O futuro é agora. A necessidade de se discutir as adaptações
das mudanças climáticas
“Precisamos urgentemente instituir o Plano Nacional de
Adaptação às Mudanças Climáticas. É necessário discutir as adaptações em todos
os setores, porque as mudanças climáticas impactam em toda a sociedade, e todos
os seus setores podem contribuir com ações de mitigação”, afirma o Coordenador
de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à
Natureza.
“Adaptação é a
palavra-chave nesta etapa, uma vez que as previsões já foram feitas nas duas
últimas décadas. É necessário preparar-se para um novo cenário, investir em
novos conhecimentos e agir preventivamente. Não é mais possível ficar na cômoda
situação de pensar no que vamos propor para o futuro, pois os cenários
previstos há alguns anos já chegaram”, aponta André Ferretti, em entrevista por
e-mail à IHU On-Line.
Na opinião do
ambientalista, existe uma inércia com relação às mudanças climáticas, o que se
configura em um risco iminente. “Há uma inércia em relação às adaptações às
mudanças climáticas, o que considero grave, porque corremos o risco de não
tomar as medidas certas e sermos atropelados pelas intempéries. Isso vale não
apenas para questões relacionadas à segurança alimentar, mas também para
proteção da biodiversidade, saúde pública e fornecimento de água”, pondera.
Além disso, critica
duramente a postura do Estado com relação ao modelo de desenvolvimentismo
proposto. “O Pré-sal é um dos maiores equívocos do governo, porque significa
investir na prospecção de um combustível fóssil, uma fonte de energia que deve
ser abandonada em breve por conta dos impactos que causa na atmosfera. Estamos
nos concentrando em um modelo energético antigo e pouco inovador, que o mundo
precisa abandonar, e temos investido muito pouco em novas fontes de energia,
como a eólica e a solar”, avalia. “Precisamos que as questões ambientais façam
parte da concepção dos negócios e não sejam vistas como entraves, ou meros
acessórios ou perfumaria”, complementa.
André Ferretti é
Coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de
Proteção à Natureza.
IHU On-Line – Que pontos do relatório do IPCC
o senhor destacaria como as demandas mais urgentes à crise ambiental?
André Ferretti - Como
um todo, o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC
tem sido um instrumento para nos mostrar que as mudanças climáticas estão
ocorrendo de maneira acelerada e que vamos ter mais impactos no meio ambiente.
Adaptação é a palavra-chave nesta etapa, uma vez que as previsões já foram
feitas nas duas últimas décadas. É necessário preparar-se para um novo cenário,
investir em novos conhecimentos e agir preventivamente. Não é mais possível
ficar na cômoda situação de pensar no que vamos propor para o futuro, pois os
cenários previstos há alguns anos já chegaram.
Precisamos
urgentemente instituir o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. É
necessário discutir as adaptações em todos os setores, porque as mudanças
climáticas impactam em toda a sociedade, e todos os seus setores podem
contribuir com ações de mitigação. Um exemplo é a cultura de café, que, segundo
as previsões, será afetada devido às mudanças climáticas. Muito pouco tem sido
feito para adaptar a produção brasileira ao novo cenário. É essencial que seja
feito, e divulgado para todos os interessados, o mapeamento das melhores áreas
futuras para se plantar o café, ou até mesmo estudos de melhoramento genético
para que a cultura resista às mudanças climáticas previstas. Há uma inércia em
relação às adaptações às mudanças climáticas, o que considero grave, porque
corremos o risco de não tomar as medidas certas e sermos atropelados pelas
intempéries. Isso vale não apenas para questões relacionadas à segurança
alimentar, mas também para proteção da biodiversidade, saúde pública e
fornecimento de água.
IHU On-Line – Por que o senhor considera que
o atual governo despreza a agenda climática? Que evidências ilustram tal
comportamento?
André Ferretti – O
poder público historicamente não prioriza a agenda climática, tampouco os temas
ambientais. Algumas conquistas que tínhamos obtido, como a redução do
desmatamento, hoje estão em risco. As evidências estão desde a aprovação do
novo Código Florestal, que é extremamente flexível para os que são contrários à
conservação, até o projeto do Pré-sal , a “menina dos olhos” do governo.
Pré-sal é, em minha opinião, um dos maiores equívocos do governo, porque
significa investir na prospecção de um combustível fóssil, uma fonte de energia
que deve ser abandonada em breve por conta dos impactos que causa na atmosfera.
Estamos nos concentrando em um modelo energético antigo e pouco inovador, que o
mundo precisa abandonar, e temos investido muito pouco em novas fontes de
energia, como a eólica e a solar.
IHU On-Line – Do que se trata, exatamente, o
Plano Nacional de Mudança do Clima? Tendo em vista o texto atual, em que medida
a redação está afinada com as necessidades de preservação ambiental e, por
outro lado, aos interesses desenvolvimentistas do país?
André Ferretti – O
Plano Nacional de Mudança do Clima elaborado em 2008, e revisado em 2013, visa
a incentivar o desenvolvimento e aprimoramento de ações de mitigação no Brasil,
colaborando com o esforço mundial de redução das emissões de gases de efeito
estufa, bem como objetiva a criação de condições internas para lidar com os
impactos das mudanças climáticas globais (adaptação). Para esse propósito, até
dezembro de 2012 deveriam ter sido elaborados nove planos setoriais que não se
conversam, pois não há linguagem comum ou coerência entre eles, de modo que não
são articulados.
Um deles, o Plano
Setorial de Redução de Emissões da Siderurgia, ainda está em fase de
elaboração, segundo o Ministério do Meio Ambiente. Pode-se considerar que são
cópias de ações isoladas realizadas ou planejadas por setores distintos,
reunidas num documento chamado de plano. Partimos do pressuposto de que todo
plano tem que ser construído com hipóteses e metas claras para se chegar a um
cenário desejado e ver quais as ferramentas necessárias para alcançar o
objetivo traçado.
O Plano Nacional de
Mudança do Clima não foi elaborado desse modo. Falta visão estratégica que
trace novas perspectivas do ponto de vista tecnológico e de inovação, falta uma
estrutura padrão e, principalmente, um monitoramento de sua implementação. Dois
exemplos que ilustram bem isso: o Plano Setorial de Energia privilegia a
energia fóssil e não traz nada significativo sobre energias alternativas ou até
mesmo sobre o etanol, que colocou o Brasil na vanguarda na década de 1980 com o
Proálcool.
Outro exemplo é o Plano
Setorial de Transporte e Mobilidade Urbana, que deveria incentivar alternativas
de transporte público para garantir a fluidez do tráfego nas grandes cidades e
reduzir a emissão de carbono. Em vez disso, o que se tem visto é o subsídio
dado pelo Governo para as montadoras para impulsionar a venda de carros.
Resultado: as cidades estão travando, porque o governo incentivou a imobilidade
urbana. Esses são exemplos de como o Plano Nacional não contempla ações
integradas para os principais setores rumo à economia estável e à sociedade de
baixa emissão de carbono.
IHU On-Line – Segundo dados da ONU, o ano de
2011 contabilizou 29.782 mortes decorrentes de desastres ambientais. O Brasil
teve aproximadamente 900 mortes, parte delas decorrentes de deslizamentos de
terras, entre outros fatores. Dito isto, como o senhor avalia a postura do
Estado com relação à estrutura de atendimento a catástrofes ambientais?
André Ferretti – O
poder público tenta melhorar a infraestrutura de socorro para aqueles que foram
afetados pelos desastres ambientais quando deveria investir principalmente em
ações corretivas e preventivas. No caso de áreas sensíveis a deslizamentos e
com potenciais inundações, o ideal seria implantar um sistema que mapeasse os
pontos mais vulneráveis, identificando as áreas de risco, além de cadastrar e,
se for o caso, retirar as pessoas e viabilizar a realocação delas para áreas
seguras. O poder público erra ao flexibilizar o Código Florestal, perdoando os
que desmataram áreas naturais irregularmente e permitindo que as pessoas
habitem margens de rios; ou que as culturas agrícolas avancem nas áreas de
preservação permanente. São fatores que expõem mais a população às enchentes e
a deslizamentos. Associada a isso tudo, temos a sociedade civil que poderia ter
uma postura mais participativa nos fóruns de discussão existentes e de maior
cobrança junto aos poderes Executivo e Legislativo.
IHU On-Line – É possível pensarmos o
desenvolvimento econômico do país sem agressão à natureza? Como?
André Ferretti – O
setor de energias renováveis é um exemplo de que isso é possível. Produz
energia limpa, não promove tanto impacto ambiental e gera conhecimento, novos
negócios e novas tecnologias. A China, por exemplo, é referência nesse
segmento, porque promove conhecimento, forma mão de obra qualificada e exporta
tecnologia por meio dos seus painéis de energia solar. Precisamos que as
questões ambientais façam parte da concepção dos negócios e não sejam vistas
como entraves, ou meros acessórios ou perfumaria. A conservação da natureza tem
que ser vista como prioridade por qualquer setor da sociedade. O pensamento
mais lógico é que natureza e desenvolvimento não são dimensões antagônicas, mas
dois lados da mesma moeda, essenciais para a melhoria da qualidade de vida das
pessoas.
IHU On-Line – Com relação à necessidade de
adaptação das populações à nova organização climática mundial, que grupos são
os mais vulneráveis? Por quê?
André Ferretti – As
populações mais pobres são as mais vulneráveis, por dois motivos. Primeiro,
porque elas habitam as áreas de maior risco em situações de seca ou de
enchentes, fenômenos que têm sido cada vez mais frequentes e são relacionados
às mudanças climáticas. As pessoas carentes acabam se concentrando nessas áreas
porque são as menos valorizadas. Segundo, porque essas populações dispõem de
menos recursos para se reestruturar quando os problemas acontecem, ficando a
mercê da ajuda do poder público. No caso das cidades do interior, em geral as
comunidades carentes sobrevivem do extrativismo ou da agricultura de
subsistência, sendo que têm dificuldades para se recuperarem após fenômenos
climáticos extremos que afetaram as áreas onde vivem. Essas pessoas correm o
risco de ficar sem casa e sem ter o que comer caso não haja planejamento para
adaptar as culturas agrícolas às mudanças climáticas. Diante desse cenário, a
tendência é de que essas populações migrem para os grandes centros urbanos, sem
condições de se sustentarem, aumentando os níveis de pobreza e a violência.
IHU On-Line – Onde avançamos na agenda
climática? Que pontos podem ser inspiradores para uma mudança significativa na
questão ambiental?
André Ferretti –
Temos que reconhecer que a redução do desmatamento da Amazônia, notificada ao
longo dos últimos anos, foi uma conquista para nós que atuamos com mudanças
climáticas. Isso é inegável, mas é uma conquista ainda frágil. Nesse aspecto, o
novo Código Florestal pode criar uma cultura de permissividade com relação ao
desmatamento de novas áreas. No setor empresarial, alguns programas têm obtido
resultado com a adesão de empresas na elaboração de inventários e adoção de
ações para a redução de emissões de carbono. A sociedade civil evoluiu também,
com acesso a mais informação e maior interesse pelo tema, mas ainda com
capacidade reduzida de mobilização para a defesa de medidas que contribuam para
a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, bem como para a conservação da
natureza.
IHU On-Line – Uma vez divulgados os dados do
IPCC, de que ordem é o desafio de tornar o debate ambiental uma pauta cotidiana
no contexto social? Que alternativas podem nos oferecer novos rumos?
André Ferretti –
Defendo uma união de todos os segmentos, mas os líderes do país têm que chamar
para si a responsabilidade na divulgação dos resultados de dados públicos, confirmando
a seriedade e apresentando contas do que tem sido feito para mitigar os
impactos. A sociedade precisa de mudanças e enxergar as oportunidades de
negócios que aliem desenvolvimento e conservação. A civilização do carbono,
intensificada a partir da revolução industrial no século passado, teve sua
chance, mas não resolveu. É necessário que uma nova civilização entre em campo
para mostrar que uma economia de baixo carbono é capaz de revolucionar o
planeta. Para melhor. (ecodebate)
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