O ano de 2013,
postado pela ONU como aquele da “cooperação pela água”, é um teste para a
veracidade da política hídrica brasileira. O país das águas – somos o país de
tantas coisas – tem mesmo sua prioridade no abastecimento humano e na
dessedentação dos animais, como define a lei brasileira de recursos hídricos
9.433/97?
No ano de 2012, se
abstrairmos o investimento federal em barragens, então o abastecimento humano
tornou-se efetivamente prioridade, mesmo considerando o investimento na
Transposição de Águas do São Francisco como de uso exclusivamente econômico. A
longa estiagem no Semiárido brasileiro obrigou o governo a fazer esses
investimentos, sob o risco de colapso hídrico em centros urbanos de todas as
dimensões populacionais.
Uma análise mais
detalhada dos investimentos brasileiros em água pode nos ajudar nessa tarefa.
Segundo o SIGA do Senado Federal “a dotação inicial para a água na LOA 2012 foi
da ordem de R$ 2.339.655.429 (Dois bilhões, trezentos e trinta e nove milhões,
seiscentos e cinquenta e cinco mil e quatrocentos e vinte e nove reais). Foram
autorizados R$ 3.153.001.306 (Três bilhões, cento e cinquenta e três milhões e
um mil e trezentos e seis reais). Foram empenhados R$ 1.882.695.481 (Um bilhão,
oitocentos e oitenta e dois milhões, seiscentos e novena e cinco mil e
quatrocentos e oitenta e um reais). Liquidados foram R$ 442.466.697
(Quatrocentos e quarenta e dois milhões, quatrocentos e sessenta e seis mil,
seiscentos e noventa e sete reais) o que significa uma execução percentual
14,03% da LOA” (INESC ).
Acontece que nessa
análise não consta o investimento em abastecimento humano pela linha do
saneamento básico, que inclui o abastecimento humano, principalmente nas
cidades. Esse investimento ultrapassou a casa de um bilhão de reais em 2012.
Nessa seca que o
Semiárido atravessa o governo federal – e os estaduais – viram-se obrigados a
fazer o que a sociedade civil nordestina reivindica há muito tempo, isto é,
investir na distribuição da água acumulada nos reservatórios, particularmente
através das adutoras. O manancial principal tem sido o São Francisco. Assim, só
na Bahia, o governo estadual em parceria com o Federal, tendo ainda a EMBASA
(Empresa Baiana de Saneamento) como operadora principal, realizou rapidamente
as adutoras de Guanambi e Irecê. Assim também agiu o governo de Pernambuco que
está concluindo a adutora do Pajeú.
Os principais
programas nacionais de investimento em água são o “Oferta de Água” e “Água para
Todos”, esse último vinculado ao Brasil sem Miséria. Nele se inclui os
programas de construção de cisternas, tanto o operado pela Articulação no
Semiárido Brasileiro (ASA), como aquelas de polietileno distribuídas pela
Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), mas também a
implantação de sistemas simples de abastecimento. Mas, como a água tem muitas
interfaces, todo investimento em saneamento tem uma dimensão de “abastecimento
humano” que precisa ser considerado. Além do mais, há programas como o “Gestão
de Risco e Resposta a Desastres”, mais vinculado à questão das mudanças
climáticas, que tem uma evidente interface com a drenagem das águas pluviais.
Há ainda programas
relativos à água, mas não diretamente vinculados ao abastecimento humano como
“Ciência, Tecnologia e Inovação” e o “Mar, Zona costeira e Antártida”.
O Brasil lançou em
2011 o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB). O total previsto de
investimentos em 20 anos é da ordem de R$ 426 bilhões. Como parte desse todo,
ali está previsto o custo da universalização da água em todo o território
nacional de 2011 até 2030: R$ 105.152.000.000 (cento e cinco bilhões e cento e cinquenta
e dois milhões de reais). Para o período de 2011 a 2015 foi planejado o
investimento de R$ 29.226.000.000 (vinte e nove bilhões e duzentos e vinte e
seis milhões de reais). Para esse período, o PLANSAB prevê o investimento anual
de R$ 5,84 bilhões em abastecimento.
Essa quantidade não
está sendo investida e ainda há a questão da qualidade final desses
investimentos, principalmente quando se trata do abastecimento humano vinculado
ao saneamento. Aqui no São Francisco, sua revitalização tem recebido
investimentos em saneamento, mas a qualidade final das obras tem sido um
desastre, quando não totalmente inconclusas e abandonadas pelas empreiteiras,
exigindo novas licitações e aditivos para que sejam efetivamente concluídas em
todos seus parâmetros projetados.
Pouco se comenta que,
nessa seca, uma das razões fundamentais para a crise do abastecimento no meio
urbano foi a intensa utilização desses mananciais para a agricultura irrigada,
inclusive de águas subterrâneas, correndo o risco de em médio prazo secarmos
importantes mananciais subterrâneos que abastecem populações e também rios,
como é o caso do aquífero Urucúia, no Oeste Baiano, garantidor da perenidade do
São Francisco. Há aí um evidente conflito no uso da água, prevalecendo o uso
econômico sobre o abastecimento humano e a dessedentação dos animais.
O hidronegócio –
expressão cunhada no âmbito da Comissão Pastoral da Terra -, quando a água é
transformada em negócio, está na raiz de toda essa inversão de valores, que
expõe, por exemplo, a população nordestina a uma escassez violenta e provoca a
eliminação dos animais, mas é incapaz de controlar o uso intenso da água pelas
empresas de irrigação.
Entretanto, não é
possível negar que, premido pela tragédia que poderia ter sido essa seca – o
risco ainda não acabou -, o governo federal inaugurou uma nova dinâmica no
abastecimento de água em nível nacional.
Obs 1: Mais
informações sobre a Lei Orçamentária da Água (LOA) pesquisar “Série Orçamento Socioambiental”
http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/biblioteca/textos/serie-orcamento-socioambiental.
Obs 2: Mais
informações sobre “Conflitos pela Água”, acessar “Conflitos no Campo” www.cptnacional.org.br. Os dados de 2012 ainda não estão
disponíveis. (EcoDebate)
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