Será que todo brasileiro tem a felicidade de beber este
líquido dentro de padrões de potabilidade e a preços justos? Infelizmente,
parece que não. É o que demonstra uma pesquisa realizada pela Escola Nacional
de Saúde Pública.
Analisar comparativamente os dados disponíveis sobre a cobertura de abastecimento de água potável no Brasil, buscando identificar o tamanho de seu déficit, foi um dos objetivos da pesquisa “A Regulação e a Universalização dos Serviços de Abastecimento de Água Potável no Brasil”, desenvolvida pelo farmacêutico José Bento da Rocha. O estudo foi realizado no âmbito do mestrado profissional em Gestão e Regulação de Serviços Públicos de Saneamento Básico, promovido pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em parceria com a Fiocruz Brasília. Sob a orientação da pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Clarice Melamed, a pesquisa aponta que, apesar dos investimentos realizados nas últimas décadas, o déficit nacional para o serviço de abastecimento de água potável ainda é da ordem de 10%.
Entre os muitos serviços que o cidadão brasileiro espera que o Estado coloque à sua disposição, e aos quais tem direitos legais, um merece destaque especial: o abastecimento de água potável. A Lei n. 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, traz um novo paradigma quando aponta para a universalização como um de seus princípios. Nesse contexto, a regulação ganhou peso como possível instrumento de incentivo e coerção ao cumprimento das regras definidas em várias frentes legais e regulamentares.
Para compreender todo esse processo, José Bento da Rocha, que também é coordenador de Monitoramento de Projetos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa DF), realizou uma revisão de literatura, visando contribuir para o esclarecimento dos desafios relacionados à universalização e os caminhos que devem ser percorridos para alcançá-la. A pesquisa analisou, ainda, seis agências reguladoras brasileiras que atuam na regulação de serviços de abastecimento de água potável.
Além de avaliar comparativamente os dados disponíveis sobre a cobertura de abastecimento de água potável no Brasil, buscando identificar o tamanho do seu déficit, a pesquisa procurou verificar as contribuições das agências reguladoras para a extinção desse déficit, analisar os possíveis impactos da regulação em direção à universalização dos serviços públicos de abastecimento de água potável e avaliar os instrumentos fomentadores da universalização quanto à sua eficiência e efetividade.
Impactos da regulação
De acordo com Rocha, embora existam possíveis impactos da
regulação para a melhoria do acesso aos serviços de abastecimento de água
potável no país, eles ainda são, certamente, menores do que o esperado. No
contexto do déficit, o coordenador apontou que ele é da ordem de 10% no âmbito
do abastecimento de água potável no Brasil, considerando apenas a presença ou a
ausência da disponibilidade do serviço para o domicílio (rural ou urbano).
“No entanto, podemos verificar que, se levarmos em
consideração a adequabilidade e a continuidade desse serviço, o déficit sobe
para aproximadamente 40%, um índice extremamente alto”, alertou.
Sobre a análise das agências reguladoras, o coordenador
citou que alguns contratos de concessão trazem claramente a preocupação com a
universalização, outros apenas indiretamente, e alguns não a citam ou aceitam
metas de cobertura que ficam longe dos objetivos procurados.
“Apesar da presença de contratos de concessão balizados em
metas de expansão rumo à universalização dos serviços de abastecimento de água potável, em algumas
localidades as metas acertadas não estão sendo alcançadas e a regulação muitas
vezes tem sido impotente, sugerindo a ideia de que pode haver captura do
regulador nesses casos. Um exemplo bem claro de descumprimento das metas
acordadas é Manaus, onde a cobertura atual – de acordo com dados do Sistema
Nacional de Informações sobre Saneamento 2011 – é inferior à prevista para
2006, segundo o farmacêutico.
Dificuldades financeiras
De acordo com Rocha,
em relação ao déficit de cobertura para o abastecimento de água potável, a
pesquisa pôde concluir que há uma série de complicadores para a sua extinção.
Problemas que vão desde a vontade política dos governantes, passando pelas
dificuldades financeiras, áreas de ocupação irregular que possuem ausência de
infraestrutura e alegada baixa capacidade de pagamento dos moradores, até
deficiências relacionadas aos dados sobre cobertura. “Em uma análise de
contexto geral dos contratos estudados nessa pesquisa, pode-se dizer que ainda
não há uma diretriz específica adotada pelas agências reguladoras no que diz
respeito à responsabilização, em contrato, dos prestadores na busca pela
universalização dos serviços”, denunciou.
Por fim, ele comentou que, analisando a breve história do
modelo regulatório atual no Brasil e as contribuições que a regulação já
ofereceu, é importante destacar que ainda há muito o que fazer para avançar.
Para o farmacêutico, as práticas de regulação são importantes ferramentas na
busca por um atendimento integral e de qualidade, mas não basta ter acesso à
rede, é preciso ter água disponível, dentro de padrões de potabilidade, e a
preços justos. “É urgente a necessidade de um marco regulatório consistente no
qual a questão do acesso aos serviços seja preponderante, trazendo assim, a
expansão dos benefícios que a sociedade espera e pelos quais remunera os
reguladores”, concluiu o coordenador. Para saber mais sobre o assunto, leia,
ainda neste artigo, uma entrevista com José Bento da Rocha. (ecodebate)
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