Fosso demográfico global: regiões com alto crescimento e com decrescimento populacional
A população do
Planeta continua crescendo, mas pode se estabilizar antes do final do século
XXI. Porém, os números médios não mostram que existe um fosso demográfico
global (Global Demographic Divide), pois os países considerandos desenvolvidos
(More developed) devem apresentar um declínio da população, enquanto os países
muito menos desenvolvidos (Least developed) devem apresentar um crescimento
demográfico muito acelerado.
Os países hoje
considerados desenvolvidos tinham, em conjunto, uma população de 811 milhões de
habitantes em 1950 e passaram para 1,24 bilhão de habitantes em 2010. Na
projeção média da ONU devem chegar a 1,32 bilhão e 1,34 bilhão,
respectivamente, em 2050 e 2100. Na projeção alta os números são 1,48 bilhão e
2,04 bilhões. Na projeção baixa, as estimativas são de uma queda para 1,16
bilhão de habitantes em 2050 e de 830 milhões de habitantes em 2100.
A taxa de fecundidade
total (TFT) nos países desenvolvidos era de 2,8 filhos por mulher no quinquênio
1950-55 e caiu para 1,6 filhos por mulher em 2005-10. Se a TFT continuar neste
nível a população vai cair para 830 milhões em 2100. Se a fecundidade subir
para 2,1 filhos, então valeria a projeção média de 1,34 bilhão até 2100 e se a
fecundidade subir para 2,6 filhos por mulher então valeria a projeção alta de
pouco mais de 2 bilhões de pessoas. O cenário mais provável é que a fecundidade
continue baixa, pois a crise econômica na Europa e nos Estados Unidos está
fazendo as taxas de fecundidade caírem. Portanto, os países desenvolvidos devem
chegar em 2100 com uma população parecida com aquela de 1950, com um montante
por volta de 800 milhões de habitantes.
A mortalidade
infantil era de 60 mortes para cada mil nascimentos em 1950-55 e caiu para 6,4
por mil em 2005-10, devendo chegar a 3 por mil em 2100. A esperança de vida era
de 66 anos em 1950-55 e subiu para 77 anos em 2005-10, devendo chegar a 88 anos
no final do século. Desta forma, com a queda da fecundidade e o aumento da
esperança de vida, os países desenvolvidos vão ter um grande crescimento do
grupo de idosos, sendo que a idade mediana já passou de 29 anos em 1950 para 40
anos em 2010 e deve ficar em 44 anos em 2050.
Já os países muito
menos desenvolvidos irão apresentar um grande crescimento populacional ao longo
do século XXI, muito maior do que o crescimento previsto para os países em
desenvolvimento (que é um outro grupo, cujos dados não estão apresentados neste
artigo).
Os países
considerados muito menos desenvolvidos, os mais pobres do mundo tinham, em
conjunto, uma população de 196 milhões de habitantes em 1950 e passaram para
832 milhões de habitantes em 2010. Na projeção média da ONU devem chegar a 1,73
bilhão e 2,69 bilhões, respectivamente, em 2050 e 2100. Na projeção alta os
números são 1,95 bilhão e 3,95 bilhões. Na projeção baixa as estimativas são de
1,52 bilhão de habitantes em 2050 e de 1,77 bilhão de habitantes em 2100.
Portanto, na projeção média – a mais provável – a população destes países muito
menos desenvolvidos vai crescer cerca de 14 vezes entre 1950 e 2100.
No quinquênio 2010-15
devem nascer anualmente cerca de 14,2 milhões de crianças e devem morrer 12,7
milhões de pessoas, nos países desenvolvidos. Isto significa um crescimento de
1,6 milhão de pessoas por ano. Mas no quinquênio 2025-30 o número de
nascimentos deve cair para 13,7 milhões e o número de óbitos deve subir par 14
milhões, significando uma diminuição de 340 mil pessoas por ano.
Já nos países muito
menos desenvolvidos o número anual de nascimentos no quinquênio 2010-15 deve
ficar em torno de 28,9 milhões para 8,8 milhões de óbitos, significando um
aumento populacional de 20 milhões de pessoas ao ano. No quinquênio 2025-30 o
número de nascimentos deve subir para 33,7 milhões e o número de óbitos para
9,8 milhões, significando um aumento de 23 milhões de habitantes por ano.
Este alto crescimento
demográfico se deve ao lento processo de transição da fecundidade e à
permanência de uma estrutura etária jovem, nestes países com menor nível de
desenvolvimento econômico e social. O número médio de filhos por mulher era de
6,54 em 1950-55, caiu para 4,4 filhos em 2005-10 e estima-se, na projeção
média, que caia para 2,76 filhos em 2045-50 e 2,13 filhos em 2095-00. Portanto,
a população dos países muito menos desenvolvidos deve passar de 196 milhões de
habitantes em 1950 para 2,69 bilhões de habitantes em 2100, mesmo em um quadro
de queda da fecundidade. Se não houver a queda esperada o aumento populacional
poderá ser bem maior e chegar a quase 4 bilhões de habitantes no final do
século.
Evidentemente, este
alto crescimento populacional dos países muito menos desenvolvidos vai
dificultar a redução da mortalidade infantil, o aumento da esperança de vida e
a diminuição da situação de pobreza. A mortalidade infantil era de 192 por mil
em 1950-55 e caiu para 80 por mil em 2005-10, enquanto a esperança de vida
subiu de 37 anos para 57 anos no mesmo período. Este conjunto de países pobres
possui uma estrutura etária jovem, com idade mediana em torno de 19 anos
(metade da população tem menos de 19 anos) e uma alta razão de dependência
demográfica que dificulta a decolagem do desenvolvimento. Se nada for feito
exogenamente, estes países podem ficar presos à “armadilha da pobreza” e com
dificuldades para mudar o círculo vicioso entre pobreza e alto crescimento
demográfico.
No caso do Brasil e
da China, que são considerados países em desenvolvimento, haverá também, após
2030, decrescimento populacional ao longo do século XXI. Ambos os países vão
passar por um grande processo de envelhecimento populacional e, em termos
demográficos, vão ficar mais parecidos com os atuais países desenvolvidos.
Os países
desenvolvidos também vão ter uma alta razão de dependência demográfica (de
idosos), mas como já possuem baixas taxas de mortalidade infantil, alta
esperança de vida e altos níveis de escolaridade e renda, poderão suportar
melhor os desafios demográficos. Mas provavelmente vão ter dificuldades para
manter o crescimento econômico e sustentar o alto padrão de vida.
Em termos ambientais
os países desenvolvidos (de alta renda) tinham, em 2008, uma pegada ecológica
per capita de 5,6 hectares globais (gha) e uma biocapacidade de 3 gha, portanto
apresentavam um grande déficit ambiental. Já os países muito menos
desenvolvidos tinham uma pegada ecológica per capita de 1,14 gha e uma
biocapacidade também de 1,14 gha, portanto em uma situação de empate entre
pegada ecológica e biocapacidade, segundo o Relatório Planeta Vivo, da WWF.
Uma redução da
população dos países desenvolvidos vai ajudar a diminuir a pegada ecológica.
Contudo, um aumento muito grande da população dos países muito menos
desenvolvidos vai criar um grande déficit ambiental nas regiões mais pobres do
Planeta. A alternativa de migração das regiões pobres para a ricas pode até ser
bom para os migrantes, mas aumentaria a pegada ecológica global, aumentando o
déficit que já existe em escala planetária. Além disto, um volume muito grande
de migração do “Sul econômico” para o “Norte econômico” tende a aumentar os
conflitos sociais, os choques culturais e as manifestações de xenofobia.
Tudo indica que
haverá pequeno crescimento, estabilização ou até decrescimento econômico nos
países mais ricos e com alto déficit ambiental. Assim, a redução demo-econômica
nos países ricos vai ter um impacto negativo nos países pobres. O fato é que o
fosso demográfico (decrescimento em alguns países e alto crescimento
populacional em outros) tende a aumentar outras desigualdades. A solução passa
pelo apoio dos países ricos aos países pobres, para que haja aumento dos
direitos de cidadania no mundo no sentido da construção de um planeta com maior
equidade econômica, social e demográfica.
Referências e nota:
Nota: Classificação da ONU para os países
desenvolvidos (More developed) e países muito menos desenvolvidos (Least
developed):
Países desenvolvidos (Belarus, Bulgaria. Czech Republic, Hungary,
Poland, Republic of Moldova, Romania, Russian Federation, Slovakia, Ukraine,
Denmark, Estonia, Faeroe Islands, Finland, Iceland, Ireland, Latvia, Lithuania,
Norway, Sweden, United Kingdom, Albania, Andorra, Bosnia and Herzegovina,
Croatia, Gibraltar, Greece, Holy See, Italy, Malta, Montenegro, Portugal, San
Marino, Serbia, Slovenia, Spain, TFYR Macedonia, Austria, Belgium, France,
Germany, Liechtenstein, Luxembourg, Monaco, Netherlands, Switzerland, Bermuda,
Canada, Greenland, United States of America, Australia, New Zealand and Japan).
Países muito menos desenvolvidos (Burundi, Comoros, Djibouti, Eritrea,
Ethiopia, Madagascar, Malawi, Mozambique, Rwanda, Somalia, Uganda, United
Republic of Tanzania, Zambia, Angola, Central African Republic, Chad,
Democratic Republic of the Congo, Equatorial Guinea, São Tomé and Príncipe,
Sudan, Lesotho, Benin, Burkina Faso, Gambia, Guinea, Guinea-Bissau, Liberia,
Mali, Mauritania, Niger, Senegal, Sierra Leone, Togo, Afghanistan, Bangladesh,
Bhutan, Nepal, Cambodia, Lao People’s Democratic Republic, Myanmar,
Timor-Leste, Yemen, Haiti, Solomon Islands, Vanuatu, Kiribati, Samoa and
Tuvalu). (EcoDebate)
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