Berço das águas, Cerrado precisa de proteção para garantir
abastecimento no país
Ribeirão João Leite que abastece Goiânia.
O bioma que ocupa um quarto do território brasileiro não tem rios de
grande vazão, mas concentra nascentes que alimentam oito das 12 grandes regiões
hidrográficas brasileiras. Especialistas consideram o cerrado como o berço das
águas, já que nele estão localizados três grandes aquíferos – Guarani, Bambuí e
Urucuia –, responsáveis pela formação e alimentação de importantes rios do
continente. Para esses pesquisadores, a preservação da vegetação do cerrado é
fundamental para a manutenção dos níveis de água em grande parte do país.
“O cerrado é como uma
floresta ao contrário, as raízes são profundas, maiores que as copas. Elas são
responsáveis por absorver a água da chuva e depositá-la em reservas
subterrâneas, os aquíferos”, explica o professor da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (PUC-GO) e diretor do Instituto do Trópico Subúmido, Altair
Sales Barbosa.
Segundo o
especialista, com o desmatamento e a diminuição da vegetação nativa,
responsável por levar a água para regiões mais profundas, os aquíferos chegaram
ao nível de base, ou seja, deixaram de abastecer diversas nascentes.
“A quantidade de água
existente nesses aquíferos já chegou ao seu nível mínimo. É como se fosse uma
caixa d’água com vários furos. Os furos são as nascentes. Quando ela está
cheia, a água sai por muitos furos. Conforme vai esvaziando, vai saindo nos
furos mais inferiores, até chegar ao último furo e há um momento em que não sai
mais. Estamos em um momento em que [a água] está saindo, mas de maneira muito
rudimentar, menor do que saía há 20, 40 anos”, diz o especialista.
Segundo ele, cerca de
dez rios desaparecem na região anualmente.
O professor ressalta
que, uma vez degradado, o cerrado não se recupera totalmente. Também é difícil
cultivá-lo. Das 13 mil espécies vegetais catalogadas, apenas 180 são produzidas
em viveiro.
“O cerrado é diferente
da Amazônia e da Mata Atlântica, por exemplo. Enquanto esses biomas têm 3 mil e
7 mil anos, o cerrado tem mais de 45 milhões de anos que se completou
totalmente. Como ele é muito antigo, evolutivamente já chegou ao seu clímax.
Uma vez degradado, não se recupera jamais na plenitude de sua biodiversidade”.
De acordo com dados
disponibilizados pela organização não governamental (ONG) WWF Brasil (sigla em
inglês para Fundo Mundial para a Natureza), o cerrado é a segunda maior
formação natural da América do Sul e concentra cerca de 5% da biodiversidade do
planeta e 30% da biodiversidade do Brasil. Metade da vegetação nativa do
cerrado foi eliminada e menos de 3% está protegida de forma integral.
“A ocupação dessa
região se deu de forma acelerada nos últimos 60 anos e isso trouxe problemas.
Ambientes importantes foram perdidos ou estrangulados por cidades, plantações e
hidrelétricas”, diz o coordenador do Programa Cerrado Pantanal do WWF Brasil, o
engenheiro florestal Julio Cesar Sampaio.
Para agravar a questão
da reserva de água, o regime de chuva tem mudado na região nos últimos 20 anos.
Para o pesquisador da
área de hidrologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Cerrados, Jorge Werneck, os períodos de chuva têm ficado mais curtos e os de
seca, mais longos. A média pluviométrica em determinadas estações caiu de 1,5
mil milímetros para 1,2.
“Isso muda bastante o
ciclo hidrológico, faz com que nossos solos fiquem mais secos, os lençóis
freáticos desçam, sejam rebaixados e isso afeta diretamente todo o regime de
vazão dos nossos rios”, explica.
A coordenadora de
Monitoramento da Qualidade Ambiental do Instituto Brasília Ambiental (Ibram),
Vandete Inês Maldaner, reforça os prejuízos com a mudança no regime de chuva.
“Anteriormente, tínhamos uma estação chuvosa, com distribuição ao longo do dia
nos meses de dezembro e janeiro, e tínhamos uma chuvinha bem distribuída. Hoje
temos períodos grandes de veranico e chuvas torrenciais, que não contribuem
para o abastecimento dos lençóis freáticos. Batem no solo e escorregam,
causando o assoreamento dos rios”, diz.
Para Werneck, não é
possível dizer se a causa da diminuição da chuva é a ação do homem, nem se essa
redução será permanente. Barbosa diz ser inegável a influência da ação do homem
e da ocupação desordenada nos grandes centros urbanos, responsáveis pela
formação de ilhas de calor que impedem a chegada de massas úmidas.
O coordenador do curso
de engenharia ambiental e sanitária da Universidade Católica de Brasília,
Marcelo Gonçalves Resende, acredita que a ação do homem é a grande responsável pela
diminuição da chuva.
“A meu ver, tudo está
relacionado. O grande problema é a má gestão do uso e da ocupação do solo, seja
em áreas urbanas ou rurais. É possível que haja ocupação, desde que seja feita
de forma sustentável, existem técnicas, claro que tem que ter agricultura,
criação de gado, indústria, moradia. Mas isso tem que ser feito de forma
sustentável. Existem técnicas, mas o ser humano esquece, pela ganância, pela
vontade de obter lucro fácil. O último ponto que leva em consideração é a questão
ambiental.” (ecodebate)
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