quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Rumo a 4 graus? Estão rindo de quê?

Neste post, quero chamar a atenção, dentre outros pontos, para um artigo de autoria de Richard Betts e colaboradores, recentemente publicado no Philosophical Transactions of the Royal Society, cujo título é “When could global warming reach 4°C?”
Apesar de, especialmente acima de 3 graus de aquecimento, as incertezas nos impactos crescerem, sabe-se que um planeta 4 graus acima da era pré-industrial (mais de 3 graus mais quente do que o presente) é virtualmente irreconhecível. O primeiro ponto diz respeito a tempestades mais intensas. Uma atmosfera mais quente permite a presença de uma maior quantidade de vapor d’água, o que tem o efeito, como discutimos em outro momento, de amplificar a intensidade de tempestades, furacões e outros fenômenos extremos. O segundo se remete às geleiras. Como se sabe as projeções de degelo tem sido profundamente conservadoras, subestimando o que de fato tem acontecido (como já mostramos, o recorde de degelo no Ártico em 2012 aconteceu com mais de duas décadas de antecipação em relação à projeção mais “pessimista” e cerca de 50 anos antes do que a média dos “modelos do IPCC” previu, quando do quarto relatório).
Comparação entre os cenários de emissão SRES (cenários adotados nos relatórios anteriores do IPCC, isto é, até o AR4) e as emissões observadas.
Na medida em que nos damos conta da realidade, porém, esse cenário assustador se torna, lamentavelmente, mais palpável. A pergunta do artigo, isto é, “quando o aquecimento global pode alcanças 4 graus?” é pertinente já ao olharmos a figura ao lado. Extraída de artigo de Betts et al., ela mostra as emissões observadas (quadradinhos) em comparação com cenários que foram usados para guiar as projeções dos relatórios anteriores do IPCC (do segundo – o SAR – ao quarto, o AR4, disponíveis no próprio site do IPCC). Esses cenários eram divididos em “famílias”, sendo que os cenários A tinham ênfase  na expansão econômica, ao invés da proteção ambiental e, evidentemente seriam aqueles para os quais as emissões de gases de efeito estufa em geral seriam maiores. Na figura, fica claro que estamos seguindo de perto os piores cenários (é particularmente marcante a similaridade entre a curva observada e as emissões previstas conforme o cenário A1FI*, uma variante do cenário “[fóssil] fuel intensive“, isto é, de uso intensivo de combustíveis fósseis). A lição é clara: a humanidade tem praticado o perigoso “business as usual“, ou seja, na prática tem ignorado todos os alertas emitidos com base nas descobertas da Ciência do Clima moderna.
Um conjunto de resultados anteriores de modelagem climática que Betts et al. destaca são os do chamado C4MIP (em que “C4″ corresponde a quatro C’s de “Coupled Climate–Carbon Cycle“, referindo-se ao acoplamento entre o clima e o ciclo do carbono). O eu eles tem de especial? Assim como em outros “mip’s” (projetos de intercomparação de modelos), diferentes modelos foram testados em cenários nos quais, ao invés de se informar aos modelos qual a concentração dos gases de efeito estufa, eram informadas as emissões antrópicas, e os modelos, através de cálculos do ciclo de carbono, tinham de prever as concentrações desses gases. Isto permite que mecanismos de retroalimentação apareçam, tanto positivos (por exemplo, o derretimento do solo congelado, o “permafrost” que permite que mais matéria orgânica se decomponha, com emissão de metano), tanto negativos (uma maior concentração de CO2 na atmosfera permite que certas espécies vegetais realizem fotossíntese de forma mais acelerada, processo conhecido como ”fertilização por CO2″ e, portanto, alguns biomas podem fazer um “sequestro de carbono” mais eficiente).
Projeções de temperatura global dos modelos do C4MIP: em preto, o conjunto de modelos alimentados pela concentração de gases de efeito estufa. Em vermelho, o conjunto de modelos alimentados pelas emissões.
O que esse esses modelos com que contém um “ciclo do carbono” nos diziam então? Duas coisas, ambas traduzidas na imagem ao lado. Primeiro, fica clara a que o papel do ciclo do carbono é uma incerteza importante, pois as linhas em vermelho estão mais espalhadas do que as linhas em preto. Segundo, é que, mesmo com esse espalhamento, há indícios de que, no ciclo do carbono terrestre, há mais feedbacks positivos do que nagativos. Isto significa que, ao se considerar o ciclo do carbono, os processos em que o aquecimento é amplificado (como a liberação de metano do derretimento do solo congelado) dominam, segundo a maior parte dos modelos, os processos que poderiam amortecê-lo, como a fertilização por CO2.
Projeções de temperatura média global, em comparação com a média de 1861-1890 de acordo com os vários membros do conjunto do modelo HadCM3-QUMP, sob o cenário A1FI.
Como as emissões observadas estão seguindo fortemente os cenários de emissões maiores, Betts e seus co-autores tomaram simulações diferentes com o modelo inglês (o HadCM3), em que a representação de processos físicos era diferia de um para o outro. Tais simulações foram feitas sob o cenário de emissões A1FI. O resultado (as projeções de temperatura de cada um deles) é mostrado no gráfico ao lado, em que os membros do conjunto que levam a um aquecimento de 4 graus ou mais até 2100 aparecem em laranja (uma ampla maioria, em comparação com os que, mostrados em azul, projetam aquecimento de menos de 4°C até o fim deste século). Um dos membros antecipa esse aquecimento desmedido para 2060 e a ampla maioria dos membros chega a esse valor antes de 2080.
As conclusões dos autores são bastante sérias, tanto para a comunidade científica quanto para tomadores de decisão, formuladores de política e público em geral.
Do lado dos tomadores de decisão e do público, a lição é que, em função dos feedbacks relacionados ao ciclo do carbono, há mais chances de as mudanças climáticas serem mais aceleradas do que imaginávamos do que de serem menos aceleradas, bastando comparar o conjunto de linhas vermelhas com o de linhas pretas na segunda figura deste artigo. Isso deve alertar ainda mais para a necessidade e urgência das medidas (sobre as quais tanto temos insistido) para conter as emissões, com ênfase na extinção dos combustíveis fósseis.
Do lado dos cientistas, deveria ficar a lição da necessidade de nos debruçarmos de maneira concentrada e responsável sobre as incertezas. Fica claro que quando introduzimos um “grau de liberdade” extra na representação do sistema climático pelos modelos (o ciclo do carbono), essas incertezas aumentam, seja no contexto dos vários “modelos do IPCC”, seja no contexto de um modelo com diferentes versões. É preciso portanto, entender melhor o papel do ciclo do carbono, se este é de amplificar (como, pelo conjunto dos modelo, parece ser o caso) ou atenuar o aquecimento global (o que também é possível, apesar de a maioria dos resultados preliminares, do C4MIP, indicar o contrário).
Amazônia: assim como antes, a possibilidade de “die-back” não podia ser encarada como uma catástrofe certa, os estudos que sugerem que o mesmo não ocorrerá não podem ser vistos com otimismo injustificado.
Em fevereiro/13 interagi com o próprio Richard Betts (via twitter), a respeito das publicações que têm anunciado “boas notícias” sobre a Amazônia (ver, por exemplo, o anúncio da Reuters, que diz “Floresta Amazônica mais resistente à mudança climática do que se temia – diz estudo” ou a publicação trazida pelo Portal Ecodebate) com base neste estudo de Peter Cox e colaboradores, recém-publicado na Revista Nature. Voltarei a este assunto logo que puder, mas meu questionamento foi no sentido de que, da mesma forma que fui crítico ao alvoroço em torno do die-back, isto é, da morte da floresta que era prevista até o fim do século por um modelo (coincidente e ironicamente, outro modelo do centro inglês), serei crítico do que considero um otimismo injustificado.
Tá rindo de quê?
Considero assim, porque, em primeiro lugar, mesmo que a floresta como um todo não desapareça num cenário de aquecimento global de 4 graus, a mesma não é homogênea. Há porções da floresta que são mais vulneráveis do que outras e, portanto, poderia haver avanços do cerrado e/ou da savana venezuelana sobre porções da floresta. As espécies também não são “resilientes” por igual e a extinção de certas espécies vegetais, ainda que não leve à perda integral da floresta certamente representam uma importante fonte de desequilíbrio no ecossistema. Mas para mim, o mais grave, como o próprio Richard Betts admitiu, é que há um grande número de processos que não são bem representados em nenhum modelo ainda (incluindo aquele utilizado no artigo de Peter Cox), e que podem ser cruciais: a mortandade de árvores em secas, cheias e tempestades, o aparecimento e crescimento de pragas e o risco de incêndios florestais. Em suma, meu ponto de vista é que sequer o “die-back” pode ser completamente descartado e que o otimismo de alguns textos recentes é desprovido de sentido, vindo bem ao encontro do que exposto em outro artigo. (EcoDebate)

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