Crianças do Morro
do Alemão (RJ) (Memórias do PAC/CC)
Em meio a brinquedos
atrativos e barulhentos, presentes variados, pacotes brilhantes e laços
coloridos, fico eu pensando nas crianças. Meus filhos cresceram – tempo célere.
Tenho netos, não tenho (ainda) bisnetos e tataranetos. Mas continuo fascinada
pela infância – toda infância humana, e a minha infância, também.
Lembro-me do meu
espanto, quando percebi que, sem planejar, sem maquiavelismo algum, eduquei
meus filhos. Até então, eu ainda imaginava que educar fosse aquilo que me
impingiram, quando eu era criança: educação rimava com obrigação. E eu nunca
levei jeito pra impor, obrigar, ou até mesmo brigar. Do meu jeito sem jeito,
eduquei, e, até hoje, meus filhos lembram nossas aventuras, na infância deles,
que também foi minha, e continua sendo, por que continuamos brincando, nos
aventurando, compartilhando vida.
Enquanto a maioria,
que tem crianças por perto, se preocupa em comprar e dar presentes, nesse dia,
eu fico pensando no que pode ser nosso presente para o futuro. Até por que,
acho eu, de nada adiantaria superlotarmos as crianças de brinquedos e doces,
esquecendo que o que fica mesmo é o exemplo de ser humano. A minha preocupação
maior, no que se refere à infância, reside justamente aí: e se esquecermos que,
todo o tempo da vida inteira, somos exemplos, principalmente às crianças?
É certo que, entre 8
e 80, há outras 72 possibilidades. Por isso, o ato de cercear completamente, ou
liberar geral, gera desequilíbrios inimagináveis. Isso, a gente (chamada
adulta) sabe, por que vivencia. Mas cadê balança, régua, pra precisarem como
cuidar de uma criança?… Por favor, não me venham com manuais que determinam
como educar crianças!… Só mesmo no ‘olhômetro’ do sentimento – penso eu, que
penso tanto, sem nada concluir. Se são nossos filhos, torna-se mais simples, o
ato de observar, conhecer, respeitar, por que existe o amor genuíno – ainda
acredito nisso. Se não são nossos filhos, existe vínculo – ou por que somos
babás, ou por que damos aulas, enfim, convivemos. Mas ainda nos deparamos com
outras crianças – os filhos de ninguém, rostos invisíveis pedindo “um trocado,
tia”. São todas crianças – sonhos e desejos semelhantes.
Sei que estou
‘viajando’, enquanto escrevo. Mas é isso que quero, por que, quando se trata de
crianças, viajo mesmo, me permito a isso, e o passaporte é a minha preocupação:
qual será nosso presente para o futuro?… Hoje, Dia das Crianças (de Nossa
Senhora Aparecida, e de Oxum, também), qualquer presente faz brilhar o olhar
infantil – e no futuro?… Presente é bom – todo mundo (até adulto) gosta. Mas há
presente que estraga, quebra, enferruja, desmancha, desgasta, fere, até mata, e
não tem mais conserto.
Em qualquer tempo da
humanidade, família sempre representa convivência de conflitos, por que todo
mundo é diferente (ainda bem). Aos pais, dizem que cabe prover, através do
trabalho – dentro e fora do lar, nem sempre doce -, as condições de
subsistência, sobrevivência e existência dos filhos. Sabemos que nem sempre é
assim. Há notícias de que tem muitos pais esquecendo os filhos dentro de
veículos trancados, jogando os filhos na lixeira, ou pela sacada, espancando os
filhos, e outros pais que estupram os filhos. Nem me interessam as
justificativas. Mas cuidado e proteção aos filhos continuam sendo lei.
Na correria em que os
pais vivem hoje, tendo condições financeiras, contratam empregada doméstica,
para cuidar da manutenção do lar e dos filhos. Com mais dinheiro disponível
(traduzindo: trabalhando mais, com menos tempo em família), os pais pagam os
serviços de uma babá, para cuidar dos filhos. No Brasil, isso é mais comum que
na maioria dos países, principalmente, na Europa, onde os serviços domésticos
estão sempre em alta cotação, pelo que estou informada. Pois bem. Na maioria
das famílias com melhores condições financeiras, os filhos estão sendo educados
por empregadas, que, às vezes, foram alfabetizadas e deixaram os estudos, para
começarem trabalhar cedo, depois tiveram filhos, e não retornaram à escola. Eis
outra palavra salvadora: escola. É notório que muitas famílias são dependentes
da escola dos filhos, “local seguro” (hoje, nem tanto), onde as crianças ficam,
por algumas horas. Para compensarem a ausência, os pais enchem os filhos, com
presentes atrativos. Se os filhos vão mal na escola, trocam de escola. Pronto.
Tudo resolvido. Resolvido?… sei não.
Do lado de fora da
família estruturada (?), crescem as crianças que nem sempre vão à escola, nem
sempre conhecem pai e mãe, nem sempre tem café da manhã, jantar, almoço,
lanche, roupas, calçados, brinquedos. Ignoradas ou não, as crianças continuam
lá – nas ruas, nas periferias -, à espreita, crescendo. Mas a correria dos pais
é tanta, que essas crianças tornam-se invisíveis, até que cometem um delito,
dois delitos, ou vinte delitos, como assisti, dia desses, numa reportagem,
quando um garoto de doze anos foi apreendido pela polícia (20ª vez). Já não são
mais invisíveis, nem crianças – aos olhares humanos (?), marginais. Mas, no
fundo, continuam crianças – bem além de uma certidão de nascimento, embalada
num saco plástico retirado do lixo.
Alguém pode perguntar
(perguntam sempre): “O que eu tenho a ver com isso?”… Gosto de responder com
outra pergunta: O que nós todos não temos a ver com isso? (EcoDebate)
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