Intensidade dos temporais no Brasil aumentou nos últimos 50
anos
Tendência é que nas
próximas décadas chova até 20% mais nas regiões Sul e Sudeste do país, as mais
afetadas por enchentes. Sistema de previsão melhorou, mas ocupação urbana
desordenada é a maior causa de tragédias.
A frequência de
chuvas intensas aumentou nos últimos 50 anos em todo o sudeste da América do
Sul, que inclui as regiões Sudeste e Sul do Brasil. “E as previsões e modelos
para o futuro mostram que a tendência é seguir aumentando”, aponta José Antônio
Marengo Orsini, chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (INPE).
Mozar de Araújo
Salvador, meteorologista da Coordenadoria Geral de Desenvolvimento e Pesquisa
do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), observou o mesmo fenômeno a
partir de medições feitas na região metropolitana de São Paulo. Segundo ele, o
número de dias chuvosos continua o mesmo, mas as chuvas caem com mais força.
Cientistas que
pesquisam as mudanças climáticas preveem ainda um leve aumento nas temperaturas
das regiões Sul e Sudeste, e calculam que, entre 2041 e 2070, deva chover de
15% a 20% mais nessa área. Até o fim do século, o clima deve estar cerca de
três graus mais quente e de 25% a 30% mais chuvoso, apontou em 2013 o primeiro
Relatório de Avaliação Nacional do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
(IPCC).
Dimensões do desastre
Com o início da
temporada de chuvas na região Sudeste, o risco de enchentes é iminente. No
estado do Espírito Santo, 24 pessoas morreram, duas seguem desaparecidas, e os
moradores ainda tentam voltar às suas casas depois que as chuvas bateram
recordes históricos. No pico da enchente, 50 mil pessoas tiveram que deixar
suas residências.
Na capital Vitória
choveu 746 milímetros em dezembro – 720 milímetros a mais do que no último mês
de 2012. Dados do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e
Extensão Rural (Incaper) apontam que foi o mês mais chuvoso desde que começaram
a ser feitas medições pluviométricas, em 1924.
No interior, as
anomalias registradas pelo sistema de Defesa Civil do Estado foram ainda
maiores: em Baixo Guandu, por exemplo, uma das cidades mais afetadas, a média
histórica de chuvas para dezembro é 194 milímetros, conforme dados registrados
ente 1931 e 2008. A enchente foi provocada pelo acumulo de 760 milímetros de
chuva em dezembro de 2013.
Chuva forte não é o
problema
Mas o volume de água
não é o maior problema, segundo Marengo Orsini. “A chuva não mata ninguém. O
clima é apenas um deflagrador dos desastres naturais”, enfatiza. Ele explica
que é o fator humano que transforma condições meteorológicas extremas em
desastres naturais. Se a mesma condição – como chuvas fortes e alagamentos –
ocorresse em uma área não habitada, isso não representaria necessariamente uma
catástrofe, lembra.
Essa constatação
aponta diretamente para planejamentos urbanos equivocados – ou a total falta
dele. “Algumas cidades nem têm plano diretor”, pondera Marengo Orsini. No
entanto, ele explica que a ocupação desordenada não está restrita a áreas
pobres ou invadidas. A ocupação de encostas onde no passado havia florestas
também pode representar um risco. Zonas ribeirinhas também são um problema: “Há
casas que foram feitas onde há 20 anos era um leito de rio, e agora o rio volta
para reclamar seus direitos”.
Obras malfeitas,
ocupações desordenadas e pessoas morando em áreas de risco transformam as
cidades em cenários propensos a catástrofes naturais. Para o especialista do
Inmet, a forte urbanização ocorrida especialmente a partir da década de 1970
teve influência direta no clima da própria região. “Áreas com cobertura vegetal
emitem menos radiação, que é o que aquece o ar”, lembra Mozar de Araújo
Salvador. Nas cidades, concreto, asfalto ou mesmo o vidro usado em prédios
inteiros podem contribuir para o aquecimento do ar.
O especialista
prefere não relacionar as enchentes do Espírito Santo com o aquecimento global,
mas assegura que, embora tenha sido uma ocorrência extrema e não sequencial,
existe uma conexão lógica. Segundo ele, em um planeta mais quente deve ocorrer
mais evaporação e, consequentemente, mais chuvas intensas. No entanto, apesar
de o Inmet já ter completado um século de atividades, são poucas as cidades do
país que mantêm registros meteorológicos tão antigos. Dessa forma, os
cientistas têm dificuldades em fazer comparações ou identificar a ocorrência
das mudanças.
Chuvas no Espírito
Santo deixaram milhares de desabrigados
Mortes por
deslizamentos
O deslizamento de
terra é a principal causa de morte em desastres naturais. Chuvas constantes
saturam o solo e fazem com que a terra deslize de morros e encostas. E, por
conta da formação geológica e da ocupação territorial, o litoral brasileiro é
especialmente suscetível aos deslizamentos.
De acordo com o
diretor Respostas aos Desastres da Defesa Civil de Santa Catarina, tenente
coronel Aldo Baptista Neto, aparelhos de medição telemétrica – que verificam
automaticamente o nível dos rios e enviam a informação digital direto a uma
central de processamento – ajudam os centros de Defesa Civil a emitir os alertas
de enchente.
Os dados da
telemetria são cruzados com as medições pluviométricas (do volume de chuvas) e
aplicados a um modelo matemático da região. Essa modelagem digital, baseada em
mapeamentos de solo, relevo, ocupação e históricos de enchente, assegura a
precisão do sistema. As previsões meteorológicas, que podem ter uma precisão de
até 90% em 48 horas, completam a base de dados para a geração de alertas.
Mudança de
comportamento
Neto avalia de forma
positiva as ações brasileiras em Defesa Civil. Ele vê uma mudança de
comportamento da população depois da tragédia de 2008 em Santa Catarina e de
2011 na Região Serrana do Rio de Janeiro, com deslizamentos e centenas de
vitimas. “Em regiões onde as enchentes são comuns, as pessoas já saem de casa
antes de começar a chover”, exemplifica.
Planos de Defesa
Civil também são importantes para isso. Se os fenômenos naturais são
incontroláveis, a resposta imediata antes que a situação se agrave e o resgate
se torne difícil pode salvar vidas. O bombeiro sugere que cada família tenha
seu próprio esquema: com documentos importantes, remédios de uso contínuo e
mantimentos para 24 horas organizados de forma que possam ser rapidamente
localizados caso precisem deixar suas casas.
“As pessoas não podem
esperar para sair de casa quando a água estiver na cintura. Elas precisam
acreditar e atender ao pedido das autoridades para que deixem suas casas
imediatamente e sigam para os abrigos indicados em caso de risco”, alerta Aldo
Baptista Neto. (ecodebate)
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