Sem
apoio, projeto une tecnologia e design para promover reuso de água
Torneira
Fechada
Em
janeiro/15, Bill Gates divulgou projeto que transforma dejetos em água potável;
empresa paulistana criou produto similar em 2012, mas tem dificuldades em
conseguir financiamento para produção em escala ou parceria com a Sabesp.
Empresa
paulista criou produto similar ao de Bill Gates em 2012, mas não conseguiu
financiamento para produção em escala nem apoio da Sabesp, mesmo sendo
premiada.
Estação de tratamento da Sabesp em São Caetano.
Com
linhas modernas, a grande caixa azul e branca parece algo saído de uma
prancheta da NASA. Formada por chapas metálicas com bordas curvas, seu design
minimalista ganhou prêmios no Brasil e no exterior. Por trás de toda a
elegância, porém, o serviço é dos mais pesados: a estação de tratamento
compacta Renascente, da Perenne, de São Paulo, se dedica a transformar água
suja e usada em um líquido cristalino, pronto para nova utilização. De um lado,
entram dejetos de esgoto; do outro, sai água que serve para uma grande
variedade de usos.
De
cara, a unidade da Perenne remete a uma iniciativa recentemente divulgada por
Bill Gates. Chamado Omni Processor, o projeto do fundador da Microsoft consiste
em uma volumosa estrutura que foi anunciada na internet com a chamada: “Esta
engenhosa máquina transforma fezes em água potável”. Ela começará sua operação
em Dakar, capital do Senegal.
A
tecnologia usada no processador de Gates “queima” o esgoto a temperaturas acima
de 1000 graus. O resultado deste processo é condensado e tratado. A tecnologia
da Perenne se baseia em processos físicos e biológicos, sem a necessidade de
produtos químicos. A matéria orgânica do esgoto é degradada por microorganismos
especialmente preparados. Uma membrana polimérica age depois como uma peneira
finíssima, capaz de segurar até bactérias. Seu produto final não é potável, mas
adequado para usos como limpeza e irrigação.
Uma
diferença importante entre o projeto da Perenne e outros do tipo (incluindo o
de Gates) é a solução de design, uma aposta na ideia de que uma unidade de
tratamento de esgoto e fezes pode ser também um objeto esteticamente inovador e
agradável aos olhos. Estações desse tipo costumam ser estruturas volumosas que
ficam longe da vista do público. Já o projeto da Perenne, que ocupa o espaço de
uma vaga de carro, ficaria à vontade na frente de um shopping chique como o
Iguatemi ou JK.
Segundo
o engenheiro Nelson Guanaes, fundador e presidente da Perenne, “não é tão fácil
convencer o cliente a investir nisso. Com esse projeto, quisemos chamar a
atenção, fazendo uma estação compacta e bonita que servisse como um outdoor
para o tratamento”.
A
unidade pode proporcionar uma economia de até 30% na conta de água, diz o
executivo. Em tempos de crise hídrica, uma vantagem mais do que bem-vinda.
Surpreendentemente, a iniciativa ainda não decolou. Desde 2012, só foi
construída uma única peça.
De
acordo com Guanaes, a intenção é tornar o projeto comercial e desenvolver uma
fabricação industrial. Mas a empresa até agora teve dificuldade em obter
financiamento para a produção em escala da unidade.
“Tem
um mercado fantástico para esse produto”, acredita Guanaes. “Condomínios,
shoppings, ou mesmo uma favela. É um local poluidor, que não é tratado, as
pessoas moram ao lado dos córregos. Por que não tratar?”
Desenvolvido
pela escritório de design Questto Nó, o projeto foi premiado na categoria
“sustentabilidade” na Bienal Ibero-Americana de Design, em 2013 na Espanha, e
no ano seguinte, no Green Good Design, uma das mais antigas premiações de
design sustentável do mundo.
A
primeira e única unidade da Renascente custou R$ 500 mil para ser construída. A
intenção da Perenne é que ela não seja vendida para estabelecimentos, mas
instalada a custo zero, com a cobrança de uma “mensalidade” que seria, na
verdade, metade do valor que a empresa economizaria na conta d’água (ou seja,
metade dos 30% de economia proporcionada pela unidade). Outra vantagem
mencionada pela empresa é o baixo consumo de energia do produto, equivalente ao
de uma geladeira pequena.
A
Sabesp teria se interessado pelo projeto, afirma Guanaes, consequência de uma
nova postura da concessionária. “Quero ver a Sabesp com outros olhos. Antes, a
atitude deles seria ‘não pode, tá usando a água que eu vendi, a água é minha’.
Hoje, acho que não. Acho que tão dizendo o contrário. Tão dizendo, ‘se cuida,
porque não tenho água pra te dar’.” Procurada pela reportagem, a assessoria da
Sabesp disse não ter conhecimento da estação.
Escassez
Perguntada
sobre iniciativas de reuso que promove, a Sabesp citou um de grande porte: a
Aquapolo, parceria sua com a Odebrecht Ambiental que gera água de reuso
industrial. Instalado na fronteira de São Paulo com São Caetano do Sul, a
Aquapolo pode produzir até mil litros por segundo, quantidade capaz de
abastecer 300 mil pessoas. Atualmente, porém, só atende ao Polo Petroquímico do
ABC paulista.
Para
o professor Ivanildo Hespanhol, da Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo (USP) e sumidade no tema água, o reúso é fundamental para enfrentar a
escassez d’água. Autor de um projeto de cinco estações de reuso ao longo do rio
Tietê, ele acredita que as soluções menores também são importantes: “containers
com a tecnologia de membrana realmente ajudam. Se colocados em supermercados,
shoppings, presídios, podem proporcionar grande economia”. Hespanhol,
entretanto, não vê a Sabesp interessada em incentivar a reutilização da água.
Para ele, a concessionária prefere apostar na busca por novas reservas.
“Estamos seguindo o paradigma dos romanos, de 2.000 anos atrás, trazendo água
de cada vez mais longe, de áreas hídricas distantes”, critica.
No
Brasil, onde a noção de que a água é recurso finito não foi assimilada pela
população, o índice de reuso é de apenas 1% (em Cingapura chega a 30%). Para
Guanaes, estimular o reuso de água também contribui para a educação ambiental.
“A maioria das escolas da periferia tem uma fossa, que é poluidora”, diz
Guanaes, da Perenne. “Vamos mostrar para as crianças que podemos botar esgoto
não na rua ou na fossa, mas nesse equipamento para que ele seja usado no
banheiro ou para irrigar uma planta.” (OESP)
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