Técnicas para armazenar água e produzir alimentos ajudam a
convivência com o semiárido
Nova Russas – Moradores convivem com período de seca na
comunidade rural de Irapuá. Na foto, a plantação do agricultor João Pinto, 52
anos.
A solução para reduzir os impactos negativos
da seca está no próprio Semiárido. É o que demonstram diversas famílias e
comunidades cearenses que conseguem fazer bom uso dos recursos que ficam
escassos nos meses de estiagem. E muita coisa é feita ali, ao lado das casas. O
agricultor João Firmino, 85 anos, desceu a serra de Baturité, no centro-norte
do Ceará, na década de 1950 para viver no Sertão Central (historicamente
considerada a área mais árida do estado) e conta que, naquela época, não
faltava serviço. Para ter água em casa, entretanto, era preciso sair às duas da
madrugada em direção a um açude.
Firmino vive na comunidade de Bom Jardim, em
Quixadá, há 25 anos. Hoje, ao lado da cisterna-calçadão (que capta água por
meio de um “calçadão” construído ao lado do reservatório), ele fica admirado
quando a filha Lourdes, 41 anos, pega um balde e retira água de uma pequena
abertura. “É muita água, graças a Deus.” As chuvas que caíram em Quixadá entre
o final de fevereiro e o início de março praticamente encheram a cisterna de 52
mil litros, cuja água é utilizada para irrigar a produção de frutas, hortaliças
e grãos. Na frente da casa, outra cisterna capta água da chuva pelas calhas
para consumo familiar.
A agricultora Lourdes Lopes Alves seguiu os
passos dos pais e é quem hoje mantém o quintal produtivo da família. De lá, saem
não só os alimentos que a família consome. Ela reúne o excedente para vender na
feira em Quixadá. Além disso, produz e vende um bolo feito com o milho colhido
em casa.
A segurança hídrica é apenas um dos muitos
pontos importantes da convivência com o Semiárido. Odaléa Severo, integrante da
coordenação estadual da Articulação no Semiárido (ASA), defende que o acesso à
terra e a estocagem de alimentos para as pessoas e para os animais são outros
meios de manter as famílias sertanejas em suas terras.
“Seca não se combate. É preciso criar
mecanismos para viver bem no Semiárido. Experiências como essa mostram que isso
é possível. Estamos rompendo com um paradigma de combate à seca que foi
repercutido ao longo da história.”
Nova Russas – Moradores convivem com período de seca na
comunidade rural de Irapuá. O agricultor João Pinto, 52 anos, mantém uma
plantação e cria galinhas para sustento da família.
Em Nova Russas, na região dos Inhamuns (a 239
quilômetros de Quixadá), a comunidade Irapuá é uma demonstração do potencial do
Semiárido. Lá, os produtores se reuniram em associações para organizar o
trabalho, que envolve a produção de frutas e hortaliças, de artesanato, de aves
e de mel de abelha. O próximo passo da comunidade é conseguir um selo que
comprove a excelência do trabalho na produção orgânica de mel. Além disso, os
apicultores aguardam a próxima florada, resultado das chuvas recentes, para
colocar em funcionamento o novo entreposto – local em que o mel é beneficiado
para chegar ao consumidor.
A expectativa para as primeiras produções no
novo local é um pouco menor. Antes das chuvas, quando a água estava escassa e a
temperatura era alta, as abelhas deixaram mais da metade das 320 colmeias de
Irapuá. Atualmente, os apicultores contam com, aproximadamente, 150 colmeias.
Mesmo assim, o presidente da Associação Agroecológica de Certificação Participativa
dos Inhamuns (Acep), Vicente Pinto de Carvalho Neto, está otimista. Ele estima
que, em abril, já haverá mel e que o número de colmeias voltará a crescer.
“Como choveu, as abelhas que foram embora voltam, trazem outras e se
reproduzem.”
Com as chuvas de fevereiro e março, a cisterna
de enxurrada (que capta água diretamente do solo e faz duas filtragens antes de
ser armazenada) do quintal do agricultor João Pinto, 52 anos, ficou
praticamente cheia. Mesmo assim, ele não deixou de ficar atento ao bom uso da
água. Uma tecnologia que ajuda no uso sustentável do recurso é o chamado
canteiro econômico. Trata-se de um espaço de nove metros quadrados onde a
irrigação se dá de baixo para cima, por meio de uma tubulação com furos que
passa por baixo da terra. A água é colocada por uma abertura e distribuída na
terra pelos furos. João estima que o canteiro precise de dez litros de água,
enquanto espaços convencionais cheguem a consumir até 40 litros de água.
Na comunidade de Irapuá, a produção de algodão
agroecológico é a principal fonte de renda dos agricultores que trabalham com o
manejo ecológico, segundo o presidente da Associação dos Produtores da
Agricultura Familiar (Apaf), Antônio Giovane Pinto de Carvalho. No quintal de
João Pinto, as primeiras sementes já foram plantadas e as plumas devem ser
colhidas entre junho e julho. Uma empresa estrangeira com sede no Brasil
adquire a produção orgânica cearense e já apresentou aos agricultores a meta de
comprar 4 mil quilos de pluma de algodão. Um grande desafio para Irapuá, que
produziu no ano passado 400 quilos. Além dos agricultores da comunidade,
segundo o presidente da Apaf, há cerca de 60 trabalhadores na região dos
Inhamuns certificados para produzir algodão agroecológico e mais 50
interessados em trabalhar dentro dessa perspectiva.
Com autonomia para decidir o que plantar e
acompanhamento para saber trabalhar com recursos escassos em momentos de seca,
o sertanejo não precisa sair de sua terra, avalia o técnico agrícola da Cáritas
de Crateús, Edmar Filho. Para ele, o Poder Público tem muito o que aprender com
os sertanejos.
“Existe uma troca de conhecimentos, de
técnicas de convivência com o semiárido, entre nós, técnicos, e as comunidades
que ainda não usam essas técnicas. Elas [as técnicas] são bastante disseminadas
entre as entidades que acompanham as comunidades e esperamos que sejam mais
disseminadas ainda entre os governos. O Poder Público tem que vir no campo e
ver o que os agricultores estão fazendo”, defende. (ecodebate)
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