SP deve pensar um futuro de seca e chuva extremas
Climatologista alerta que cenários com muito calor e muito frio também
devem ficar cada vez mais comuns em todo o mundo.
O relatório do IPCC
(o painel de cientistas da Organização das Nações Unidas), que será divulgado
no fim do mês, deve reforçar algumas noções dos impactos das mudanças
climáticas no Brasil que os cientistas conhecem bem: o clima vai ficar mais
instável, com alternância cada vez mais frequente de extremos climáticos - do
muito quente para o muito frio; e do muito seco para o muito chuvoso. Cenários
mais ou menos parecidos com os que estamos vendo atualmente nas Regiões Sudeste
e Norte.
"O alerta é
claro: temos de incorporar essa dimensão da variabilidade climática se
quisermos evitar o colapso dos sistemas", afirma o climatologista Carlos
Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Com toda a
discussão sobre mudança climática, por que há tanta dificuldade de adaptação?
O motivo é que a
adaptação está intimamente ligada com a vida, o uso dos recursos, a
infraestrutura local de cada país. Ainda que se possa pensar em ações e
tecnologias para serem aplicadas em qualquer lugar, medidas de adaptação são
por definição locais. Além disso, há uma diferença fundamental entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento. Os primeiros já há várias décadas criaram
mecanismos para adaptar as atividades econômicas aos desastres naturais do
presente. Já a maioria dos países em desenvolvimento ainda é muito mal equipada
para conviver com a variabilidade climática existente hoje. E imagine que, em
cima dessa variabilidade, vamos ter as mudanças climáticas com mais extremos.
É o que vemos, por
exemplo, em São Paulo, que até hoje não encontrou uma solução para as
frequentes inundações no verão?
A verdade é que
conviver com os extremos nunca foi uma agenda que de fato obteve prioridade.
Temos o exemplo clássico da convivência com a seca no Nordeste. Adaptar a
infraestrutura urbana de uma grande cidade para as mudanças climáticas passa
necessariamente por resolver grandes questões que vão muito além das mudanças
climáticas. Que é a forma como a cidade se desenvolveu, a política de
transporte público versus o automóvel, por exemplo. Falar em adaptar a
mobilidade de São Paulo para as chuvas mais intensas… Bom, isso não é
aquecimento global, é um problema da urbanização de São Paulo. Para lidar com o
aumento das chuvas é preciso mudar completamente a política de mobilidade
urbana para incentivar o transporte público. É uma ladainha que todo mundo sabe
e repete. Isso não é só para se adaptar às mudanças climáticas. É uma questão
de sobrevivência, eficiência e qualidade de vida. Se a cidade já fosse mais
funcional no aspecto de mobilidade urbana, seria muito mais fácil se adaptar ao
aumento da temperatura e da intensidade das chuvas e de inundações.
Ainda dá tempo de
agir?
É uma frase que já
virou chavão, mas um grande grau de mudanças climáticas já se tornou
inevitável. Não há o que fazer. É uma constatação que a ciência coloca com
muita propriedade e robustez. Algumas coisas não teremos como reverter. Já
vamos conviver no futuro com pelo menos mais 2°C de temperatura, isso se houver
muito trabalho para estabilizar as emissões de gases. Mais 2°C no Brasil, com
mais eventos extremos climáticos, mais episódios de secas e chuvas intensas
prolongadas no Nordeste e no Sudeste, significam que toda a economia do País
precisa ser adaptada, toda a geração de energia.
O que a crise atual
de água em São Paulo nos ensina?
Esse é um setor que
ainda está reagindo mais na emergência. E a dimensão que precisa ser
rapidamente incorporada nas políticas públicas do uso do recurso hídrico é a de
longo prazo das mudanças climáticas. É o momento de fazer isso. Restam poucas
dúvidas de que a variabilidade climática - os extremos do clima - vai mudar.
Não é mais uma coisa estacionária, como era há algumas décadas quando, ao
planejar um reservatório de uma cidade, os hidrólogos usavam a série histórica
de chuvas, secas, inundações para prever a segurança dos reservatórios, e isso
era perfeito. Era uma ciência muito bem conhecida desde os romanos. Só que as
séries não são mais estacionárias. Então é importante que essa dimensão seja
acrescentada ao planejamento. É a única maneira de fazer frente. Porque só
responder na emergência não elimina todos os prejuízos econômicos, sociais e
ambientais nem evita colapsos no longo prazo. E não estou dizendo que essa seca
atual é uma decorrência das mudanças climáticas. Mas que, no futuro, a
variabilidade climática, que é prevista por todos os cenários climáticos, tem
de ser levada em consideração. O sistema tem de estar preparado para isso.
(OESP)
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