Possíveis impactos das mudanças climáticas não fazem parte
da preocupação dos municípios brasileiros
A despeito das
crescentes evidências científicas sobre os impactos que podem advir das
mudanças climáticas globais, o tema não faz parte da preocupação mais imediata
dos governos municipais no Brasil. As ações nessa área normalmente surgem
mescladas às respostas governamentais a problemas urbanos que possuem alguma
interface com a questão climática. A conclusão faz parte da tese da cientista
social Fabiana Barbi, desenvolvida no âmbito do programa de doutorado em
Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da
Unicamp. A autora do estudo teve como orientadora e professora Leila da Costa
Ferreira e como coorientador o professor Carlos Joly.
Para entender como os
governos locais têm respondido aos riscos relacionados às mudanças climáticas
globais, a pesquisadora analisou as políticas públicas voltadas ao tema
formuladas pelos nove municípios que compõem a Região Metropolitana da Baixada
Santista, sendo as de Santos com maior profundidade. De acordo com Fabiana, a pesquisa
trabalhou com o conceito de mudanças climáticas adotado pelo Painel
Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), órgão
vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). “Nesse caso, consideramos as
mudanças climáticas causadas ou não pela ação do homem, visto que em muitos
casos é difícil determinar se um evento de chuva extrema, por exemplo, tem
algum componente antropogênico”, explica.
O que foi possível
perceber ao longo da investigação, conforme a pesquisadora, é que de maneira
geral os municípios conhecem os riscos relacionados às mudanças climáticas, mas
não estão se preparando para enfrentá-los de maneira adequada. “Nem mesmo
Santos, que tem uma Defesa Civil bem estruturada, dispõe de uma política
pública mais efetiva nesse sentido. Essa situação é preocupante, pois os
cenários projetados para a cidade, mesmo os mais conservadores, apontam para a
possibilidade de impactos importantes para o cotidiano da população”, observa.
Por ser um município
costeiro, prossegue a autora da tese, a situação de Santos é ainda mais séria
que a de outras cidades que não apresentam essa caraterística. Isso por causa
do risco do aumento do nível das águas do oceano. “No cenário mais conservador,
essa elevação seria de meio metro, o que já inundaria parte da região conhecida
como Ponta da Praia, que está urbanizada e densamente ocupada. Se a elevação do
oceano for de um metro, a situação se agravará ainda mais. Somente uma parte do
centro e os morros não seriam atingidos. Imagine o que isso significaria para o
dia a dia dos moradores?”, questiona.
Apesar disso, Santos
não possui programas efetivos voltados à prevenção ou mitigação dos problemas
que podem ocorrer devido às mudanças climáticas. “O município não dispõe de
política e nem de setor específico para tratar desse tema. Nós percebemos que o
assunto é tratado por alguns órgãos ou secretarias, mas de maneira indireta,
normalmente associado a algum problema urbano mais imediato. Não se tem uma
estratégia para enfrentar os riscos relacionadas às mudanças climáticas no
médio e longo prazos. Nas demais cidades da Baixada Santista a situação não é
diferente. Vale lembrar que, no caso da elevação das águas do oceano, o
fenômeno ocorre de forma lenta e gradual, o que dá tempo para a definição de estratégias
de enfrentamento dos problemas”, pondera Fabiana.
Um aspecto que chama
a atenção em relação à inércia governamental, segundo a orientadora da tese, é
que o Brasil dispõe de mecanismos capazes de balizar medidas preventivas e de
adaptabilidade. “A política climática nacional, aprovada em 2009, é muito boa.
Da mesma forma, temos cinco municípios e onze estados que elaboraram
legislações igualmente importantes. Ocorre, porém, que as propostas não são
implementadas e, consequente, as eventuais metas não são atingidas”, lamenta a
professora Leila.
Na opinião dela, tem
faltado aos gestores públicos vontade política de levar as políticas climáticas
adiante. “Isso se deve, muito provavelmente, por causa da relação que nós temos
tido com esse tema. Frequentemente, as pessoas tendem a achar que o assunto
mudanças climáticas não lhes diz respeito e que as possíveis consequências do
fenômeno não afetarão o seu cotidiano. Isso é um equívoco. O IPCC tem chamado a
atenção dos países para os riscos dessas mudanças para as populações. Além do
mais, também tem alertado que as nações mais pobres são as que mais sofrerão
com os efeitos da alteração do clima”, diz a docente.
Um dos grandes nós a
serem resolvidos no plano local, como lembra Fabiana, é relativo à mobilidade
urbana. “Isso tem sido um enorme desafio para muitas cidades, notadamente São
Paulo. As emissões de gases de efeito estufar (GEEs) por parte dos automóveis
crescem a cada dia. Existe um estudo que aponta que no período de dez anos,
entre 2001 e 2011, a frota de carros duplicou e a de motos quadruplicou nas 12
maiores capitais brasileiras. Vale ressaltar que as motocicletas poluem mais
que os carros. Ou seja, este é um ponto que precisa ser urgentemente atacado,
pois vamos ter que pagar essa conta mais tarde. O momento de agir é agora”,
adverte a autora da tese.
Na mesma linha, a
professora Leila observa que a questão climática não deve ser tratada somente
por um ministério ou uma secretaria municipal ou estadual específicos. O tema,
afirma ela, deve ter necessariamente uma abordagem interdisciplinar. “Trata-se
de um assunto que perpassa diversas áreas, como habitação, saúde, trabalho,
educação, transporte etc. O ideal é que a política pública do setor seja
desenhada de forma a envolver os diferentes setores e atores. Em outras
palavras, não é uma questão somente da alçada do poder público. Também é da
iniciativa privada, das universidades e da sociedade civil em geral. Outro
ponto fundamental é que as ações têm que ter prosseguimento independente de
quem esteja momentaneamente no poder. As constantes sucessões no governo, tão
necessárias à democracia, não devem afetar a continuidade dos programas”,
defende a docente.
Ainda segundo a
professora Leila, a tese de Fabiana tem uma contribuição importante a dar nesse
sentido. “A pesquisa empregou uma metodologia fundada no conceito da
interdisciplinaridade. No trabalho, Fabiana aborda aspectos relacionados tanto
à dimensão humana quanto à ecológica, para ficar em apenas dois exemplos. E nem
poderia ser diferente, visto que os problemas associados às mudanças climáticas
são complexos e exigem, portanto, um tratamento qualificado. Justamente por
causa desse cuidado foi que os membros da banca examinadora foram unânimes em
indicar o estudo para publicação”, informa.
Questionada sobre
experiências internacionais que poderiam servir de exemplo ao Brasil na área de
política climática, a autora da tese cita dois exemplos, um vindo de Freiburg,
na Alemanha, e outro de Melbourne, na Austrália. “A primeira cidade oferece um valioso
exemplo de mitigação, uma vez que a sua política energética está baseada em
fontes renováveis. Na segunda, o destaque fica por conta das iniciativas
voltadas à adaptabilidade da cidade às consequências das alterações no clima.
Melbourne está investindo muito na coleta de água de chuva, que pode ajudar nos
períodos de inundações e também nos momentos de escassez hídrica”.
Em relação a essas
iniciativas, Fabiana diz que é importante chamar a atenção para o fato de que
as ações de adaptabilidade sempre são mais caras que as de previsibilidade. “Em
termos mais populares, no que toca às mudanças climáticas também vale o célebre
conselho de que é melhor prevenir que remediar”, pontua a pesquisadora, que
contou com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp). Fora do escopo do trabalho de Fabiana, mas dentro do tema de
políticas públicas em meio ambiente, a professora Leila informa que tem
trabalhado num novo projeto de pesquisa individual, mas que deve se tornar
temático brevemente, cujo tema é “Mudanças Climáticas Globais – As políticas
ambientais na China com referência ao Brasil”.
O estudo não pretende
promover, como alerta a docente, uma análise comparativa entre os dois países,
pois isso não faria sentido, dada as enormes diferenças entre eles.
“Entretanto, é importante tomar conhecimento sobre o que se passa lá e que
aprendizados podemos tirar da experiência chinesa. Não custa lembrar que a
perspectiva ambiental é essencialmente global e local”, esclarece. (ecodebate)
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