Serge Latouche, precursor da teoria do decrescimento,
defende uma sociedade que produza menos e consuma menos
Era o ano 2001,
quando ao economista Serge Latouche
coube moderar um debate organizado pela UNESCO. Na mesa, à sua esquerda,
lembra, estava sentado o ativista antiglobalização José Bové; e um pouco além,
o pensador austríaco Ivan Illich. Naquele momento, Latouche já havia tido a oportunidade de comprovar em campo, no continente
africano, os efeitos que a ocidentalização produzia sobre o chamado Terceiro
Mundo.
Naqueles anos, o que
estava em moda era falar de desenvolvimento sustentável. Entretanto, para os
que discordavam deste conceito, o que o desenvolvimento conseguia era tudo,
menos a sustentabilidade.
Foi nesse colóquio
que a teoria do decrescimento começou a alçar voo. Um conceito que um grupo de
mentes com inquietudes ecológicas resgataram do título de uma coleção de
ensaios do matemático romeno Nicholas Georgescu- Roegen. A palavra
decrescimento foi escolhida para provocar. Para despertar as consciências. “Era
preciso sair da religião do crescimento”, diz o professor Latouche.
Foi assim que nasceu
esta linha de pensamento… Um movimento que poderia se enquadrar dentro de certo
tipo de ecossocialismo para bradar contra a cultura do usar e jogar, da
obsolescência programada, o crédito sem tom, nem som e os atropelos que ameaçam
o futuro do planeta.
Estamos
imersos em plena crise. Para onde você acredita que o mundo caminha?
“Atualmente, a crise
que estamos vivendo vem se somar com muitas outras, e todas se misturam. Já não
se trata de uma crise econômica e financeira, mas é uma crise ecológica,
social, cultural…, ou seja, uma crise de civilização. Alguns falam de crise
antropológica…”.
É uma crise
do capitalismo?
“Sim. O capitalismo
sempre esteve em crise. É um sistema cujo equilíbrio é como o do ciclista, que
nunca pode deixar de pedalar, caso contrário, cai no chão. O capitalismo sempre
deve estar em crescimento, caso contrário é a catástrofe. Há trinta anos não há
crescimento, desde a primeira crise do petróleo; desde então, temos pedalado no
vazio. Não houve um crescimento real, mas um crescimento da especulação
imobiliária, das bolsas. E agora esse crescimento também está em crise”.
Latouche defende uma
sociedade que produza menos e consuma menos. Sustenta que é a única maneira de
frear a destruição do meio ambiente, que ameaça seriamente o futuro da
humanidade. “É preciso uma revolução. Porém, isso não quer dizer que haja que
massacrar e apertar as pessoas. É preciso uma mudança radical de orientação”.
Em seu último livro, “A sociedade da abundância frugal”, editado por Icaria,
explica que é necessário almejar uma melhor qualidade de vida e não um
crescimento ilimitado do Produto Interno Bruto. Não se trata de defender o
crescimento negativo, mas um reordenamento de prioridades. A aposta no
decrescimento é a aposta na saída da sociedade de consumo.
E como seria
um Estado que apostasse no decrescimento?
“O decrescimento não
é uma alternativa, mas uma matriz de alternativa. Não é um programa. E seria
muito diferente a forma de construir a sociedade no Texas ou em Chiapas”.
Entretanto,
em seu livro, você explica algumas medidas concretas, como os impostos sobre os
consumos excessivos ou a limitação dos créditos que são concedidos. Também diz
que é preciso trabalhar menos. É necessário trabalhar menos?
“É preciso trabalhar
menos para ganhar mais, porque quanto mais se trabalha, menos se recebe. É a
lei do mercado. Se você trabalha mais, aumenta a oferta de trabalho, e como a
demanda não aumenta, os salários baixam. Quanto mais se trabalha, mais se
provoca a baixa dos salários. É necessário trabalhar menos horas para que todos
trabalhem, mas, sobretudo, trabalhar menos para viver melhor. Isto é mais importante
e mais subversivo. Temos ficado doentes, toxicodependentes do trabalho. E o que
as pessoas fazem quando lhes reduzem o tempo de trabalho? Assistem televisão. A
televisão é o veneno por excelência, o veículo para a colonização do
imaginário”.
Trabalhar
menos ajudaria a reduzir o desemprego?
“É claro. É
necessário reduzir as horas de trabalho e relocalizá-lo. É preciso fazer uma
reconversão ecológica da agricultura, por exemplo. É necessário passar da
agricultura produtivista à agricultura ecológica campesina”.
Dirão que isto
significaria voltar na História
“Nada. De qualquer
modo, não haveria razão para ser obrigatoriamente algo ruim. Não é uma volta ao
passado, já que há pessoas que fazem permacultura e isso não tem nada a ver com
a forma como era a agricultura de outrora. Este tipo de agricultura requer
muita mão de obra, e se trata justamente disso, de encontrar empregos para as
pessoas. É necessário comer melhor, consumir produtos sadios e respeitar os
ciclos naturais. Para tudo isso é preciso uma mudança de mentalidade. Caso se
consiga os apoios suficientes, medidas concretas poderão ser tomadas para
provocar uma mudança”.
Você disse
que a teoria do decrescimento não é tecnófoba, mas ao mesmo tempo propõe uma
moratória das inovações tecnológicas. Como essas coisas casam?
Isto foi um
mal-entendido. Queremos uma moratória, uma reavaliação para ver com quais
inovações é preciso prosseguir e quais outras não possuem grande interesse.
Hoje em dia, importantes linhas de pesquisa são abandonadas, como as de
biologia do solo, porque não possuem uma saída econômica. É necessário
escolher. E quem escolhe? As empresas multinacionais”.
Latouche considera
que as democracias, na atualidade, estão ameaçadas pelo poder dos mercados. “Já
não possuímos democracia”, proclama… “Estamos dominados pela oligarquia
econômica e financeira que tem a seu serviço toda uma série de funcionários que
são os chefes de Estado dos países”. E sustenta que a prova mais óbvia está no
que a Europa fez com a Grécia, submetendo-a a estritos programas de
austeridade. “Eu sou europeísta convencido, teria que se construir uma Europa,
mas não assim. Teríamos que ter construído, primeiro, uma Europa cultural e
política, e ao final, um par de séculos mais tarde, adotar uma moeda única”.
Latouche sustenta que
a Grécia deveria declarar a suspensão dos pagamentos, como as empresas fazem.
“Na Espanha, o rei Carlos V quebrou duas vezes e o país não morreu, pelo
contrário. Com a Argentina isto aconteceu após a ruína do peso. O presidente da
Islândia, e isto não foi dito de forma suficiente, disse no ano passado, em
Davos, que a solução para a crise é fácil: anula-se a dívida e, em seguida, a
recuperação vem muito rápido”.
E essa também
seria uma solução para outros países, como a Espanha?
“É a solução para
todos, e acabará sendo realizada, não há outra. Faz-se de conta que está se
tentando pagar a dívida, esmagando as populações, e é dito que deste modo são
liberados os excedentes que permitem resolver a dívida, mas, na realidade,
entra-se no círculo infernal, no qual cada vez é preciso liberar mais
excedentes. A oligarquia financeira tenta prolongar sua vida o máximo tempo
possível, é fácil de compreender, mas é em detrimento do povo”. (EcoDebate)
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