Ao longo das últimas décadas, a Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) tem perseguido a utopia de
erradicar a fome no mundo - e ainda há cerca de 1 bilhão de pessoas famintas.
Muitos usam esse número como indicador de fracasso, mas os países-membros sabem
que a FAO não pode ser responsabilizada por essa situação, reconhecem sua
importância histórica e estão convencidos de que o mundo precisa de uma
organização internacional voltada para a agricultura e a alimentação. Por isso
a campanha para diretor-geral, que culminou com a eleição de José Graziano da
Silva, foi marcada por um clima de crise e pela percepção de que a organização
vive a "última oportunidade" para definir o desafio a ser enfrentado,
encontrar os caminhos a serem trilhados e redesenhar-se para ser mais efetiva
em sua missão.
Não é pouca coisa, principalmente quando se levam
em conta os desgastes institucionais decorrentes de 18 anos sob a mesma
direção, os impactos da crise financeira dos países ricos, principais
contribuintes do Sistema das Nações Unidas, e a forte polarização revelada pelo
resultado da eleição, percebida como uma vitória dos que têm fome e derrota dos
que têm dinheiro.
A fome está envolta em acirrados embates entre
visões de mundo distintas que procuram se impor como hegemônicas, sacrificando
a constatação mais básica de que a fome é fenômeno social com múltiplas causas.
É, sim, provocada pela falta de alimentos, por problemas de acesso, pelo
desequilíbrio entre população e recursos em muitas áreas do mundo, por
fenômenos climáticos, por arranjos institucionais e de políticas que reduzem os
incentivos e até inviabilizam a produção agrícola em muitos países e por
conflitos civis e guerras entre países. Para agravar, constata-se que a
produção de alimentos vem crescendo menos do que a demanda, impulsionada pela
urbanização e elevação da renda; que os sistemas produtivos responsáveis pela expansão
da produção nas últimas décadas dão sinais de esgotamento; que as mudanças
climáticas já afetam a produção e a produtividade em muitas partes do mundo, e
que poderão ter impacto devastador justamente nos países mais pobres e de maior
concentração da fome.
Todas as causas são relevantes, muitas são
inter-relacionadas e cada uma está, por sua vez, associada a outros tantos
fatores. A tentação é atuar em todas as frentes, apoiando-se em sofismas como o
que contrapõe produção e acesso. O problema é que o enfrentamento de cada uma
delas exige, além de recursos financeiros, arranjos institucionais,
instrumentos e competências técnicas específicas, que não se constroem nem se
mobilizam em poucos anos. A análise dos programas da FAO na última década
revela que ela não renunciou a tentar fazer um pouco de tudo. O resultado foi a
pulverização de recursos escassos em múltiplas frentes e a redução do impacto
de suas ações, levando ao diagnóstico equivocado de que ela é irrelevante no
combate para erradicar a fome e promover a agricultura no mundo.
Um executivo sabe que o sucesso de uma empreitada
depende da definição do desafio. É preciso ter clareza para distinguir as
utopias, necessárias para mobilizar energias e ações da sociedade em torno de
grandes ideais, e os desafios objetivos, cujo enfrentamento requer a definição
precisa de metas, prazos, estratégia e a mobilização dos meios para
alcançá-los. O caminho da miragem não leva necessariamente ao oásis. Por isso a
possibilidade de êxito de Graziano da Silva e da FAO depende, de maneira
crucial, da passagem da utopia à realidade e da escolha dos caminhos a serem
seguidos nas próximas décadas. Mesmo que os recursos fossem abundantes, o que
não é o caso, atuar em todos os flancos levará a organização a ser de fato irrelevante.
Nesse sentido, Graziano da Silva será, antes de tudo, um administrador de
opções, nenhuma delas fácil. (OESP)
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