Você se lembra de
quantos celulares já teve?
Por que motivos
trocou sua última geladeira?
Por quanto tempo espera
usar seu novo computador?
E por quanto tempo
usou o anterior?
Quanto se fala em
produtos eletroeletrônicos as questões relativas ao tempo de vida útil
dificilmente são associadas à questão da sustentabilidade. Não é só falha dos
consumidores. A própria regulação estatal (demarcada pela Lei Nacional de
Resíduos Sólidos) omite falar no problema da obsolescência dos produtos.
Na mídia de negócios
de abrangência nacional e até especializada o tema é virtualmente ignorado.
Nenhuma empresa do setor reconhece sua responsabilidade diante do acelerado
encurtamento da funcionalidade dos aparelhos ou do estímulo publicitário aos
consumidores para concretizarem uma troca antecipada. Se, por um lado, as
consequências adversas da obsolescência programada na forma de lixões lotados
de aparelhos descartados e ansiedade generalizada entre os compradores costumam
receber a atenção do governo e da grande mídia, por outro lado, esses efeitos
são raramente conectados com as políticas corporativas de vida útil reduzida
para os bens eletroeletrônicos. Como entender essa omissão?
Pesquisa do Instituto
Market Analysis em parceria com o Instituto de Defesa do Consumidor revela que
ao mesmo tempo que existe um disseminado senso comum entre os brasileiros de
que os produtos eletroeletrônicos apresentam um tempo de vida útil cada vez
menor e que a indústria estimula ativamente a substituição antecipada dos
aparelhos, isso não gera insatisfação entre os consumidores, sugerindo que a
troca de aparelhos é dada como algo natural. Na cabeça da maioria da população,
a substituição parece regida pelos imperativos da moda e da expansão de novas
funções. Resultado: apesar dos efeitos negativos para o bolso, o meio ambiente
e a estabilidade emocional de quem se depara com a obsolescência de desempenho
ou simbólica dos seus aparelhos raras vezes essa troca é problematizada. A
regra assimilada é que a atualização funcional e o upgrade imaginário do status
de quem possui tais aparelhos são benefícios mais palpáveis para o consumidor
que os custos de ser indiretamente forçado a descartar aparelhos ainda em
funcionamento ou que poderiam ser consertados.
Da amostra de 806
brasileiros residentes nas 9 principais capitais do país que responderam a
pesquisa, 93% concorda com que “hoje em dia os aparelhos eletrônicos duram bem
menos do que no passado”, 90% que “algumas empresas, quando lançam um produto
novo não colocam todas as inovações que poderiam nele, já prevendo o lançamento
de uma nova versão”, e 84% que “alguns eletrônicos são projetados para
que durem menos tempo do que seria possível para incentivar que um novo produto
seja comprado mais cedo”. Contudo, é um grupo mais reduzido de 67% que admite
que “sinto que termino substituindo os aparelhos eletrônicos com maior
frequência do que eu gostaria”.
A diferença entre
percepção da existência da obsolescência planejada e a interpretação da mesma
como algo imposto é um primeiro indicador objetivo do grau no qual tal
obsolescência vem sendo internalizada como natural pelos consumidores. Um
segundo indicador é dado pela brecha entre a vida útil real e a percepção de
vida útil ideal atribuída a estes aparelhos (que não ultrapassa os 2,5 anos em
média para bens de uso corriqueiro como celular, computador, impressora ou TV)[3] e sua relação com essa
sensação de substituição forçada desde o mercado. Um terceiro indicador é
obtido quando se avalia que o tempo esperado de duração dos aparelhos entre
consumidores que se percebem forçados a trocar e aqueles que não se percebem
dessa forma é praticamente o mesmo, apresentando uma diferença inferior a 2
meses. Em síntese: a obsolescência não é somente aceita pelos consumidores,
como também é abertamente bem-vinda.
A ampla aceitação da
obsolescência programada pelos consumidores é suportada também pela elevada
predisposição à substituição dos aparelhos, a qual muitas vezes não está
vinculada a razões funcionais. Por um lado, embora o consumidor entenda que os
aparelhos devessem durar mais, sua expectativa de trocar os atuais aparelhos é
elevadíssima: cerca de 4 em cada 10 consumidores afirma que é provável que
substituam o celular ao longo de 1 ano. Para outros aparelhos, as chances são
de que 2 em cada 10 façam a troca no mesmo período. Por outro lado, ao explorar
os motivos de troca do último aparelho entre a população pesquisada, a opção de
maior repercussão é “porque o novo era mais atual, moderno, melhor ou com mais
funções”. Quase metade deles (47%) admite razões de modernização tecnológica e
simbólica antes de justificar a troca por defeitos de funcionamento ou quebra
total. No caso das impressoras e dos computadores esse percentual supera com
folga os 50%.
O que esses dados nos
sugerem? Que existe uma assimilação conformada do consumidor frente às
estratégias da indústria e da propaganda, já que ele percebe “em abstrato” que
os aparelhos deveriam durar mais, mas está satisfeito com a durabilidade e
desempenho de seu aparelho. De igual forma, o consumidor não deixa que a
suspeita que ele tem de que existem ações corporativas impulsionando a
obsolescência dos produtos contamine negativamente outras percepções sobre
estes aparelhos ou seu comportamento diante das marcas e dos aparelhos. Em
definitiva, os consumidores acabam conciliando suas aspirações porum aparelho
menos descartável com sua realidade de troca do mesmo, ajustando suas
expectativas de durabilidade e expressando uma satisfação com o aparelho que a
troca parece desmentir. É a naturalização da obsolescência, não com base aos
argumentos convencionais de geração de riqueza e empregos ou avanços
tecnológicos, mas sim com base em uma projeção simbólica modernizada da própria
identidade nos aparelhos utilizados. Assim, para uma grande parte dos
brasileiros, a troca antecipada de aparelhos eletroeletrônicos não depende do
bom ou mau funcionamento dos mesmos, mas sim do projeto individual de construção
e atualização contínua da sua identidade. Para alguns pode ser o trunfo da
“destruição criativa” atribuída ao capitalismo; para outros, a evidência da
perversa construção artificial de necessidades por parte da indústria e seu
braço publicitário. Trate-se de obsolescência tecnicamente programada ou
psicologicamente motivada, as consequências sociais e ambientais dela não podem
ser ignoradas por aqueles agentes genuinamente comprometidos com um modelo de
sustentabilidade. Uma sociedade com clientes vorazmente abraçando o descarte de
produtos quando ainda estão funcionando, fabricantes que programam vida útil
encurtada nos aparelhos que produzem, agências de publicidade faturando com o
pavor à obsolescência psicológica dos consumidores e governos omissos aos
efeitos de semelhantes práticas só podem nos colocar na contramão da
sustentabilidade.
(ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário