Desmatamento agravou crise da água em SP
Sistema
Cantareira perdeu 70% de mata em duas décadas. Cobertura vegetal aumenta a vida
útil dos reservatórios, além de prolongar tempo de abastecimento durante seca.
Depois de
atingir o menor nível já registrado – apenas 8,4% da sua capacidade –, o
sistema Cantareira, principal fornecedor de água da região metropolitana de São
Paulo, vai em busca das últimas gotas. Em 15/05/14, a Sabesp inicia uma
operação emergencial para recuperar o chamado "volume morto" do
reservatório.
A crise no
abastecimento de água não se deve apenas ao calor recorde e ao menor índice de
chuvas já registrado nos últimos 84 anos. Especialistas defendem que o
desmatamento em bacias hidrográficas contribui para diminuir a quantidade e a
qualidade das águas, tanto superficiais quanto subterrâneas.
"Nós
temos apenas 30% de área com florestas preservadas nesse manancial [Sistema
Cantareira]. O restante precisa ser recuperado ou têm uso inadequado de
solo", afirma a coordenadora da Rede das Águas da SOS Mata Atlântica, Malu
Ribeiro.
Resultados
de um experimento feito pela ONG desde 2007 – que restaura uma floresta num
centro em Itu, interior de São Paulo – comprovam essa relação. "Em 2012,
apenas cinco anos depois, foi verificado que o nível dos lençóis freáticos
subiu 20% e o dos reservatórios, 5%", argumenta Ribeiro.
Estudos
apontam que a floresta atua como reguladora do ciclo hidrológico, atenuando os
impactos de eventos climáticos extremos, como secas e enchentes. "A
floresta aumenta a resiliência dos mananciais. O desmatamento não é causa da
seca, mas, se houvesse maior cobertura vegetal, o esgotamento dos reservatórios
poderia ser evitado", diz Ribeiro.
O problema,
entretanto, não está restrito a São Paulo. De acordo com um levantamento
inédito do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, os reservatórios
considerados críticos pela Agência Nacional de Águas (ANA) perderam em média
80% de sua cobertura florestal.
"Ainda
estamos detalhando o estudo, mas já podemos perceber que uma das semelhanças
entre os mananciais críticos em relação ao abastecimento de água é o
desmatamento", explica o coordenador geral do Pacto e diretor para Mata
Atlântica da Conservação Internacional, Beto Mesquita.
A pesquisa
inclui as capitais do litoral do país, além de Belo Horizonte, Curitiba e São
Paulo, bem como cidades do interior paulista, como Sorocaba e Campinas.
Abastecimento
de água da metrópole paulista está ameaçado
O papel da
floresta
A floresta
tem uma série de funções no ciclo hidrológico. Quando a chuva cai num terreno
com cobertura vegetal, a água infiltra lentamente no solo, até atingir os
lençóis freáticos. Aos poucos, ela aflora nas nascentes e enche os rios, até
chegar às represas.
"A
floresta quebra a energia da chuva, porque parte da água fica na cobertura das
árvores e atinge o chão devagar. Além disso, o solo da mata é muito poroso, com
matéria orgânica e raízes. Por isso, há mais espaço interno e maior capacidade
de armazenamento", explica Mesquita. Ele aponta também que, por essa
característica, o solo da floresta libera um fluxo de água mais constante,
mesmo durante uma estiagem.
Malu Ribeiro
ressalta que o desmatamento ao redor do Cantareira está prejudicando a oferta
de água na região. "O sistema está localizado no fundo do vale do Rio
Jaguari, que tem um conjunto de nascentes na Serra da Mantiqueira. O
desmatamento no curso dos rios até o reservatório faz com que essas nascentes
desapareçam e os cursos d'água não consigam se recuperar."
Enchentes e
assoreamento
Onde não há
floresta, a infiltração da chuva no terreno é mais difícil. Num solo de
pastagem, por exemplo, a quantidade de água escoada é até 20 vezes maior que em
área de vegetação, segundo o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA), Philip Fearnside.
Por esse
motivo, em período de muita precipitação, áreas desmatadas estão mais sujeitas
a enchentes. A água escoa rapidamente e em quantidade, enchendo os rios e
represas, muitas vezes de forma desastrosa. Neste processo, a água carrega
consigo muito material orgânico, erodindo o terreno e assoreando os
reservatórios.
"Esse é
um problema grave no Brasil e principalmente no Sistema Cantareira, porque
perdemos a capacidade de reservar água. Quando chove muito, o excedente acaba
sendo jogado fora", argumenta Ribeiro.
Segundo
Mesquita, por evitar o assoreamento, a floresta aumenta a vida útil do
reservatório, além de prolongar o tempo de abastecimento durante uma seca.
Umidade e
qualidade da água
Outra
importante função da floresta é reter água da atmosfera. Na bacia do Rio
Guandu, no estado do Rio de Janeiro, 30% da água é incorporada ao sistema por
essa via, segundo estudo da Conservação Internacional. "Quando vêm a
neblina e nuvens carregadas, quanto mais floresta tiver em regiões montanhosas,
maior a retenção de água", diz Mesquita.
A floresta
contribui para manter a umidade do ar, através da transpiração das plantas.
"Cerca de 30% da água na atmosfera vêm das florestas. Num reservatório, se
o ar está seco, isso também aumenta a evaporação na represa", alerta o
presidente e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia de São Carlos,
José Galízia Tundisi.
A vegetação
também participa no ciclo hidrológico, atuando como um filtro para manter a
qualidade da água. "A floresta retém metal pesado em suas raízes e matéria
em suspensão. Ela também filtra a atmosfera e diminui a quantidade de
partículas que podem cair na água", afirma Tundisi.
Um levantamento
deste ano da Fundação SOS Mata Atlântica em sete estados também comprova essa
relação entre floresta e a qualidade da água. Dos 177 pontos avaliados, apenas
19 (11%), localizados em áreas protegidas e de matas ciliares preservadas,
tiveram bons resultados.
Floresta
Amazônica também influencia regime de chuvas em São Paulo
Desmatamento
na Amazônia
Não é apenas
a perda de floresta nos mananciais que pode ameaçar a oferta de água em São
Paulo. O desmatamento na Amazônia também impacta negativamente a quantidade de
chuva que chega ao sudeste.
Estudos
revelam que até 70% da precipitação em São Paulo, na estação chuvosa, depende
do vapor d'água amazônico. O meteorologista Pedro Silva Dias, da Universidade
de São Paulo, também pesquisa o tema. "O desmatamento na Amazônia vem
causando impacto, por exemplo, a produção de arroz no Brasil. Se houver um
processo muito intenso de perda de floresta amazônica, as regiões sul e sudeste
sofrerão um processo de desertificação", defende Ribeiro.
Philip
Fearnside diz que esse desmatamento, em torno de 20%, não explica a seca atual
em São Paulo. "Ainda tem 80% da floresta amazônica, isso não é suficiente
para causar uma queda dramática na chuva de São Paulo de um ano para o
outro", diz o pesquisador, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2007, com
outros cientistas, por alertar contra os riscos do aquecimento global.
Fearnside
ressalta, entretanto, que o impacto é gradual e progressivo. "Se continuar
desmatando, como é o plano do governo com os projetos do PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento), vai diminuir o fluxo de água para São Paulo, que já está no
limite para o abastecimento. Cada árvore que cai, é menos água indo para
lá."
Mentalidade
do esgotamento
Para os
especialistas, há uma mentalidade voltada para o esgotamento dos mananciais,
que prejudica a gestão dos recursos hídricos no Brasil.
"É a
falsa cultura da abundância, a ideia de que podemos esgotar os reservatórios,
porque depois vem o período de chuvas e enche de novo. Só que há uma diminuição
do volume de águas ao longo das décadas em vários reservatórios do sudeste. Em
São Paulo, isso ocorre na bacia do Piracicaba e na bacia do sistema
Cantareira", afirma Ribeiro.
José Galízia
Tundisi chama esse pensamento de "aqueduto romano". Consiste em usar
o reservatório até esgotar e depois buscar água limpa em uma região mais
distante. "É o que São Paulo está fazendo. Em breve vai ter que pegar água
no Paraná", afirma o pesquisador.
Os
pesquisadores alertam que é muito difícil recuperar um manancial depois de
exaurido. O solo fica pobre e seco, funcionando como uma esponja. "Quando
chover, o terreno vai chupar grande volume de água, até que ele recomponha os
aquíferos subterrâneos. Em alguns casos é até impossível reverter a
degradação", diz Ribeiro.
Com a
retirada do "volume morto" do Cantareira, especialistas temem pela
recuperação do reservatório. A reserva, que nunca foi usada antes, será puxada
por bombas, já que fica abaixo do ponto de captação da represa. "Se usar
todo o volume morto do Cantareira, vai levar anos para retornar ao que era
antes", lamenta Tundisi. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário