A sustentabilidade dos mananciais e a ética do uso da água
Quando a lei brasileira de recursos hídricos
9.433/97 incorporou em seu texto o uso prioritário da água para consumo humano
e a dessedentação dos animais (Art. 10, Inc. III), ela estava assimilando uma
escala de valores. Quando falamos em valores – e numa hierarquia de valores -,
então estamos falando de ética.
Esses princípios já existiam a partir de uma
reflexão global (Princípios de Dublin), quando setores da humanidade deram-se
conta que estávamos mergulhando numa crise da água. Ela faz parte de uma crise
civilizacional maior, que sobre usa os bens naturais acima do que a natureza
pode oferecer, ou num ritmo mais veloz do que ela é capaz de repor. É o que se
chama de insustentabilidade.
Mas, há um vácuo na ética da água no Brasil.
Não existe na lei brasileira de recursos hídricos nenhum parágrafo que
normatize o cuidado com os mananciais, a não ser um princípio geral da referida
lei que afirma ser necessária a gestão dos recursos hídricos integrada à gestão
ambiental (Art. 30, Inc. III).
Em 2004, quando a Campanha da Fraternidade da
CNBB questionou esse vazio, a resposta das autoridades é que essa dimensão
estava implícita em outras leis ambientais, sobretudo no Código Florestal.
Porém, o Código foi modificado.
Sem a vegetação, a penetração da água que
forma os lençóis freáticos se reduz de 60% para 20%. Sabemos que é o rio aéreo
da Amazônia que abastece todo sul e sudeste brasileiros, dependendo da
evapotranspiração da floresta. Entretanto, quem pretende ter água nessa região,
tem que respeitar também os parâmetros ecológicos locais para que ela esteja ao
alcance. Logo, a compra de áreas de preservação na Amazônia em troca do
desmatamento em nível local não soluciona o problema da recarga dos aquíferos.
É preciso preservar a Amazônia e a vegetação local.
Os dois principais programas do governo
federal para a água são no sentido de expandir o consumo. O Água para Todos
visa realizar o valor primordial no uso da água que é o abastecimento humano. O
Oferta de Água visa expandir seu uso econômico. Temos ainda investimentos pelo
PAC em abastecimento humano, com o objetivo de ampliar os serviços de
saneamento básico. Entretanto, não temos nenhum programa relevante em termos de
proteção dos mananciais.
Sem uma visão sistêmica do ciclo das águas e
sem uma ética do uso da água que implique o cuidado dos mananciais,
comprometeremos sempre mais o abastecimento humano, a dessedentação dos animais
e os demais usos.
O óbvio ulula diante de nossos olhos.
(ecodebate)
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