Quando éramos crianças e estávamos
no ensino médio, nos ensinavam o ciclo das águas. Parece uma descrição
abestalhada, como se diz aqui pelo Nordeste, mas é fundamental nos dias de
hoje.
A professora nos ensinava que
o sol aquece os oceanos e outros corpos d’água, o calor a muda para vapor de
água (estado gasoso), que sobe para a atmosfera, que é empurrado pelos ventos
para os continentes, que depois vai cair em forma sólida (granizo, neve, etc.)
ou líquida, as chuvas.
Uma parte se perde por
evaporação. Outra escorre alimentando os corpos de água de superfície, para os
rios, daí para o mar. Outra parte penetra na terra, formando os reservatórios
subterrâneos.
Um estudo pouco mais
elaborado vai nos dizer que, se as chuvas caem em terreno coberto por vegetação
(florestas), as árvores ajudam a amortecer o impacto da precipitação nos solos.
Ela ainda retém o fluxo das águas, desacelerando-o. Quando é assim, o solo
sendo poroso, cerca de 60% dessas águas podem penetrar e ficarem armazenadas no
subsolo. São essas águas que depois vão alimentar a chamada vazão de base, que
garante a perenidade de alguns corpos d’água de superfície.
Se o solo é compacto então
cerca de 80% escorre rapidamente para as partes mais baixas, causando
inundações repentinas. Essa água que se perde depois vai fazer falta para
alimentar nossos rios.
Mesmo tendo cobertura
vegetal, se o subsolo não for favorável, como o cristalino aqui do Semiárido,
então a água pouco penetra. É por isso que não temos rios perenes nascidos aqui
na região, a não ser o Parnaíba, exatamente porque ali está uma parte de solo
poroso, que forma o aquífero do Gurguéia.
Temos pequenas nascentes em
partes altas, nos chamados “Brejos de Altitude”. Por isso temos que armazenar
água em açudes artificiais, de superfície, além das cisternas caseiras, barreiros,
barragens subterrâneas e tantas outras tecnologias sociais criadas pelo povo e
aperfeiçoadas na luta pela convivência com o Semiárido.
O ciclo das águas desperta
ainda o “cio da Terra”. Em regiões como aqui no Semiárido, a caatinga que
parecia morta reverdece, ressurgem nuvens de insetos, as flores se espalham de
forma belíssima, os animais parecem sair do nada, como se fosse uma verdadeira
ressurreição.
Meus amigos criadores de bode
dizem que até as cabras entram no cio.
Portanto, sem o ciclo das águas
a vida não reacontece,
os reservatórios não se reabastecem e o que era cheio de vida pode se
transformar num deserto.
O problema maior do Brasil
nesse momento de diminuição das chuvas reside exatamente aí: para muitos
especialistas estamos causando a “ruptura no ciclo de nossas águas”. Por um
detalhe que merece atenção, isto é, parte do nosso ciclo de águas se origina na
floresta amazônica, não só nos oceanos. Então, uma vez derrubada a floresta,
diminui automaticamente a produção de vapor de água.
Outro elemento fundamental é
que o Cerrado, ocupando a parte central do país, fazia o papel de armazenador
de nossas águas, depois distribuindo-as para várias bacias brasileiras. Com a
derrubada da vegetação, mais compactado, ele está perdendo capacidade de
armazenar águas e depois alimentar os rios perenes, como é o caso do São
Francisco.
Causa espanto que tantos
peritos em água só falem em expandir seu consumo, ou ir busca-la mais longe
para abastecer grandes centros, como São Paulo. O raciocínio é feito pela
metade, sem capacidade de olhar sistemicamente nossos ciclos das águas e está
nos conduzindo ao caos. Está apenas adiando a solução e causando problemas
futuros em mananciais que também irão se esgotar se não forem preservados.
O Prof. Antonio Nobre (INPE)
afirma que precisaríamos de um esforço de guerra para recuperarmos a eficiência
de nosso ciclo das águas, replantando em áreas de encostas, margens de rios,
quem sabe em trechos inteiros de bacias hidrográficas. Precisaríamos ainda, não
só deter o desmatamento amazônico, mas começar a recuperação da floresta
enquanto há tempo. Já para o Prof. Altair Salles (PUC Goiânia), o Cerrado não
tem mais recuperação. Para o Prof. José Alves (UNIVASF) o São Francisco está
inexoravelmente condenado à morte.
Mas, nada parece comover
aqueles que impõem a destruição para satisfazer seus interesses imediatos.
Retomando a metáfora do Titanic, a classe A dança e ouve orquestra enquanto o
navio afunda. (ecodebate)
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