11 fatos que você precisa saber sobre a crise
hídrica no Brasil
Reservatórios vazios na região Sudeste.
Há um ano quase não se falava em crise hídrica e hoje
não passa um dia sem que o assunto seja pauta em pelo menos um veículo da mídia
brasileira. Mas, o que aconteceu de lá para cá para essa mudança radical? Será
que a problemática não deu sinais de que estava chegando? Para entender melhor
esse contexto, especialistas da Fundação Grupo Boticário de Proteção à
Natureza, instituição que atua há 25 anos pela proteção da biodiversidade
brasileira, elencaram 11 fatores que influenciam a questão da crise da água no
Brasil. De rios voadores à água virtual!
1. A crise da água é apenas em São Paulo #sqn
Não, a escassez de recursos hídricos não é um
problema exclusivo da maior cidade brasileira. Tanto que, enquanto só se falava
em São Paulo, os níveis dos reservatórios do Rio de Janeiro estavam ainda
piores. Agora, Belo Horizonte também já sinalizou que, se a seca continuar,
precisará racionar água. Como essas três capitais estão no Sudeste, pode
parecer que a crise está restrita a essa região, o que também não é verdade. O
Sul do país está sendo considerado como ‘livre da crise’, mas já passou por
situação parecida em 2006, quando uma estiagem atingiu o Paraná, ocasionando
falta de água para milhares de pessoas. A seca chegou até mesmo a Curitiba,
cidade reconhecida como capital ecológica do país. Isso nos leva a refletir se
estamos tratando o problema atual de forma isolada, quando deveríamos agir e
pensar em âmbito nacional. E na sua cidade, que tal verificar como a situação
está?
2. #fato Sem floresta não vai ter água, mas o
poder público talvez pense que sim
A proteção das florestas nativas nas regiões de
mananciais, nas margens dos rios e reservatórios é essencial para a produção de
água. Sem cobertura florestal, a água não consegue penetrar corretamente nos
lençóis freáticos, causando diminuição na quantidade de água. Mais do mesmo?
Todos sabem disso? Em 2012, grande discussão foi levantada quando o Código
Florestal foi revisto. As alterações aprovadas implicaram na redução das Áreas
de Proteção Permanente previstas em lei para as margens de rio dentro das
propriedades rurais: as matas ciliares (aquelas que protegem as margens dos
rios) agora devem ter 15 metros, metade do que era obrigatório antes.
Especialistas da área ambiental foram veementemente contra, pois apontavam para
a importância da conservação dessas áreas que influenciam a produção de água.
Mas, mesmo assim o projeto foi aprovado.
Durante as discussões para aprovação do novo código,
processo que durou 13 anos, instituições de proteção ao meio ambiente como a
Fundação Grupo Boticário, a SOS Mata Atlântica e a The Nature Conservancy
investiram em ações na ordem inversa, garantindo a conservação de áreas-chave
para a produção de água em diversas regiões. Elas investiram no Pagamento por
Serviços Ambientais (PSA), iniciativa que premia financeiramente proprietários
de terra que conservam a mata nativa em suas propriedades, protegendo suas
nascentes, além do exigido por lei.
3. Falta de infraestrutura e investimento
#desdesempre
Às vezes, costumamos deixar algumas atitudes para a
última hora, quando está ‘com a corda no pescoço’. Nesse caso, não foi
diferente. Obras importantes como a construção do Sistema São Lourenço,
previsto para 2011, traria água do interior até a Grande São Paulo. As obras
começaram apenas em 2014 e têm previsão de ficar prontas em 2017. Isso quer
dizer que, se elas tivessem começado em 2011, provavelmente teriam sido
entregues em 2014, quando a crise estava se intensificando. Outro ponto
importante é que, segundo o Plano Metropolitano de Água III da Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), a empresa não investiu nem 37% do
previsto em obras.
4. Um mar de desperdício
Presente na cadeia produtiva de qualquer insumo, o
desperdício é dura realidade também na distribuição e no consumo de água. Estima-se
hoje que em torno de um quarto da água tratada é perdida no trajeto entre as
represas e as torneiras.
A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que 110
litros por dia é suficiente para atender às necessidades de uma pessoa. Parece
bastante, mas não é tanto assim. A cada dois minutos no banho, consumimos em
média 12 litros de água. Se você é daquelas pessoas que gosta de refletir sobre
os problemas do mundo num longo banho, saiba que se demorar 16 minutos terá
consumido em torno de 96 litros. Isso sem contar o que usamos para escovar os
dentes, dar descarga, lavarmos as mãos, cozinhar, lavar a roupa, além de matar
a sede. Quando colocamos na ponta do lápis, percebemos a importância de cada um
economizar ao máximo na sua rotina diária.
5. Racionar por quê? #cadeaáguaqueestavaaqui?
Mesmo sem muita cobertura da mídia em anos
anteriores, em 2014 muito já se falava em falta de água e em uma possível crise
hídrica bastante grave. Apesar disso, o racionamento oficial pelos órgãos
competentes não aconteceu, por quê? Será que interesses políticos influenciaram
as tomadas de decisão relacionadas à crise hídrica? Mais uma dúvida sem
resposta exata para os tantos questionamentos que envolvem a situação.
Independente das razões, o fato é que essa atitude piorou ainda mais um cenário
já bastante complicado.
6. Com a palavra, São Pedro: falta chuva, sim, mas
não é de hoje
Claramente a falta de chuva é um fator importante na
equação da crise. Mas ela não veio tão de repente assim. Desde 2012, e
principalmente no ano seguinte, a quantidade de chuvas foi caindo
vertiginosamente. E muitas pessoas sabiam disso. O relatório 20–F da Sabesp, de
2012, afirmava que há anos observava-se a redução nos níveis pluviométricos.
Diversas instituições ambientalistas também alertavam sobre a falta das chuvas,
fruto de mudanças climáticas e desmatamentos que prejudicam o ciclo da água.
Mesmo assim, quase nada foi feito. Por isso, não podemos apenas culpar São
Pedro por ter sido econômico demais nas chuvas; ou por errar na pontaria.
7. O clima muda sem pedir permissão #otempotodo
A poluição e os Gases do Efeito Estufa (GEEs) que
jogamos na atmosfera diariamente, têm alterado o clima e, consequentemente, as
chuvas. Ainda não temos condições de saber exatamente os reais efeitos das
mudanças climáticas, mas já estamos sentido os eventos extremos, com grandes
secas em algumas regiões e fortes tempestades em outras, bem como os seus
resultados para nossas vidas.
As mudanças climáticas, que comprovadamente foram
aceleradas pela ação do homem, tornam o clima irregular. Dessa forma, mesmo os
especialistas acabam tendo dificuldade em prever quando, onde e quanto vai
chover.
8. A água virtual que vai embora do país
Você já ouviu falar em água virtual? É um conceito
muito interessante criado pelo professor britânico John Anthony Allan, que
calcula a quantidade de água utilizada na produção de bens de consumo. Ele leva
em consideração não apenas a água contida no produto, mas a que foi usada em
todas as etapas do seu processo de fabricação. Por exemplo, na produção de uma
xícara de café são utilizados cerca de 140 litros de água.
Para a produção de um quilo de carne de gado, esse
número chega a 15 mil litros de água. Essa quantidade astronômica de água, na
maioria das vezes, nem fica para o consumo do brasileiro, pois o país é o maior
exportador de carne bovina do mundo. De acordo com dados da Unesco, se somarmos
todas as commodities que o Brasil exporta, enviamos ao exterior aproximadamente
112 trilhões de litros de água doce por ano, o equivalente a 45 milhões de
piscinas olímpicas.
9. Rios Voadores regulam chuva em todo o país
Na natureza, tudo está interligado buscando um
equilíbrio. Apesar de não parecer, mas um ecossistema que está a cerca de três
mil quilômetros de distância pode ser fundamental para garantir a produção de
água em outro. No caso do Brasil, existe o fenômeno chamado ‘rios voadores’:
grandes massas de vapor de água se formam no Oceano Atlântico – na altura do
litoral nordestino – e ao chegarem na região amazônica aumentam de volume ao incorporar
a umidade evaporada pela floresta. Levados pelas correntes de ar em direção ao
Sul do país, elas são importantes para a formação de chuvas em diversas
regiões, como a Sudeste. Portanto, o aumento no desmatamento da Amazônia, que
após quatro anos em queda voltou a subir em 2013, pode reduzir os índices
pluviométricos em outras regiões.
10. O Brasil tem uma imensa caixa d’água #cerrado
Da mesma forma que temos a caixa d’água em nossas
casas para garantir que ela não falte, o Brasil também possui uma região que é
essencial para que o recurso continue sendo produzido. É o Cerrado, que ocupa
22% do território nacional e concentra oito das 12 bacias hidrográficas do país
(67%), além de possuir alta concentração de nascentes de rios que abastecem
outras regiões brasileiras.
Apesar da sua importância, ele é o segundo bioma mais
ameaçado do país e sofre com as pressões da agricultura e principalmente da
pecuária e das queimadas não naturais. Além disso, o Cerrado é o que possui
menor porcentagem de unidades de conservação de proteção integral, tendo apenas
8,21% do seu território legalmente protegido, sendo apenas 2,85% de proteção
integral. Vale lembrar que não estamos fazendo nossa tarefa de casa: esse
índice é muito abaixo da meta com a qual o Brasil se comprometeu com a ONU, em
2010, ao se tornar signatário das Metas de Aichi. O compromisso diz que, até
2020, o país deve ter 17% de áreas terrestres de grande importância ecológica
protegidas por meio de sistemas estruturados de unidades de conservação.
11. “Águas, são muitas, infindas”.
#realidadebrasileira
Esse é um pequeno trecho da carta de Pero Vaz de
Caminha, relatando à corte portuguesa sobre a incrível quantidade de água que o
recém-descoberto Brasil tinha. Realmente somos um país privilegiado, com a maior
reserva de água doce do mundo. Possuímos a maior bacia hidrográfica do planeta
(Amazônica), bem como a maior planície alagável do mundo (Pantanal), entre
outros recordes de água doce. O Brasil é referência em água no mundo. Porém, é
preciso conservação, tecnologia e interesse político para que esse recurso seja
revertido em benefício para os brasileiros.
É necessário que aprendamos com a natureza a busca
pelo equilíbrio. Nenhum desses onze fatos deve ser encarado de modo isolado ou
como se fosse mais importante que os demais. Todos estão interligados e fazem
parte de um contexto que nos trouxe até a maior crise hídrica de nossa
história, porque descuidamos de nosso patrimônio natural. O problema da água
existe, mas a realidade sobre o que o casou e sobre como revertê-lo também
estão aí. (ecodebate)
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