O decrescimento econômico e populacional: uma realidade
provável?
Os dois últimos
séculos foram excepcionais na história da humanidade e possibilitaram quatro
acontecimentos extraordinários:
1) uma grande
produção de combustíveis fósseis;
2) uma sequência de
revoluções científicas e tecnológicas;
3) um crescimento
exponencial da população mundial;
4) um crescimento
ainda maior da economia, com elevada expansão do consumo conspícuo. Estes
quatro fenômenos estão interligados.
No passado, antes da
decolagem do capitalismo, segundo dados de Angus Maddison, o Produto Interno
Bruto (PIB) do mundo cresceu 5,7 vezes entre os anos 1000 a 1820, enquanto a
população cresceu de cerca de 267 milhões para pouco mais de um bilhão de
habitantes, no mesmo período (cresceu 4 vezes em 820 anos). Todavia, o
crescimento da renda per capita mundial foi de apenas 1,4 vezes (40%) em 820
anos.
Porém, entre 1820 e
2012 o PIB mundial cresceu 82 vezes e a população cresceu de pouco mais de um
bilhão de habitantes para mais de 7 bilhões (um crescimento de 7 vezes em 200
anos). Neste curto período de cerca de dois séculos a renda per capita mundial
deu um salto de 12 vezes. Mesmo considerando que há uma distribuição desigual
da riqueza em nível nacional e internacional, o salto da renda foi muito grande
e foi acompanhado por grande aumento da posse de bens de consumo, aumento dos
níveis educacionais, uma quase universalização do telefone (fixo e celular), da
luz elétrica, redução da mortalidade infantil, crescimento da esperança de
vida, etc.
Nos últimos 60 anos
houve o surgimento de uma janela de oportunidade demográfica devido à mudança
da estrutura etária e uma grande entrada das mulheres no mercado de trabalho,
que possibilitou um bônus demográfico feminino. Esta combinação de revoluções
científicas e tecnológicas, com abundância de combustíveis fósseis, com
empoderamento das mulheres e crescimento da população – especialmente em idade
de trabalhar – possibilitou um grande avanço econômico, que possibilitou
expansão dos direitos de cidadania e ganhos importantes, mas não completos, dos
direitos humanos. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo nunca foi
tão elevado. Houve redução da pobreza e crescimento da classe média.
Mas como serão os
próximos 200 anos?
Será que estas
tendências dos últimos dois séculos podem ser projetas para indicar maiores
avanços nas próximas 20 décadas?
Quais são as
perspectivas de médio e longo prazo?
No curto e no médio
prazo o mundo ainda deve apresentar crescimento econômico, embora os países
desenvolvidos estejam enfrentando dificuldades, sendo que a Europa e o Japão
são símbolos de estagnação econômica, enquanto os Estados Unidos apresentam um
quadro de crescimento anêmico. Mas entre grande parte dos países em
desenvolvimento há ainda um espaço temporal para o crescimento da renda, para o
aumento dos níveis de consumo e redução da pobreza.
Para 2025, estima-se
uma classe média consumista mundial de mais de 4 bilhões de pessoas,
significando uma ampliação do mercado de bens e serviços, mas aumentando as
pressões sobre os recursos naturais. O sucesso dos próximos 20 anos pode
significar que o esgotamento dos recursos naturais e o aquecimento global
entrem em um ponto de inflexão, de não retorno.
Assim, no largo
prazo, tudo indica que o crescimento econômico não vá perdurar, pois a
humanidade já ultrapassou os limites bioprodutivos do Planeta e o déficit
ecológico só tem aumentado. O ritmo atual tem se sustentado na base do uso e
abuso de uma herança acumulada no passado, quer seja no subsolo, no solo ou nas
águas. As florestas e os ecossistemas terrestres e aquáticos estão sendo
encolhidos e danificados. Por razões ambientais, demográficas e econômicas os
ventos favoráveis ao crescimento estão mudando e já existem nuvens sombrias no
horizonte.
O artigo do
pesquisador Robert J. Gordon (“Is U.S. Economic Growth Over?”) é uma referência
importante para analisar o futuro próximo, levando-se em consideração este
período excepcional dos últimos 200 anos. O artigo começa recapitulando os
vínculos entre períodos de rápida expansão econômica e as inovações das três
Revoluções Industriais (RI): 1ª) a das ferrovias, energia a vapor e indústria
têxtil, de 1750 a 1830; 2ª) a da eletricidade, motor de explosão, água
encanada, banheiros e aquecimento dentro de casa, petróleo e gás,
farmacêuticos, plásticos, telefone, de 1870 a 1900; 3ª) a dos computadores,
internet, celulares, de 1960 até hoje.
Segundo Gordon, a
segunda RI teria sido mais importante em termos de acelerar o crescimento
econômico, garantindo 80 anos de acelerado avanço na produtividade. Ele
argumenta que este evento excepcional é único no tempo e não vai se repetir
mais. Ele dá exemplo da velocidade do transporte (que é confirmada pelo
fracasso do Boeing 787 Dreamliner):
“Até 1830, a velocidade de tráfego de
passageiros e de mercadorias era limitado pelo ‘casco e vela’, mas aumentou de
forma constante até a introdução do Boeing 707, em 1958. Desde então, não houve
nenhuma mudança na velocidade e, de fato, os aviões voam mais lento agora do
que em 1958 por causa da necessidade de economizar combustível” (p. 2).
Outro exemplo se dá
pelo engarrafamento das grandes cidades e a crise da mobilidade urbana. Uma
carroça puxada por dois cavalos trafegava a 26 km/hora, mas nossos potentes
carros atuais não trafegam a 20 km/hora no horário de pico das metrópoles. Nas
estradas é grande o número de acidentes e mortes. Desastres e restrições à
mobilidade urbana significam perda de eficiência econômica e pressão sobre a
qualidade de vida.
Desta forma, o
aumento do preço dos combustíveis fósseis e a perda dos ganhos de produtividade
vão funcionar como freios ao crescimento econômico. Considerando a economia dos
Estados Unidos da América (EUA), Gordon argumenta que existem seis “ventos
contrários” (headwinds) que devem desacelerar o crescimento americano (e do
resto do mundo):
1) aumento das
desigualdades sociais;
2) educação
deteriorada;
3) degradação
ambiental;
4) maior competição
provocada pela globalização;
5) envelhecimento
populacional;
6) o peso dos
déficits e do endividamento privado e público.
O autor sugere que
estes “ventos contrários” não estão atingindo apenas os EUA, mas todas as
economias avançadas, o que deve provocar taxas de crescimento econômico abaixo
de 1% nas próximas décadas. Nem mesmo a revolução nas Tecnologias de Informação
e Comunicação (TIC) vão conseguir manter os ganhos de produtividade. Para as
sociedades emergentes, os “ventos contrários” também existem, mas sopram com
menos intensidade, por enquanto. Mas, numa economia cada vez mais
internacionalizada, é difícil imaginar que os países em desenvolvimento possam
manter altas taxas de crescimento econômico sem contar com uma dinâmica
parecida nos países desenvolvidos.
O menor ritmo de
crescimento econômico deve reforçar o menor ritmo de crescimento populacional e
vice-versa. A projeção baixa da ONU indica um decrescimento populacional na
segunda metade do século XXI, com aumento do envelhecimento da estrutura etária
e elevação da carga de dependência dos idosos. Na projeção baixa, a população
mundial ficaria bem abaixo de 7 bilhões de habitantes, em 2100. Desta forma, os
picos do petróleo e da população podem estar mais próximos do que se imagina.
O crescimento
econômico é igual ao incremento da força de trabalho multiplicado pelo aumento
da produtividade das pessoas ocupadas. Se há, ao mesmo tempo, declínio da
população (especialmente da PIA: população em idade ativa), estagnação das
inovações tecnológicas e esgotamento dos recursos naturais, então o crescimento
econômico se torna impossível. Este quadro é agravado pelo endividamento
público e privado e pelo envelhecimento populacional. Os pesquisadores
econômicos Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff consideram que nações com cargas de
dívida pública superiores a 90% do PIB crescem menos e comprometem
definitivamente a possibilidade de manutenção de altas taxas de crescimento
econômico.
Se estes são os
cenários que devem conformar o futuro, não é irreal desde já se considerar que
o Estado Estacionário ou o decrescimento demo-econômico sejam a nova realidade
que se descortina no horizonte. (EcoDebate)
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