Resíduos da indústria alimentícia podem se transformar em
alimento
Do tomate, nada
se perde: de cascas e sementes (E), se extraem o óleo (C) e a borra (D) com que
se fazem biscoitos.
Segundo afirmava
Lavoisier, na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Tantos
séculos mais tarde, em tempos em que se tornou cada vez mais premente pensar
soluções ambientalmente sustentáveis, por que não seguir ao pé da letra a
máxima do pai da química moderna? Buscar formas de reaproveitamento de resíduos
da indústria, por exemplo, já significa matar dois coelhos de um só golpe: por
um lado, dar um destino a rejeitos que, de outra forma, poderiam ser
descartados de maneira inadequada no meio ambiente; e por outro, transformar
esses resíduos em novos produtos. É exatamente esse o objetivo da pesquisadora
Cristiane Hess de Azevedo Meleiro, do Departamento de Tecnologia de Alimentos
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que vem estudando o
reaproveitamento de sementes e cascas de tomates descartados pela indústria de
alimentos. O que ainda se torna mais oportuno nesses dias em que, por diversos
fatores, o preço do tomate chegou às alturas.
No caso do Rio de
Janeiro, o estado conta com grandes regiões produtoras de tomate, um dos
motivos que levou a pesquisadora a focar neles seu trabalho. “Além de exigir
destino adequado e investimentos significativos em tratamentos para controlar a
poluição, os resíduos industriais também representam perda de matérias-primas e
energia. As sementes e cascas de tomate, por exemplo, significam um material
ainda rico em licopeno e outros compostos bioativos. Em outras palavras, seriam
ainda substâncias nobres para a indústria, que deixam de ser aproveitadas, ou
são subaproveitadas, como ração animal. Por isso, queremos promover uma
integração de interesses”, explica a pesquisadora, que em seu projeto contou
com recursos do edital de Apoio ao Desenvolvimento Regional, da
FAPERJ.
O licopeno, como se
sabe, é um carotenoide, a substância que confere o tom avermelhado não só ao tomate, mas a outros
frutos, como melancia, pitanga e goiaba. Potente antioxidante, ajuda a impedir
e reparar os danos às células causados pelos radicais livres. “Queremos partir
para a produção limpa, com o reaproveitamento dos rejeitos e sem qualquer sobra
de resíduos”, fala a pesquisadora. Para isso, seu grupo de pesquisa na UFRRJ –
Marisa Fernandes Mendes e Luiz Augusto da Cruz Meleiro, ambos docentes do
Departamento de Engenharia Química da UFRRJ; e as alunas Barbara Avancini
Teixeira, bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ; e a doutoranda Maria Rosa
Figueiredo Nascimento – procura responder várias perguntas: uma delas é sobre a
composição desses resíduos e a concentração de compostos bioativos que contém;
outra é como extraí-los de modo a maximizar seu aproveitamento; e ainda uma
terceira questão é sobre suas possibilidades de uso.
A equipe da UFRRJ:
Bárbara Avancini, Marisa Mendes, Cristiane Hess, Maria Rosa Nascimento e Luiz
Meleiro.
Para alcançar as
respostas, o grupo está comparando diferentes técnicas de extração. “A
tradicional é a que usa solvente orgânico, como, por exemplo, o hexano,
empregado pela indústria para extração de óleos, como o de soja. Outro método é
a que trabalha com o CO2 em condições supercríticas, o chamado fluido
supercrítico”, esclarece a pesquisadora Marisa Mendes, que coordena as
pesquisas com essa técnica. Ela acrescenta que a técnica combina condições de
temperatura e pressão controladas, e consegue ser mais seletiva, priorizando a
extração de apenas determinadas substâncias, e em maior quantidade. “Quanto
mais se consegue otimizar essa combinação de pressão e temperatura, mais
eficiente se torna o processo e maiores as concentrações obtidas da substância
desejada”, afirma Marisa.
De tonalidade
vermelho intenso – que pode indicar que mantém um grande teor de licopeno e,
por conseguinte, um bom potencial antioxidante – o óleo extraído está sendo
analisado de várias formas. “Ainda temos dúvidas se ele é seguro para o consumo
humano e se poderia ser empregado novamente na produção de alimentos. Estamos
fazendo estudos nessa área”, destaca Cristiane. Por enquanto, a equipe se
empenha em responder a essas perguntas, analisando o teor dos óleos extraídos,
a composição em ácidos graxos e se eles são mais ou menos insaturados. “Mas uma
boa indicação é a indústria cosmética. Como o licopeno é um dos carotenoides
com maior potencial antioxidante, possivelmente poderá ser usado em cremes e
produtos do gênero”, avalia.
A pesquisadora
acrescenta ainda que, ambientalmente falando, outra vantagem da técnica de
extração por fluido supercrítico é não gerar resíduo. A explicação é simples:
após a extração do óleo, sobra uma borra, que pode ser seca e empregada como
ingrediente para novos produtos, como biscoitos. “Com o uso da borra, que além
de ser rica em licopeno ainda contém maior teor de fibras do que a farinha de
trigo comum, temos benefícios adicionais. Podemos misturá-la à farinha de trigo
e preparar biscoitos que também são ricos em licopeno. Ou seja, transformamos o
que seria descartado em produtos mais saudáveis”, anima-se a pesquisadora.
“Além disso, como na
extração supercrítica não há a utilização de solventes orgânicos, os problemas
associados ao uso e à recuperação e descarte deste tipo de solvente não existe,
já que o CO2 é totalmente recuperado na forma de gás pela simples
despressurização do sistema, tornando o processo ambientalmente correto”,
comenta Luiz Meleiro.
Para ver se, além de
saudáveis, os biscoitos passam no teste de aceitação, a equipe os submeteu a
análises sensoriais. “Entre os que participaram da amostragem, voluntários da
universidade, muitos não perceberam diferenças. Alguns poucos notaram um leve
gosto, o que também não foi visto como ponto negativo”, comenta. Para a
pesquisadora, igualmente importante é o fato de que, com a utilização da borra,
dos resíduos iniciais, termina não sobrando nada. “Aliando a engenharia química
à engenharia de alimentos, estamos obtendo grandes progressos. Além de evitar o
descarte inadequado, o que seria jogado fora passa a ser matéria-prima para
produtos mais saudáveis. É o descarte zero produzindo novos produtos a custo
praticamente zero com uso de tecnologia limpa”, conclui Cristiane. (EcoDebate)
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