Crise hídrica: a natureza
aceita apenas a verdade
A falta de água forçava as pessoas a tomar urina
reciclada. Essa era uma parte impressionante do livro “Não verás país nenhum”,
de Ignácio de Loyola Brandão, que li na adolescência. Hoje sei que o conceito
não é tão esotérico e já se tornou realidade em alguns locais do planeta.
Recentemente, Bill Gates tomou água proveniente de esgoto reciclado para
mostrar que isso é seguro. Melhor seria não ter que recorrer a esse tipo de
solução, mas tudo indica que, como diz o tetracampeão Zagallo, “vamos ter que engolir”.
A escassez de água em São Paulo, no cerne do Brasil
“desenvolvido”, finalmente traz para aqueles que não tinham sido sensibilizados
pelos anos de seca em regiões mais pobres a sensação de que o problema, além de
real, é grave. E a situação, ao contrário de tantas outras que assolam nosso
país, não pode ser resolvida, ou escondida, pela alteração de regras, pelo
desmentido, pelo “eu não sabia”, nem por medida provisória. A natureza aceita
apenas a verdade – se a solução não for a correta, o problema não será
resolvido, nem esquecido.
Após décadas de desmatamento, desproteção de
nascentes, poluição nas mais variadas formas, impermeabilização do solo
impedindo a recarga dos aquíferos e exploração desenfreada de recursos
naturais, algumas regiões dão sinal de que a sociedade levou a natureza ao
limite. É o caso de São Paulo. A variabilidade natural da ocorrência de chuvas,
com alternância de períodos secos e períodos úmidos, faz com que seja normal a
falta de água em alguns momentos. Todavia, os reservatórios são concebidos
exatamente para garantir o abastecimento quando chove menos.
O astuto leitor diria que a solução é construir
reservatórios cada vez maiores, à medida em que a população aumenta. Há limite
de quanta água se pode armazenar, em função da quantidade que chove em cada
bacia hidrográfica. Existem, porém, outras fontes de fácil acesso que estão
sendo ignoradas no país todo: os próprios sistemas de distribuição de água,
pasmem.
O Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, 2012,
publicado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), mostra
que as perdas médias de água tratada no
Brasil são de 36,9 %. O índice no PR é
de 33 %. O menor é do Distrito Federal, com 23,9 %, e o maior é do Amapá, com
71,9 %.
Levando em conta que parte dessas perdas pode não ser
real, mas simplesmente água furtada do sistema por ligações irregulares,
pode-se arredondar a conta. Ou seja, mais de um terço é perdido por falhas na
rede. Em países desenvolvidos, o índice é próximo a 10%. Poderíamos estabelecer
meta mais humilde, talvez próxima a 20 % a médio prazo. Já faria diferença.
Para isso, é necessário investir em infraestrutura e
na gestão do saneamento. Não adianta culpar as concessionárias se não são dadas
condições para melhorar a situação. O orçamento deveria ser maior. Há muito
tempo o setor se queixa e não é ouvido. Infraestrutura é resolvida com obras –
principalmente a melhoria das redes de distribuição. A gestão é resolvida com
honestidade e educação.
A honestidade resolveria também outros problemas do
país que, além da crise hídrica, passa por crise moral, nos transportes, na
energia, entre outras. A educação idem, pois profissionais e pessoas, em geral,
com melhor formação e discernimento, poderiam utilizar recursos com mais
responsabilidade, conduzir melhor o país e decidir seu destino, em vez de serem
conduzidas. (ecodebate)
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