Relembre três conflitos famosos que tiveram a
disputa por recursos hídricos como um dos seus principais componentes. Confira
também os "pontos quentes" do mapa mundial que poderão vivenciar
guerras pela água no futuro.
Pode ser difícil de
imaginar, mas houve um momento em que Leonardo da Vinci, aquele
considerado uma das mentes mais criativas na História humana, e Nicolau
Maquiavel, cuja derivação de seu nome se tornou sinônimo de manipulação, uniram
forças e usaram da água como instrumento de guerra. Antes de os dois gênios da
Renascença criarem as obras que imortalizariam para sempre seu nomes ao longo
dos séculos, eles criaram um plano para cortar o abastecimento de água de Pisa,
cidade vizinha que estava em conflito com a Florença dos dois, criando diversos
canais e barragens pelo vale do rio Arno.
Apesar de o plano
“maquiavélico” não ter dado certo, isso só mostra que tensões violentas por
conta da água, ou pela falta dela, não são novidade alguma. No momento em que a
principal cidade brasileira e a maior da América do Sul passa por uma severa
falta d’água, principalmente pela contínua má gestão do governo estadual ao
longo dos últimos anos, um cenário distópico já está sendo visualizado pela
população da cidade que conta com mais de 10 milhões de habitantes.
Para Brahma Chellaney,
autor de Water, Peace
and War: Confronting the Global Water Crisis, a água cria
instabilidade de maneiras surpreendentes e mesmo que, até o momento, as guerras
modernas ainda não tenham sido travadas pela água em si, o elemento foi um fato
decisivo em muitas delas. Como exemplo, Chellaney cita que a água foi uma das
fagulhas que incendiou, ironicamente, a Primavera Árabe – uma vez que a
crise que elevou o preço dos alimentos alguns anos antes foi causada pela
escassez de água potável. Outro caso é exemplificado numa espécie de “teoria do
caos”: a falta de terras com recurso hídricos fez a empresa Daewoo, da Coreia
do Sul, impulsionar a queda do presidente da distante ilha de Madagascar, na
África, em 2009.
Confira abaixo três dos
conflitos mais famosos que tiveram a água como grande “incendiário”:
Bolívia: até mesmo a chuva
Em 2000, na cidade de
Cochabamba, ocorreu a privatização da água e do já precário sistema de
abastecimento e redes de esgoto, que ficou a cargo da Aguas del Tunari, um
consórcio criado com capitais estrangeiros. Da noite para o dia, a população
com cerca de 700 mil habitantes aumentou as tarifas em até 300% sem que
houvesse sequer melhora nos serviços ou ampliação da área de cobertura para as
zonas mais pobres.
Quando, de uma hora para
a outra, a água, que assim como o ar deveria ser considerado um bem comum, se
transformou em uma mercadoria cara ou simplesmente inacessível para a pobre
população, as pessoas foram proibidas inclusive de coletar a água da chuva, não
tendo outra escolha a não ser irem para as ruas protestarem. Após dias de
conflito das forças armadas bolivianas lutando contra os próprios bolivianos em
nome dos lucros de uma empresa estrangeira, um jovem de 17 anos morreu com um
tiro de sniper do exército boliviano. O presidente Hugo Banzer cedeu à pressão
popular e anulou o contrato de concessão, retornando à prefeitura de Cochabamba
o controle da água e a infame lei 2029, que previa a privatização de toda a
água da Bolívia, caiu.
China e Tibete: água é
controle
Em uma reportagem sobre
os problemas de escassez de água, a revista The Economist apontou que palavra
chinesa para “política” (zhenghzi) tem um de seus caracteres similar a uma
imagem parecida com gotas de água próximas a uma plataforma ou barragem. A
sugestão do parágrafo inicial do texto, de que para os chineses a política e o
controle de água são equivalentes, é justificável: como Maquiavel e da Vinci
almejaram em Florença 500 anos atrás, a China tem em suas mãos o destino da
população de seus vizinhos, pois os principais rios da Ásia (Mekong e Ganges)
nascem na terra de Dalai Lama.
Esse é um dos maiores
motivos pelo qual o exército chinês entrou e se instalou no Tibete há mais de
50 anos. Não foi exatamente por morrer de amores pelos monges budistas da
região, mas sim por esta se tratar de um ponto estratégico geograficamente.
Myanmar, Tailândia, Laos, Camboja, Vietnã, Bangladesh e, principalmente, Índia,
são todos países que dependem dos rios que descem as geleiras do Himalaia e
desafogam suas águas no Oceano Índico.
Oriente Médio: a guerra
dos seis dias que dura 50 anos
Quando a Síria anunciou
seu plano de obstruir um dos afluentes do Rio Jordão e desviá-lo para irrigar
suas plantações, foi dado o primeiro passo para os seis dias de junho de 1967
que colocariam Israel contra a Síria, Egito e Jordânia, naquilo que ficou conhecido
como a Guerra dos Seis Dias.
No momento em que o
último tiro foi dado, o Egito tinha a Faixa de Gaza e o deserto do Sinai; a
Síria ficou sem as colinas de Golã – onde nasce o Jordão, vital para o
abastecimento de água em Israel; e a Jordânia, que só entrou na guerra na
última hora, perdendo tudo o que anexara em 1948. Israel ocupou a Cisjordânia e
Jerusalém Oriental e foi o grande vencedor da guerra-relâmpago.
E o futuro?
Cada vez mais estudos
apontam que a escassez de água potável levará, invariavelmente, que países
entrem em conflito – diplomático ou armado – por regiões abundantes de recursos
hídricos. Veja no mapa abaixo, os “pontos quentes” que poderão vivenciar
guerras pela água no futuro. (revistaforum)
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