Estiagem na região do Semiárido é a pior dos últimos 50 anos
Mesmo com a súplica
do sertanejo por chuva, a estiagem na região do Semiárido não dá trégua. É a
pior registrada nos últimos 50 anos. De acordo com o governo federal, 1.415
municípios sofrem com a, que afeta a vida de quase 22 milhões de brasileiros. A
falta de chuva atinge mais de 90% dos municípios do Semiárido e ultrapassou a
extensão das 1.135 cidades que o compõem.
A Secretaria Nacional
de Defesa Civil já decretou situação de emergência e estado de calamidade
pública em 1.046 municípios. A área mais atingida pela seca, o Semiárido
brasileiro, estende-se por oito estados da Região Nordeste (Alagoas, Bahia,
Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), além do
norte de Minas Gerais, totalizando uma extensão territorial de mais de 980
quilômetros quadrados.
O agricultor José
Alírio de Macedo, de 61 anos, morador da zona rural de Petrolina (PE) conta que
até o momento choveu apenas 28 milímetros (mm) na região onde vive. O período
chuvoso no município, que tem início em dezembro e pode se estender até maio,
tem em média 530 mm. Apesar da estiagem atual, o agricultor cultiva feijão,
milho e sorgo para alimentar seu pequeno rebanho.
“A situação já é
feia. Se Deus não tiver compaixão, ninguém vai ficar com nada. E o período mais
crítico ainda não começou, que é de agosto para a frente. Ano passado não
plantei nada por causa da seca. Nunca vi dois anos diretos sem chuva, como já
está acontecendo”.
Com os frequentes
problemas causados pela seca, Macedo passou 14 anos trabalhando em São Paulo.
Os seis filhos resistiram e ficaram na cidade, mas o agricultor e a mulher
voltaram para o sertão. “O cidadão fica velho e quer estar perto das suas
origens”.
A gravidade da
situação levou o governo federal a investir R$ 32 bilhões nas chamadas obras
estruturantes, que garantem o abastecimento de água de forma definitiva, como
barragens, canais, adutoras e estações elevatórias. Além disso, anunciou no
início deste mês mais R$ 9 bilhões em ações de enfrentamento à estiagem.
A previsão é que cada
município atingido pela seca receba uma retroescavadeira, uma motoniveladora,
dois caminhões (um caçamba e um pipa) e uma pá carregadeira. O governo também
vai distribuir 340 mil toneladas de milho até o fim do mês de maio para serem
vendidas aos produtores a preço subsidiado.
Para o
coordenador-geral da organização não governamental Caatinga, Giovanne Xenofonte,
a realidade do Semiárido é atenuada com os programas de transferência de renda
do governo federal, como o Bolsa Família e o Garantia Safra.
“É tanto que, mesmo
sendo a maior seca dos últimos 50 anos, a gente não está vendo o que
tradicionalmente ocorria nas secas passadas: saques e invasões das famílias na
região. Então, esse é o panorama. Se por um lado a gente tem um ambiente muito
mais vulnerável, por outro a gente tem algumas ações governamentais que
amenizam a situação”.
O coordenador cita a
crise da economia local como uma das consequências da estiagem prolongada. Além
da alta nos preços dos alimentos na região devido a queda na produção, os
animais que sobrevivem à estiagem perderam seu valor de mercado e podem ser
vendidos por até metade do preço.
“As famílias
agricultoras estão descapitalizadas, elas perderam sua poupança [o rebanho].
Elas tiveram que vender [esses animais] por causa da seca e [cobraram] um preço
bem abaixo do que normalmente é comercializado”.
Segundo Xenofonte,
isso tudo tem um impacto forte no comércio, porque estamos numa região
eminentemente agrícola. “E quando tem uma seca dessa, que afeta as famílias
agricultoras, todo comércio sente. A gente nota uma paralisação, uma
desaceleração na economia. O que tem mantido de fato são as rendas dos
programas governamentais”, argumenta.
O engenheiro agrônomo
e pesquisador da Embrapa Semiárido, Pedro Gama, destaca que a seca é um
fenômeno recorrente e cíclico da região do Semiárido, mas que o país ainda não
está suficientemente preparado para enfrentar. “A seca, como esse fenômeno de
estiagem que é recorrente, é muito comum . A população sabe [disso], [faz parte
do semiárido].
“Mas isso que estamos
vivendo, essa estiagem prolongada, é uma crise climática e ocorre a cada 40, 50
anos. Houve avanços, mas ainda é pouco. Precisa de muito investimento em
pesquisas, políticas públicas para que estejamos preparados para enfrentar
crise desse tipo”.
Gama também ressalta
que as políticas de transferências de renda do governo federal amenizam os efeitos
da seca, mas não impedem de desencadear outros três impactos: social, de
produção e climático.
“O que ocorre com a
seca é que ela sempre leva a uma crise de produção. Ou seja, não se produzem
alimentos [suficientes] para a população e para os animais. A outra [crise] é o
problema da segurança alimentar, que se chama abastecimento de água. Esgotam-se
os mananciais e [isso] passa a ser um grande limitante, não só de produção,
como para a população”.
Segundo Gama, há
também a crise social, que aparecia fortemente nas secas anteriores e provocava
os fenômenos migratórios. Ele lembrou que hoje não se vê isso, porque de alguma
forma, os programas de subvenção social atuam como um amortecedor dos impactos
sociais. “De certa forma, eles protegem essa população pobre dos impactos de
uma seca desse tipo”.
Para o pesquisador o
aumento do valor dos alimentos, com o agravamento da seca, gera uma segunda
etapa na “crise climática” com a corrosão do apoio social das políticas de
transferência. “Esse impacto todo pode ser atenuado pela área irrigada, não há
crise próxima de uma fonte de água. Onde existe um dinamismo levado por essa
cultura irrigada, muda totalmente no entorno”, diz. (EcoDebate)
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