É significativo que,
ainda com os escombros da passagem da supertempestade Sandy à vista, em suas
primeiras palavras após a reeleição o presidente Barack Obama tenha dito:
“Queremos que nossos filhos vivam num país que não seja enfraquecido por
desigualdades e que não seja destruído pelo aquecimento global”. Poucas horas
antes, ainda na campanha eleitoral, seu adversário, o republicano Mitt Romney,
havia dito não saber o que provoca mudanças climáticas. Já Obama dissera que
“negar as mudanças climáticas não as fará deixar de acontecer”.
É importante porque
estamos a poucos dias de se iniciar a 18.ª reunião da Convenção do Clima (a
COP-18), que reunirá quase 200 países em Doha, no Catar. E numa hora em que,
segundo a secretária da convenção, Christiana Figueres, as promessas atuais de
redução de emissões de gases de efeito estufa no mundo não são suficientes para
atingir o objetivo de conter em 2 graus Celsius, até 2050, o aumento da
temperatura da Terra – limite além do qual as consequências serão muito
dramáticas (a Blue Planet, instituição que reúne os Prêmios Nobel alternativos do
meio ambiente, acha que o aumento ficará em 3 graus, no mínimo, e poderá chegar
a 5 graus até o fim do século; outras instituições mencionam 6 graus ou mais).
Mas continua tudo
muito difícil. Há quem pense que China e Índia já recuaram da decisão de aceitar,
até 2015, um compromisso “vinculante” de todos os países de reduzir suas
emissões a partir de 2020. Representantes norte-americanos chegam a dizer que é
preciso haver uma declaração “criativamente ambígua”, “flexível e dinâmica”
(sem objetivos específicos), e um deles opinou que melhor seria “cada país
decidir por si mesmo o caminho a tomar”. Já a Agência Internacional de Energia
entende que o caminho mais curto e eficaz será dobrar a produção de energia
elétrica e outras fontes não poluentes até 2050 (hoje a primeira está em pouco
mais de 16% do total, ante 67% das energias fósseis, 12,8% da nuclear e 3,6% de
outros formatos). Mas China e Índia, principalmente, embora venham avançando na
implantação de formatos não poluentes, também vêm ampliando a produção de
energia a partir do carvão, sua principal fonte, diante da necessidade de
ampliar o fornecimento – na Índia 600 milhões de pessoas ainda não dispõem de
energia elétrica.
Para complicar mais,
continua a discussão entre países “emergentes” e industrializados, com os
primeiros entendendo que a responsabilidade de redução de emissões deve caber
aos segundos, que emitem poluentes há mais tempo, desde o início da Revolução
Industrial, e estes retrucando que hoje os não industrializados já emitem mais que
eles – e sem uma redução correspondente nesse “novo mundo” não haverá uma queda
suficiente nas emissões globais (pouco menos de 40 bilhões de toneladas anuais
de dióxido de carbono). E ainda há outros complicadores em cena: que se fará,
por exemplo, para reduzir as emissões na cadeia que envolve a agricultura e a
produção de alimentos (29% do total), na hora em que será preciso alimentar
mais 2 bilhões de pessoas e eliminar a fome de 1,3 bilhão?
O Banco Mundial
mostra que os ângulos econômicos da questão têm forte peso nas decisões: as
emissões aumentam 0,73% para cada 1% de alta no PIB, mas só diminuem 0,47% a
cada queda de 1% (Nature Climate Change, 8/10). E como a expansão econômica
neste século pode levar o PIB mundial a pelo menos US$ 235 trilhões, podendo
chegar até a US$ 550 trilhões (está por volta de US$ 70 trilhões), não se tem
como excluir um panorama preocupante, que leve a temperatura planetária a
aumentar até 6,4 graus Celsius. Hoje os subsídios a energias renováveis estão
em apenas US$ 70 bilhões anuais, muitas vezes menos que os subsídios para os
combustíveis fósseis, principalmente petróleo.
“Vivemos uma
emergência planetária”, diz o conceituado cientista James Hansen, da Nasa. E
ganha logo apoios, diante das notícias de que o gelo do Ártico se reduziu à
menor área de todos os tempos (3,4 milhões de quilômetros quadrados). Há quem
pense – como o cientista Peter Wadhams, da Universidade de Cambridge (The
Guardian, 17/9) que ele poderá “desaparecer” em quatro anos. Mas sob o gelo há
uma quantidade gigantesca de metano que poderá ser liberada (e o metano é pelo
menos 21 vezes mais prejudicial na atmosfera que o carbono). Já há uma corrida
de empresas norte-americanas, russas, chinesas e outras para explorar ali o
petróleo e o gás antes inacessíveis. Entretanto, mesmo diante de fatores
dramáticos, há quem continue a duvidar de perspectivas tão ameaçadoras. Mas os
“céticos do clima” perderam há pouco uma de suas vozes mais fortes, Richard
Muller, físico da Universidade de Berkeley, segundo quem “há fortes evidências
de que os humanos tenham mudado o clima planetário”.
Com tudo isso, Yvo de
Boer, ex-secretário-geral da Convenção do Clima, pensa que “um acordo agora
parece impossível”, ainda que já se saiba que o próximo relatório do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas, a ser divulgado em 2013, “será
chocante” (Watoday, 7/11). Por isso é importante que cada país defina sua metas
de redução de emissões, independentemente das negociações em Doha. Até porque
estas terão um complicador: as negociações sobre prorrogar (ou não) o Protocolo
de Kyoto, de 1997, que expira este ano e é o único acordo internacional que
define metas obrigatórias de redução (5,2%) de emissões para os países
industrializados. Os Estados Unidos já não o ratificaram e agora Rússia, China
e Canadá dizem que não aceitam a prorrogação (o Brasil quer, pois é o terceiro
país em volume de recursos recebidos para financiamento de projetos que reduzam
emissões, e estes já movimentaram dezenas de bilhões de dólares no mundo).
Neste panorama
mundial de desastres, e com o Brasil enfrentando inundações, calor e secas
inéditos em muitas décadas, vamos ver que posição tomaremos em Doha.
(EcoDebate)
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