Decrescimento: ‘Um crescimento infinito é incompatível com
um mundo finito’
O que realmente conta
na vida não é mensurável, por isso vivemos uma “falência da felicidade
quantificável”. Por outro lado, “um crescimento infinito é incompatível com um
mundo finito. Quem acredita nisso ou é louco ou é economista”.
A crítica radical à
economia de Serge Latouche, ele mesmo economista, além de sociólogo e
antropólogo, visa a descolonizar o imaginário das “ideologias da sociedade
moderna”, como indicadores a exemplo do PIB per capita.
No campus de Porto Alegre da Unisinos, Latouche fez a sua
primeira conferência dentro do Ciclo de Palestras: Economia de Baixo Carbono.
Limites e Possibilidades, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Sua fala, intitulada Desenvolvimento Humano, Decrescimento e a Sociedade
Convivial, foi comentada posteriormente por Plinio Alexandre Zalewski Vargas,
diretor da Secretaria de Governança da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Nela, o professor de
economia da Universidade de Paris XI – Sceaux/Orsay retomou o histórico do seu
conceito mais importante: o decrescimento. Seu principal interesse no encontro
era apresentar como é possível encontrar, por meio do decrescimento, a
“felicidade na frugalidade convivial”.
Latouche começou
retomando o histórico do “dispositivo” do PIB (produto interno bruto) per
capita, que reduziu a felicidade a um indicador econômico. Historicamente,
segundo ele, na passagem da felicidade ao PIB, ocorreu uma tripla redução:
1) a felicidade
terrestre passou a ser assimilada ao bem-estar material, em sentido físico,
palpável;
2) o bem-estar material
foi reduzido ao que pode ser avaliado quantitativamente, estatisticamente, aos
bens e serviços comercializáveis e consumíveis;
3) a variação da soma
dos bens e serviços caracterizaria a diferença entre o PIB e PIL (produto
interno líquido ).
Porém, criticou, o
PIB só mede a riqueza comercializável, excluindo-se as transações fora do
mercado, como os serviços domésticos, o voluntariado, o mercado negro etc. No
caso brasileiro, exemplificou Latouche, a destruição da floresta amazônica não
é contada no PIB. “O PIB mede os outputs, ou a produção, e não os outcomes, ou
os resultados”, resumindo. Retomando o ex-presidente dos EUA, Kennedy, Latouche afirmou
que o PIB também não inclui a saúde das crianças, a beleza da poesia, a solidez
do casamento, a integridade, a inteligência e a sabedoria de um povo. “Mede
tudo, menos o que faz com que a vida valha a pena de ser vivida”, resumiu.
Por isso, com o
passar do tempo, ao experimentarmos que o consumo não faz a felicidade, vivemos
uma crise de valores. Algumas tentativas de superar essa mensurabilidade
econômica foram, por exemplo, o Genuine Progress Indicator (Indicador de
Progresso Autêntico), proposto pelo economista norte-americano Herman Daly,
levando em consideração as perdas causadas, por exemplo, pela poluição e pela
degradação do meio ambiente. Outra proposta foi a da ONG New Economics
Foundation, que, cruzando os resultados das enquetes das organizações da ONU
sobre o que os anglo-saxões chamam de sentimento do bem-estar vivido
(satisfação subjetiva, esperança média de vida e pegada ecológica per capita),
chegaram a um Happy Planet Index (Índice
do Planeta Feliz).
Segundo Latouche,
também emergiu novamente uma ideia de economia civil da felicidade,
desenvolvida a partir dos EUA e que
tomou um novo curso na Itália. Para o pensador francês, os teóricos dessa
corrente reabilitam uma certa forma de sobriedade, unindo-se a outros
movimentos, como o do decrescimento. Mas – e essa é também a sua crítica –
veiculam uma certa ambiguidade, deixando sobreviver o “corpo moribundo” daquilo
que pretendem destruir: ou seja, uma mentalidade que tudo calcula. Abolindo a
fronteira entre o econômico e o não econômico, afirmou Latouche, a teoria da
economia civil deixa o caminho aberto a uma forma de pane da economização de
tudo, que já estava na ideia de Malthus, tentando incluir dentro dos cálculos o
que é incalculável.
Crise de valores
Em síntese, o que
essas tentativas demonstram, afirmou, é que “a sociedade dita desenvolvida, da
opulência, se baseia em uma produção massiva, mas também em uma perda de
valores”. Assim, retomando um conceito caro a um teólogo amigo seu, Raimon
Panikkar, é necessária uma metanoia, ou seja, questionar profundamente o mito
do progresso indefinido. É preciso “resistir ao imperialismo da economia para
reencontrar o social”. “O que realmente conta na vida não se mede”, sintetiza
Latouche.
Portanto, como
encontrar a felicidade dentro da frugalidade convivial?
Para isso, Latouche
reatualiza a intuição do teólogo Ivan Illich, ainda dos anos 1970, do termo
convivialidade, que, de certa forma, encontra-se em sintonia com a proposta
andina do bem-viver (sumak kawsav), que, afirma, “tem mais coerência do que os
economistas, que tentam medir o que não é mensurável”.
Felicidade, para
Latouche, é a “abundância frugal em uma sociedade solidária”. Uma prosperidade
sem objetivo, uma sobriedade voluntária, segundo Illich. “O projeto de
decrescimento que queremos – slogan para marcar uma ruptura com essa lógica do
“sempre mais”, do crescimento indefinido – é uma saída do ciclo infernal da
criação de necessidades e produtos”.
Esse conceito –
decrescimento – nasceu em março de 2002, a partir do colóquio da UNESCO
“Desfazer o desenvolvimento, refazer o mundo”. Foi a última aparição pública de
Ivan Illich. Em síntese, contou Latouche, chegou-se à conclusão de que é
preciso combater o desenvolvimento sustentável, que é uma contradição em
termos, porque o desenvolvimento “nada mais é do que uma transformação
qualitativa do crescimento, e um crescimento infinito é incompatível com um
mundo finito”, afirmou. “Quem acredita nisso ou é louco ou é economista”.
Futuro sustentável
Se o desenvolvimento
é uma “palavra tóxica”, Latouche prefere falar de um “futuro
sustentável da vida”. E esse, sim, é possível. Por isso, a proposta do
decrescimento é a da autolimitação e simplicidade voluntárias, da abundância
frugal, da reabilitação do espírito da doação e da promoção da convivialidade.
Se na década de 1960 se falava de círculos virtuosos do crescimento, é
necessário um círculo virtuoso do decrescimento. Uma “mudança de software”,
ilustra Latouche, uma mudança “daquilo que os marxistas chamavam de
superestrutura, que leva a uma mudança da infraestrutura”.
E ele propõe, para
isso, oito passos:
- reavaliar
- reconceitualizar
- reestruturar
- realocar
- redistribuir
- reduzir
- reutilizar
- reciclar
Assim, será possível
sair do paradigma que nos dominou há dois séculos, o “paradigma da economia”.
“Tendemos a ver tudo sob o prisma da economia, que, no entanto, é muito recente
e limitado a uma única cultura, uma dentre outras: o Ocidente”.
Por isso, para ele, outra contradição em termos é a economia solidária. Em
nível teórico, explicou, “é um oximoro, assim como o desenvolvimento
sustentável. A economia existente não é solidária, é baseada na avidez, no
lucro máximo. Caso contrário, estamos no social, no político, na solidariedade,
baseada na lógica da troca, da doação”.
Portanto, sair dessa
economicização, para Latouche, é uma conversão ao contrário. “Temos uma relação
religiosa com a economia. É preciso nos tornarmos ateus e agnósticos do
crescimento. É preciso reencontrar a abundância perdida”. Descolonizar e
deseconomizar o imaginário é “redimensionar o papel do econômico no social”,
limitar a avidez, limitar o “greed is good” das escolas de administração. É, em suma,
reapropriar-se, enquanto sociedade, das três bases do capitalismo: o trabalho,
a terra e o dinheiro. “Não é abolir o capitalismo – esclarece Latouche –, é
mudar o nosso software, a nossa educação, é possibilitar regulações, hibridações
e proposições concretas para chegar à abundância frugal”.
Para ajudar nessa
“reformatação”, não basta seguir a “via” do decrescimento. Latouche prefere
falar do “tao do decrescimento”, palavra chinesa que, além da dimensão de
caminho, percurso, remete também à ética. “Não é possível encontrar a
felicidade sem restringir e limitar os nossos desejos – a autolimitação que se
encontra nos ameríndios, na África, no passado do Ocidente, no epicurismo.
Todas as sabedorias do mundo têm essa ideia fundamental”, explica. É
necessário, hoje, dominar o que os gregos consideravam como o perigo por
excelência: a hybris,
a desmedida.
Aceleração do
decrescimento?
Em pleno andamento de
um “plano de aceleração do crescimento”, Latouche tem esperança no Brasil. Para
ele, o país foi um “precursor do decrescimento”, a partir das propostas
nascidas em Porto Alegre, de um outro mundo possível, ou em figuras como Chico
Mendes, ou no Manifesto Ecossocialista de Belém, que, segundo Latouche, está
bastante próximo das ideias do decrescimento. “O Brasil tem todas as condições
favoráveis para uma transição para uma sociedade da abundância frugal”. Para
isso, basta superar as condições psicológicas limitadas à colonização do
imaginário em torno da economia e do crescimento.
No fim do debate,
para os interessados em aprofundar a reflexão, Latouche indicou o site da
revista acadêmica Entropia (www.entropia-la-revue.org), dedicada ao estudo do decrescimento, que
contém contribuições em francês, inglês, espanhol, italiano e também em
português. (EcoDebate)
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