A tempestade perfeita: crise da comida, agua, emprego,
energia e clima
“A pirâmide global da riqueza pode afundar por falta de
sustentação ecológica ou pode implodir por falta de justiça redistributiva em
sua arquitetura social” (Jed Alves, 26/06/13)
No dia 22 de abril,
além do aniversário da chegada de Cabral e data de início da exploração
portuguesa do Brasil, se comemora o Dia da Terra. Na verdade há pouco a se
comemorar, pois as condições ambientais do Planeta pioram dia a dia. O solo, a
água e o ar estão sendo poluídos e degradados pelo progresso da civilização
humana. O homo sapiens, com seu padrão econômico, se tornou antagonista do meio
ambiente e as atividades antrópicas estão reduzindo a biodiversidade da vida na
Terra.
O modelo de
desenvolvimento que teve início com as grandes navegações de Cristóvão Colombo,
em 1492, mas que tomou forma definitiva nos últimos 250 anos, tornando-se
onipresente no mundo globalizado – baseado na exploração crescente dos recursos
naturais e no uso intensivo de energia fóssil – pode estar caminhando para um
colapso irreversível, segundo Nafeez Ahmed, em artigo do jornal The Guardian
(14/03/2014).
O artigo de Ahmed tem
como base um estudo recente patrocinado pelo Goddard Space Flight Center, da NASA,
que considera a perspectiva de que a civilização industrial global pode entrar
em colapso nas próximas décadas devido à exploração insustentável de recursos
naturais e à má distribuição de riqueza e ao desigual acesso aos bens de
consumo modernos.
De acordo com os
registros históricos, até mesmo avançadas civilizações com alto nível de
complexidade são suscetíveis a entrar em colapso, levantando questões sobre a
sustentabilidade da civilização moderna: “A queda do Império Romano e dos
avançados Impérios Han, Maurya e Gupta , assim como dos Impérios Mesopotâmicos,
mostram que civilizações sofisticadas, complexas e criativas podem também serem
frágeis e inconstantes”.
O estudo publicado no
journal Ecological Economics identificou alguns fatores inter-relacionados mais
relevantes que podem explicar o declínio civilizacional e que podem ajudar a
determinar o risco de colapso atual, a saber: População, Clima, Água,
Agricultura e Energia. Esses fatores podem levar ao colapso quando convergem
para gerar duas características cruciais: a tensão colocada sobre a capacidade
de carga do Planeta e a estratificação econômica da sociedade com o aumento da
desigualdade entre a elite e a “ralé” (na expressão de Jessé de Souza). As
conjugações do colapso ambiental e social têm desempenhado um papel central no
processo de colapso em todas as civilizações avançadas nos últimos cinco mil
anos.
O estudo desafia
aqueles que argumentam que a tecnologia vai resolver esses desafios aumentando
a eficiência econômica. A mudança tecnológica pode aumentar a eficiência da
utilização de recursos, mas também tende a aumentar tanto o consumo de recursos
per capita e a escala de extração de recursos, de modo que, os aumentos no
consumo muitas vezes compensam o aumento da eficiência do uso de recursos. Isso
é o que se chama de Paradoxo de Jevons.
Na medida em que a
taxa de esgotamento dos recursos segue seu rumo, as elites continuam consumindo
e mantendo seus privilégios, enquanto a ralé sofre com a falta d’água, o
aumento do preço dos alimentos e o desemprego. O esgotamento dos recursos
naturais (pico da água, do petróleo, etc..) e as mudanças climáticas delineiam
os limites do modelo de desenvolvimento, mas o colapso pode começar pelas
classes trabalhadoras e pobres e só atingem a elite depois de certo tempo. Os
monopólios de riqueza da elite significam que ela está protegida contra a
maioria dos primeiros efeitos negativos do colapso ambiental e só sentiriam as
consequências muito mais tarde do que a ralé.
Segundo Alves
(26/06/2013): “O crescimento econômico é igual ao incremento da força de
trabalho multiplicado pelo aumento da produtividade das pessoas ocupadas. Se
há, ao mesmo tempo, declínio da população (especialmente da PIA: população em
idade ativa), crescimento do desemprego, estagnação das inovações tecnológicas
e esgotamento dos recursos naturais, então o crescimento econômico se torna
impossível. Este quadro é agravado pelo endividamento público e privado e pelos
custos do envelhecimento populacional sem aproveitamento do segundo bônus
demográfico”.
Algumas pessoas e
estudiosos tentam dar o alerta de que o sistema está se movendo em direção a um
colapso iminente e defendem mudanças estruturais na sociedade, na população e
na economia. Porém, em geral, são chamados de catastrofistas e neomalthusianos.
A elite e o pensamento convencional sempre apresentam argumentos para mostrar
que o modelo de produção e consumo pode ser aperfeiçoado e ampliado. Na reunião
da Comissão sobre População e Desenvolvimento (CPD) da ONU, ocorrida de 7 a 11
de abril de 2014, o desenvolvimento foi reafirmado como um direito dos povos –
um bem em si mesmo – e não ficaram claros os limites ambientais das atividades
antrópicas e nem foram considerados os direitos da Terra e das demais espécies
do Planeta.
Evidentemente o
colapso ambiental pode ser evitado se a taxa per capita de esgotamento dos
ecossistemas for reduzida a um nível sustentável e houver redução da
desigualdade econômica e social. Para tanto, o estudo publicado no journal
Ecological Economics mostra que é preciso reduzir drasticamente o consumo de
recursos e a geração de lixo e resíduos sólidos – fazendo a transição para
recursos renováveis e mais desmaterializados – além de reduzir o tamanho da
população, diminuindo o impacto antrópico sobre o meio ambiente.
Segundo Nafeez Ahmed,
o modelo “business as usual” não é sustentável e mudanças estruturais imediatas
são necessárias para a defesa do meio ambiente e a redução das desigualdades
sociais. A conjugação das crises da água, da comida, do emprego, da energia e
do clima significa que o mundo pode mudar para pior e que os últimos 250 anos
de “progresso” humano podem estar chegando ao fim com o início de uma fase de
regresso social.
O Dia Internacional
da Mãe Terra – conforme denominação assumida pela Organização das Nações Unidas
(ONU) a partir de 2009 – deveria servir para marcar a responsabilidade coletiva
na promoção da harmonia entre todos os seres vivos do Planeta. Porém, se os
crimes do especismo e do ecocídio não forem erradicados, a vida na Terra pode
caminhar para um colapso irreversível. Adicionalmente, se houver ampliação das
desigualdades sociais a sociedade pode caminhar para a desintegração de seu
tecido constitutivo. Uma grande crise ambiental e social poderia ser uma
tempestade perfeita que o mundo todo gostaria de evitar. (ecodebate)
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