O movimento ambientalista está perdendo o ímpeto, e governos
de todo o mundo ignoram sua responsabilidade de desacelerar a mudança
climática. O diretor do Greenpeace, Kumi Naidoo, porém, continua otimista.
Nesta entrevista, ele explica sua nova visão de um mundo sustentável –e como o
papa pode ajudar.
Políticos e líderes empresariais gostam de falar sobre a
nova era da economia verde. Mas, na realidade, a exploração da natureza está
aumentando. O Congresso brasileiro tenta enfraquecer as leis que protegem a
floresta tropical. Na conferência do clima em Durban, na África do Sul, não se
conseguiu chegar a um acordo sobre a limitação das emissões de CO2.
E nas economias em desenvolvimento, como China e Índia, dezenas de novas usinas
energéticas movidas a carvão estão em obras.
Um governo após o outro evita sua responsabilidade quando se
trata de combater a mudança climática. Enquanto isso, ativistas ambientais em
todo o mundo se mostraram incapazes de reverter ou mesmo desacelerar a
tendência. De fato, o movimento verde parece ter perdido o ímpeto. Agora o
diretor do Greenpeace, Kumi Naidoo, começou a seguir uma nova estratégia. Ele
está mudando o enfoque de sua organização para o mundo em desenvolvimento,
ligando a luta contra o aquecimento global à luta contra a pobreza. E também
aumentando a cooperação do Greenpeace com grandes empresas.
Críticos acusaram Naidoo de enfraquecer a marca Greenpeace.
“Spiegel Online” encontrou Naidoo no Simpósio St. Gallen, na cidade suíça do
mesmo nome. Na entrevista, ele defendeu o Greenpeace da acusação de que se
tornou mole demais.
Spiegel Online: Senhor Naidoo, o Greenpeace parece impotente
em sua luta para proteger o meio ambiente. O planeta já está perdido?
Kumi Naidoo: Para milhões de pessoas, especialmente na
África, já é tarde demais. Elas já estão sentindo o impacto da mudança
climática, o que não quer dizer que através da adaptação e mitigação elas e o
resto do mundo não possam evitar as piores consequências ou aliviar o
sofrimento. Mas precisamos agir agora e começar a fazer tudo o que pudermos
para proteger o clima. Definitivamente não estamos impotentes, mas precisamos
de apoio. Outros interesses – como o lobby do petróleo– têm acesso a recursos
financeiros imensamente maiores que nós, e é contra isso que lutamos.
Spiegel Online: Qual foi seu êxito mais recente?
Naidoo: Temos muitos, mas um grande exemplo de nosso
trabalho recente foi convencer a Nestlé a parar de cooperar com o produtor de
óleo de palmeira indonésio Sinar Mas. Essa companhia destrói grandes áreas de
floresta tropical para abrir espaço para suas plantações, e uma grande parte de
nosso trabalho é incentivar as empresas a praticar a responsabilidade
ecológica.
Spiegel Online: Quando se trata de questões em grande
escala, vocês não tiveram tanto sucesso. Projetos de risco para produção de
energia, como fraturamento hidráulico ou perfuração de petróleo em águas
profundas, estão aumentando. A produção global de CO2 continua aumentando.
Naidoo: Infelizmente é verdade: estamos vencendo importantes
batalhas estratégicas. Mas estamos perdendo o planeta.
Spiegel Online: Como vocês pretendem mudar isso?
Naidoo: Precisamos mudar a narrativa da proteção climática e
criar uma sensação de esperança –porque existe esperança. Queremos ser
autodeterminados e conter o impacto da mudança climática agora? Ou queremos
esperar até que ela nos derrote? Será necessário um outro tipo de pensamento
proativo para chegar lá, e acredito que somos capazes dessa mudança.
Spiegel Online: Até agora, esses cenários apocalípticos não
serviram muito para mudar a opinião pública. Um reator nuclear explodiu no
Japão, um desastre em um poço de petróleo no golfo do México resultou no mais
desastroso vazamento da história dos EUA. A maioria dos países, porém, não se
mexeu para abandonar essas tecnologias.
Naidoo: Somos viciados em energia suja, é verdade. E é um
vício, que como todos os vícios pode ser curado. Mas não é fácil. Talvez o que
nos desperte é o fato de que estamos falando sobre um aumento dramático de
eventos climáticos catastróficos: sobre o país de Kiribati, que está lentamente
afundando no oceano devido à elevação dos níveis do mar; sobre a falta de água
e o colapso de sistemas agrícolas em alguns países; sobre milhões de refugiados
climáticos na África que estarão rumando para a Europa; sobre danos econômicos,
sociais e ecológicos devastadores que podem ser evitados. Nossos líderes são
grandes perdedores. Enquanto deveriam estar cuidando dos interesses de seus
cidadãos, estão fazendo negócios com grandes empresas –e assim aceitando a
catástrofe com os olhos bem abertos.
Spiegel Online: …mas os críticos acusam o Greenpeace de não
fazer nada para evitar isso. Vocês não conseguiram mudar o discurso público
sobre a proteção climática. E agora querem combater a pobreza. Não estão
perdendo ainda mais impacto com uma abordagem tão ampla?
Naidoo: A luta contra a mudança climática e a luta contra a
pobreza são dois lados da mesma moeda. A mudança climática destrói o ganha-pão
de milhões de pessoas, tornando-as ainda mais pobres. As soluções para a
mudança climática, como sistemas de energia renovável descentralizados, também
fazem parte da maneira de tirar as pessoas da pobreza.
Spiegel Online: Por outro lado, tecnologias energéticas
perigosas podem reforçar as economias. Angola está experimentando um sucesso
graças à perfuração de petróleo em alto-mar. Como se pode convencer o governo
de um país como esse de que deve parar a produção para proteger o meio
ambiente?
Naidoo: A renda dessas indústrias flui quase totalmente para
as mãos de uma pequena elite política corrupta, por isso sim, algumas pessoas
estão vivendo um êxito. Mas a expressão “de risco” aqui é mais pertinente. Com
o crescimento avassalador da energia renovável em todo o mundo, os vazamentos
de petróleo e desastres nucleares, essas indústrias não são investimentos
estáveis em longo prazo. Esse tipo de energia se baseia em um modelo
empresarial ultrapassado –e não apenas por causa do impacto ambiental. Angola e
outros países africanos têm um enorme potencial para gerar crescimento
renovável, e as nações emergentes devem aprender com os fracassos do
desenvolvimento econômico ocidental. Evitar as tecnologias de energia suja do
Ocidente é um passo importante nesse processo.
Spiegel Online: Como?
Naidoo: Podemos fazer isso com a ajuda da religião.
Idealmente, o papa deveria perguntar às pessoas: “Vocês realmente acham que
Deus enterraria o petróleo e o carvão para ser extraídos como a única opção de
produção de energia?” Existem outras fontes de energia suficientes que são
muito mais fáceis de colher: o sol, o vento e a água, para citar apenas três. Quando
você vê os danos e a destruição que precisam ocorrer para extrair energia suja,
eu penso que um ser humano reconhece instintivamente que é errado.
Spiegel Online: O Greenpeace está cada vez mais assessorando
grandes empresas sobre questões ambientalistas. Essa estratégia não é
semelhante a dormir com o inimigo?
Naidoo: Não. Seria um erro tático não assessorar essas
companhias ou evitar trabalhar com elas. Nós aprovamos esses relacionamentos.
Cada aliado para a proteção do meio ambiente é importante. Somos mais capazes
de alcançar nossos objetivos em parceria do que em oposição. E cada vez mais
são as companhias que nos procuram. Elas pretendem evitar que façamos campanhas
contra elas. O Greenpeace há muito tempo mantém uma posição de não ter aliados
ou inimigos permanentes: mantemos uma posição neutra.
Spiegel Online: Ou as companhias usam vocês na tentativa de
parecer mais amigas do meio ambiente?
Naidoo: Às vezes, mas, com o tempo, e nesse mundo on-line
transparente, essas empresas com frequência são expostas, suas verdadeiras
cores se revelam. Na realidade, muitos líderes empresariais com quem eu falo
estão me dizendo: “Nós gostaríamos de tornar a companhia mais sustentável”. Mas
eles são apanhados no círculo vicioso dos relatórios trimestrais. Se o ambientalismo
afetar negativamente o balanço de uma empresa, vai assustar os investidores.
Nós ajudamos a dar aos diretores argumentos contra essa falácia.
Spiegel Online: A hierarquia do Greenpeace é muito rígida,
com muito poucos determinando a estratégia. A estrutura da organização ainda
tem a tarefa de mudar as mentes?
Naidoo: O ambiente de comunicações nunca foi melhor para
organizações como o Greenpeace. Somos altamente ativos na mídia social e temos
considerável sucesso mobilizando grandes grupos de apoiadores e conquistando
novos. Graças ao YouTube e ao Facebook, pudemos ativar centenas de milhares de
pessoas para nossa campanha contra a cooperação da Nestlé com a Sinar Mas.
Spiegel Online: Sim, mas essa foi apenas uma campanha. Vocês
não precisam de outras estratégias também? Para mudar o sistema, vocês precisam
mudar as pessoas primeiro.
Naidoo: É bem verdade. Mas seria um erro negligenciar as
campanhas ou a mídia tradicional como a TV ou o rádio nesta altura. Na maior
parte do tempo ainda geramos mais impacto através desses canais. Mas é possível
que a mídia social se torne cada vez mais importante em nossa estratégia.
Spiegel Online: O que o Greenpeace precisa mudar?
Naidoo: Nossa abordagem geral das campanhas está mudando. O
que as organizações ambientalistas perceberam é que as mensagens de “diga não”
não funcionam mais como antes. As pessoas se desligam rapidamente disso.
Precisamos criar visões inspiradoras do mundo em que gostaríamos de viver, não
os cenários apocalípticos a que você se referiu antes. E isso está acontecendo.
Estamos trabalhando em uma campanha para a Energy Revolution neste momento
–nossa visão, apoiada pela ciência certa, de um futuro energético renovável.
Vamos comemorar o sucesso assim como os desafios. Isso é muito diferente do
tipo de mensagem que promovemos no passado. (EcoDebate)
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