreas feitas legalmente seguindo as leis vigentes à época, o IPEA confunde a sociedade brasileira e atrapalha a tomada de decisão dos senadores que estão avaliando o texto do novo Código aprovado no Congresso. (noticiasagricolas)

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