“O consumo
diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando”, avalia
o economista francês Serge Latouche, em entrevista concedida por e-mail à
IHU-Line. Segundo ele, a crise financeira e o caos ambiental instalados no
planeta farão o capitalismo reencontrar “a lógica de suas origens, ou seja,
crescer às custas da sociedade”. Ao ser questionado sobre a possibilidade
de conciliar crescimento econômico e sustentabilidade, ele é enfático: “Impossível.
É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião.”
Segundo ele, o PIB
não pode mais crescer, e a “única possibilidade para escapar ao pauperismo” é
“retornar aos elementos fundamentais do socialismo”.
Serge Latouche, além de
economista, é sociólogo, antropólogo, professor de Ciências Econômicas na
Universidade de Paris-Sul e presidente da Associação Linha do Horizonte. É
doutor em Filosofia, pela Université de Lille III, e em Ciências Econômicas,
pela Université de Paris, diplomado em Estudos Superiores em Ciências
Políticas, pela Université de Paris, e diretor de pesquisas. Entre suas
publicações, citamos, La déraison de la raison économique (Paris: Albin Michel,
2001), Justice sans limites – Le défi de l’éthique dans une économie
mondialisée. (Paris: Fayard, 2003) e La pensée créative contre l’économie de
l’absurde. (Paris: Parangon, 2003)
IHU On-Line – Em que
sentido o decrescimento pode ser uma alternativa ao caos financeiro, do meio
ambiente e do atual modelo econômico?
Serge Latouche – Se
proclamarmos que o crash financeiro desencadeado pelo abuso dos subprimes é uma
boa coisa, então, embora ele seja o iniciador de uma crise bancária e econômica
que corre o risco de ser longa, profunda e talvez mortal para o sistema, podemos
ser taxados de provocação. No entanto, para os opositores do crescimento, esta
crise constitui o sinal anunciador do fim de um pesadelo.
Não se trata, por
certo, de negar que esta crise irá atingir com o desemprego milhões de pessoas
e gerar sofrimentos para os deserdados do Norte e do Sul. Porém, e acima de
tudo, o decrescimento escolhido não é o decrescimento sofrido. O projeto de uma
sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo,
aquele que agora já conhecemos. O primeiro é comparável a uma cura de
austeridade empreendida voluntariamente para melhorar o próprio bem-estar,
quando o hiperconsumo vem nos ameaçar pela obesidade. O segundo é a dieta
forçada, podendo levar à morte pela fome. Nós o dissemos e repetimos bastantes
vezes. Não há nada pior do que uma sociedade de crescimento sem crescimento.
Sabe-se que a simples desaceleração do crescimento mergulha nossas sociedades
no descontrole, em razão do desemprego, do aumento do abismo que separa ricos e
pobres, dos atentados ao poder de compra dos mais desprovidos e do abandono dos
programas sociais, sanitários, educacionais, culturais e ambientais que
asseguram um mínimo de qualidade de vida. Pode-se imaginar que enorme
catástrofe pode originar uma taxa de crescimento negativo. Esta regressão
social e civilizatória é precisamente o que nos espreita, se não mudarmos de
trajetória.
IHU On-Line – Como
manter o equilíbrio entre crescimento econômico e meio ambiente?
Serge Latouche –
Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião.
IHU On-Line – Quais
são os limites e as possibilidades de criar uma economia nova, mais
sustentável? Quais seriam os seus princípios?
Serge Latouche – Hoje
em dia, a festa acabou: já não há mais margens de manobra. A torta, isto é, o
produto interno bruto, não pode mais crescer. Mais ainda (e nós o sabemos muito
bem há longo tempo, embora nos recusemos a admiti-lo), a economia não deve
crescer. A única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte como
no Sul, é a de retornar aos elementos fundamentais do socialismo, mas sem
esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa. Ele era
trinta a cinquenta vezes menor em 1848 e, no entanto Marx, mas também John
Stuart Mill, já pensavam que o problema não era o volume da torta, mas sua
injusta repartição! Como, crescendo, a torta se tornou cada vez mais tóxica –
as taxas de crescimento da frustração, seguindo a fórmula de Ivan Illich,
excedendo amplamente as da produção –, era inevitavelmente necessário modificar
a receita. Inventamos, então, uma bela torta com produtos biológicos, de uma
dimensão razoável para que nossos filhos e nossos netos pudessem continuar a
produzi-la, e a compartilhamos equitativamente. As partes não serão talvez
muito grandes para nos tornar obesos, mas a alegria estará no encontro marcado.
Com outras palavras, ela nos oferece a oportunidade de construir uma sociedade
eco-socialista e mais democrática. Tal é o programa do decrescimento, única
receita para sair positiva e duradouramente da crise de civilização em que
vivemos.
IHU On-Line – Como
conciliar crescimento e decrescimento numa mesma sociedade?
Serge Latouche – Uma
lógica de crescimento e um projeto de decrescimento são incompatíveis, mas o
projeto de decrescimento visa fazer crescer a alegria de viver, restaurando a
qualidade de vida (um ar mais sadio, água potável, menos estresse, mais lazer,
relações sociais mais ricas etc.).
IHU On-Line – Alguns
especialistas dizem que, com a crise internacional, a economia de muitos países
irá desacelerar. Este processo poderá apresentar soluções concretas para o
Planeta, ou, ao contrário, a desaceleração representa um processo negativo?
Serge Latouche – As
duas opções são possíveis. Infelizmente, nem a crise econômica e financeira, nem
o fim do petróleo são necessariamente o fim do capitalismo, nem mesmo da
sociedade de crescimento. O decrescimento só é viável numa “sociedade de
decrescimento”, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra
lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie! Uma
economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos
recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da
biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento
durável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo
menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar,
bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam
nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais
que proporcionalmente de valor. A rarefação do petróleo não prejudica, bem ao
contrário, a saúde das firmas petroleiras. Se isso não vale da mesma forma para
a pesca, existem substitutivos para o peixe, cujo preço não pode crescer na
proporção de sua raridade. O consumo diminuirá em substância, enquanto seu
valor continuará aumentando. O capitalismo reencontrará a lógica de suas
origens, ou seja, crescer às custas da sociedade.
IHU On-Line – Qual é
a marca sócio-ecológica do Planeta? Já existe um déficit ecológico?
Serge Latouche – E
como! Mais de 40%, segundo os últimos dados disponíveis. Nosso
sobre crescimento econômico se furta aos limites da finitude da biosfera. A
capacidade regeneradora da Terra já não consegue mais seguir a demanda: o homem
transforma os recursos em rejeitos mais rapidamente do que a natureza consegue
transformar esses rejeitos em novos recursos (1).
Se tomarmos como
índice do “peso” ambiental de nosso modo de vida sua “pegada” ecológica em
superfície terrestre ou espaço bioprodutivo necessário, obtém-se resultados
insustentáveis, tanto do ponto de vista da equidade nos direitos de extração da
natureza quanto do ponto de vista da capacidade de carga da biosfera. O espaço disponível
sobre o planeta Terra é limitado. Ele representa 51 bilhões de hectares.
Todavia, o espaço
“bioprodutivo”, ou seja, útil para a nossa reprodução, é apenas uma fração do
total, ou seja, em torno de 12 bilhões de hectares (2). Dividido pela população
mundial atual, isso dá aproximadamente 1,8 hectares por pessoa. Tomando em
conta as necessidades de materiais e de energia, aqueles que são necessários
para absorver dejetos e rejeitos da produção e do consumo (cada vez que
queimamos um litro de essência, nós necessitamos de cinco metros quadrados de
floresta durante um ano para absorver o CO2!) e acrescentando a isso
o impacto do habitat e das infraestruturas necessárias, os pesquisadores que
trabalham para o Instituto californiano “Redifining Progress” [Redefinindo o
progresso] e para o World Wild Fund (WWF) calcularam que o espaço bioprodutivo
consumido por pessoa da humanidade era de 2,2 hectares na média.
Os homens já
deixaram, portanto, a vereda de um modo de civilização durável que necessitaria
limitar-se a 1,8 hectares, admitindo que a população atual permaneça estável.
Desde já vivemos, portanto, a crédito. Além disso, este empreendimento médio
oculta muito grandes disparidades. Um cidadão dos Estados Unidos consome 9,6
hectares, um canadense 7,2, um europeu 4,5, um francês 5,26, um italiano 3,8.
Mesmo havendo grandes
diferenças no espaço bioprodutivo disponível em cada país, estamos bem longe da
igualdade planetária. (2) Cada americano consome em média em torno de 90
toneladas de materiais naturais diversos, um alemão 80, um italiano 50 (ou
seja, 137 kg por dia). Em outros termos, a humanidade já consome perto de 40%
mais que a capacidade de regeneração da biosfera. Se todo o mundo vivesse como
nós franceses, seriam necessários três planetas, e precisaríamos de seis para
seguir nossos amigos americanos. Mesmo o Brasil já ultrapassa (em torno de 15%)
a cifra sustentável.
Notas:
1- WWF, Rapport
planète vivant [Relatório planeta vivo] 2006, p. 2.
2- Um hectare de
pasto permanente, por exemplo, é considerado como equivalente a 0,48 ha de
espaço bioprodutivo e, para uma zona de pesca, 0,36. Wackemagel, Mathis, O
nosso planeta se está exaurindo. In: Economia e Ambiente. O desafio do terceiro
milênio. EMI, Bolonha 2005. (Nota do entrevistado)
3- Gianfranco Bologna
(org.), Itália capaz de futuro. WWF-EMI, Bolonha, 2001, pp. 86-88. (Nota do
entrevistado) (EcoDebate)
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