Brasil está muito
atrasado em gestão de recursos hídricos, diz consultor
Represa do Atibainha, na cidade de Nazaré Paulista, onde o Sistema
Cantareira apresenta volume de água armazenado de apenas 11,9% da capacidade
total.
São Paulo está nas manchetes da crise hídrica por conta do estresse que
a região enfrenta. Mesmo contando com um sistema integrado de reservas de água
e com o único centro de tratamento de reuso, o governo estadual foi incapaz de
evitar que a crise se estabelecesse. Mas Gesner Oliveira, ex-presidente
da Sabesp e professor da FGV-SP, alerta: a situação de SP é difícil, mas os
outros estados brasileiros têm uma infraestrutura muito pior para lidar com
crises do gênero. Leia a entrevista completa que ele concedeu ao Yahoo.
Como uma crise como essa começa?
Uma
crise é um hiato entre oferta e demanda de maneira sistemática num território
extenso. Não se trata de um fenômeno temporário casual. Não se resolve com
suprimento de água de um sistema para outro. No Brasil, assim como na
Califórnia, por exemplo, é um fenômeno natural que foge às séries históricas.
Na região Sudeste não se tem registro de uma estiagem tão severa. É algo incomum,
muito incomum, como um tsunami ou um terremoto.
Além
disso, há problemas, relacionados à falta de consciência no uso da água. Por
exemplo, a média nacional de perda de água é de cerca de 38%, quando a média
considerada aceitável é de 10% e 15%. Cidades como Franca ou Lins atingem essa
média. Contudo, em estados como Amazonas, Acre ou Pará têm perdas maiores do
que 50%. Pernambuco tem uma perda ainda maior, entre outros estados.
Negligência com a gestão de perdas é um dos problemas sério, mas o desperdício
pelo lado do cidadão também é brutal. Somente São Paulo tem um programa de
conscientização, mas isso precisa ser nacionalizado, porque o problema não é
localizado em SP.
Um
terceiro ponto é a questão do reuso da água. Basicamente só a Sabesp trabalha
com reuso. Israel tem quase 100% da água vindo do reuso; Austrália tem mais de
50%. Esse número poderia ser bem melhor.
Mas
em outros países, como na Califórnia, já se sabia que os recursos hídricos
estavam perto do limite, mas aqui essa escassez foi meio surpreendente. Como o
estado pode alertar a respeito desse limite?
Você
tem a lei do saneamento, da água, que ela é de 2007, é um Plano Nacional de
Saneamento. Houve uma demora para esse plano nacional sair. Ele acabou saindo
só em 2013. Essa demora foi completamente desnecessária.
Quem
é que planeja e monitora a criação de novos reservatórios, no longo prazo?
Quando
se trata de rios interestaduais, a Agência Nacional de Águas, interagindo com
os comitês de bacias. Quando são rios que passam só por um estado, a gerência é
local.
No
caso do reuso: qual é o volume de investimentos e qual o prazo que se leva para
a construção de estações para se fazer isso?
Pegando
o caso de SP, que é o único caso de reuso no Brasil. O Aquapolo
Ambiental trata água a partir do Esgoto do ABC e tem uma capacidade de um
metro cúbico [mil litros] por segundo. Para se ter uma ideia, isso é
equivalente ao consumo de uma cidade como Santos [cerca de 420 mil habitantes].
Ele custou cerca de R$250 milhões numa parceria do estado com uma empreiteira,
feito num prazo de cerca de dois anos. Se você constrói quatro desses, é o
equivalente a um sistema como o sistema de São Lourenço [abastece cerca de 1.6
milhões de pessoas em Barueri, Carapicuíba, Cotia, Itapevi, Jandira e
Vargem Grande Paulista]. É uma solução que pode ter um impacto num prazo
aceitável.
É
uma alternativa a médio prazo, então?
Sim.
A recuperação de um sistema, como o Cantareira, por exemplo, é uma recuperação
bem mais lenta. O relevante é que esse tipo de iniciativa precisa ser levada
para outras partes do país.
Outros
estados correm esse risco também?
São
Paulo tem sido muito falado porque a crise está aqui e o regime de chuvas é
atípico, muito fora do padrão, mas se isso tivesse ocorrido em qualquer outra
grande cidade do Brasil o impacto teria sido caótico. O problema aqui é
grave, mas foi amenizado porque o sistema de abastecimento é integrado da
capital com a região metropolitana. O investimento no Alto Tietê aumentou a
capacidade do sistema em cerca de 50%, por exemplo. O impacto foi diminuído por
conta dessa integração. Na maioria das capitais não existe esse tipo de
recurso. Exceção feita à região Sul, a maioria das capitais está absolutamente
desprotegida de episódios de escassez extrema, nem do ponto de vista da oferta
– estações de reuso, sistemas integrado – nem do consumo, com programas de
conscientização.
Quais
os locais mais atingidos por essa seca atual?
SP,
MG e RJ são os mais afetados pela estiagem. Há teorias de cientistas renomados
que relacionam o desmatamento na Amazônia com o regime de chuvas no Sudeste.
Esse é um modelo e isso precisa ser abordado, mas sendo mais pragmático, uma
coisa é certa: há uma mudança no regime de chuvas ao longo do território, no
padrão climático. Sob o ponto de vista dos estados, só há três alternativas:
consumir menos, aumentar a quantidade de estações de reuso e diminuir a perda
de água no sistema. Em SP o reuso acontece, mas é insuficiente. O resto do país
precisa despertar para o problema.
É
possível alterar legislações como, por exemplo, da construção civil, para
assegurar que tecnologias que consumam menos água sejam estimuladas?
Isso
seria fundamental. Há algumas semanas, foi feita uma sugestão nessa linha para
o município de São Paulo para que o município tenha de usar 100% da água vinda
de estações de reuso. Outra medida seria obrigar condomínios a ter medição
individualizada e também a utilizarem sistemas de coleta de água de chuva. Você
poderia implementar multas pesadas para lavagem de calçadas e desperdício claro
de água. Tudo isso as prefeituras podiam fazer imediatamente. Aliás, já
deveriam ter feito.
E
em relação a incentivos fiscais para combater o problema?
Várias
coisas poderiam ser feitas. Por exemplo: os estados poderiam diminuir ou
eliminar o ICMS sobre equipamentos hidráulicos que reduzissem o consumo de
água. O governo federal precisa acabar com o “imposto da água”. É um absurdo
que as empresas que gerenciam a água paguem o Pasep-Cofins para o uso de água.
Só essa redução aumentaria a capacidade de investimento das empresas em cerca
de 25%. Você tem um problema de falta de investimento e mantém um imposto que
penaliza o setor. A discussão está fora de foco: não é o caso de se protestar
contra a falta d’água, mas há pouca discussão acerca desse imposto.
Existe
vontade política e fóruns para que todos esses problemas sejam abordados ao
mesmo tempo – impostos, reuso, perdas de sistema, desmatamento – para se
melhorar a questão no longo prazo?
Não
há um fórum específico, mas por exemplo, o Congresso poderia pensar em não
cobrar mais esse imposto. Nos municípios, é preciso pressionar os vereadores e
prefeitos. Um exemplo: em São Paulo, o fundo de saneamento tem R$364 milhões de
saldo para investimento nisso, mas não há nenhuma obra – pelo menos não
divulgada – que esteja sendo custeada por esta verba. Essas ações municipais –
incluindo mudanças em códigos de edificação – podem ter impacto direto. No
plano estadual, o governo tem de investir muito mais no que lhe cabe – estações
de reuso, conscientização do uso da água, diminuição nas perdas de sistema.
Num
prazo de 4 anos, que é o prazo dos mandatos políticos no Brasil, é possível
pensar em melhorias?
É
viável. O governo federal tem de acabar com esse “imposto da água” porque ele é
um entrave a qualquer investimento. Outra medida seria a de exigir que os PACs
de obras de saneamento cumprissem seus prazos (os PACs de saneamento são os que
têm maior atraso). No âmbito estadual, um período desses permite que se dê um
salto se você investir em estações de reuso da água. Nesse prazo, não vai se
recuperar sistemas como o Cantareira, mas reciclando a água, o problema pode
ser quase resolvido.
Programas
de despoluição de rios como Tietê e Pinheiros poderiam ter relevância na
resolução do problema dessa escassez hídrica?
Sim.
A mancha de poluição do rio Tietê já foi maior, mas ainda há um grande caminho
a se percorrer. Existe um plano chamado Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Ele
foi feito em 2010 e tinha uma série de metas para 2014, que foram completamente
ignoradas. Para se ter uma ideia, metade da poluição do rio Tietê é desse tipo
de resíduo. (yahoo)
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