Saímos em expedição para
registrar de perto e do alto, com drones, a real situação dos principais
mananciais do Sudeste. O que vimos indica que o pior da crise da água ainda
está por vir.
Pisar no chão “craquelado” de uma
represa totalmente seca dá uma sensação pouco animadora. Na verdade, quando nos
damos conta de que estamos não em um set de produção de filmes apocalípticos,
estilo "Mad Max", e sim no meio de um enorme manancial que há pouco
tempo abastecia milhões de pessoas com água, chega a bater um desespero.
Estamos na represa Serra Azul, Minas Gerais, um dos principais componentes do
Sistema Paraopeba, que garante – ou garantia - água para parte da Grande Belo
Horizonte, ou 5,7 milhões de seus habitantes. Detalhe: em toda a bacia
hidrográfica do Paraopeba, resta menos de 12% da floresta nativa. “Sem
vegetação em suas margens, os reservatórios têm muito mais dificuldade de
armazenar água, pois sofrem com a erosão, poluição e
assoreamento”, afirma Cristiane Mazzetti, da Campanha de Florestas do
Greenpeace. “Passou da hora dos nossos governantes entenderem que, sem
floresta, não tem água”.
O sol forte deixa milhares de fraturas no solo ressecado ainda mais
dramáticas. Após décadas submersas, uma ponte ressurge no meio da represa.
O que resta de água no manancial está no fundo da calha do rio. Bem lá no
fundo. No momento, fim da estação de chuvas de 2015, o Serra Azul tem cerca de
9,10% de sua capacidade. Em 2014, a média do reservatório para o
mês de março foi de 44,3%. Ou seja, estamos registrando o mais baixo nível
da história deste manancial para esta época do ano. Engolindo a seco, nos damos
conta de que somos testemunhas de um colapso ambiental de grandes proporções.
A visita ao reservatório Serra Azul
foi a parada final de uma expedição de seis dias por alguns dos principais
mananciais da região Sudeste do Brasil. Levada à cabo pelo Greenpeace no começo
de abril em parceria com a empresa de monitoramento Terra Sense, a expedição
teve como objetivo lançar drones, ou VANT’s (veículos aéreos não-tripulados) a
partir de diferentes pontos das represas para registrar o nível da água e o uso
do solo em seus entornos. Rodamos ao todo mil quilômetros. Subimos muito morro,
entramos em matagal, veredas e trilhas remotas para acessar os pontos mapeados
previamente como favoráveis para os lançamentos da nave.
Ao captar imagens aéreas com precisão
e rapidez, um drone é uma ferramenta tecnológica ágil para pesquisas de
diversas finalidades. Sem sobrevoar núcleo urbano algum, nossa expedição
conseguiu realizar 14voos, com mais de 4 horas no ar ao todo, mapeando 607
hectares nos três mananciais. O esforço resultou em 668 fotos das represas e
dos seus entornos. Ao colocar o pé na estrada, a expedição sabia que o uso da
tecnologia dos drones para monitorar a situação dos mananciais seria pioneiro
no Brasil. O que não sabíamos era o que nós mesmos testemunharíamos com nossos
próprios olhos.
Encontramos a represa de Paraibuna,
no Vale do Paraíba do Sul, com menos de 5% de sua capacidade. Isso no fim
da estação de chuvas. Ou seja, não vai ficar muito melhor. Pelo contrário, a
perspectiva para este ano é assustadora. Nesse mesmo período do ano passado
(início de abril de 2014), Paraibuna registrava 40% de seu volume total. O
Paraibuna, um dos principais formadores do sistema que abastece mais de 8
milhões de pessoas no Rio de Janeiro, conta com menos de 13% de
floresta original em sua bacia hidrográfica. Apenas 26% das suas Áreas de
Preservação Permanente (APPs), como topos de morro e beiras de rio, permanecem
preservadas. O que existe ali é muito morro pelado, pasto, margens assoreadas
e, principalmente na região das cabeceiras do Paraibuna, no alto da Serra do
Mar, rios e nascentes totalmente secos.
“Rapaz, tá vendo meus bois pastando
ali? Era tudo água não faz nem dois anos. De repente secou tudo”, conta Paulo
Ribeiro da Silva, produtor de leite que vive
nas proximidades da represa. Seu Paulo explica que cresceu na região e que
nunca viu o espelho d’água encolher dessa maneira. “Se o governo ajudasse a
gente a manter as matas de beira de rio e proteger as nascentes, a situação ia
ser outra”, sugere. Pois é, o produtor de leite também sabe que, sem floresta,
não tem água.
Da bacia do Paraíba do Sul a
expedição chegou à região símbolo da crise hídrica que atinge todo o Sudeste
brasileiro: o Sistema Cantareira, mais importante sistema de abastecimento da
maior metrópole da América do Sul. Desde meados de 2014 produzindo água por
conta do chamado “volume morto”, o Cantareira é um conjunto interligado de
reservatórios que abastece mais de 5 milhões de pessoas na Grande São Paulo. Ou
abastecia, pois o governo do estado tem transferido parte do atendimento
anteriormente feito pelo Cantareira para outros mananciais em função de seu
colapso. Da beira da represa ou do alto de morros, observamos o Cantareira com
menos 11% de sua capacidade (sem contar o volume morto, cujo uso começou em
maio de 2014). Isso mesmo, o Cantareira está com seu nível de água negativo em
onze pontos percentuais. Há um ano, este índice estava em cerca de 14%.
Lançamos o drone em três pontos
diferentes de uma das represas, a Jaguari-Jacareí. Para quem se preocupa com o
futuro de São Paulo, um aviso: as imagens captadas do alto são fortes. Apenas
15% das florestas da bacia estão preservadas. Dos rios que compõem o
manancial, 76,5% estão sem suas matas ciliares. Se a vegetação na bacia
contribui com o ciclo da água na escala regional e as matas ciliares, por sua
vez, protegem rios e nascentes de água de impactos como erosão e assoreamento,
temos um manancial seriamente degradado. “A economia da região já sente o
esgotamento das represas” diz Marcelo Delduque, proprietário da Fazenda
Serrinha, localizada às margens da Jaguari-Jacareí. “Muita gente que vivia do
turismo e do lazer perdeu emprego”.
As consequências da crise hídrica vão
muito além da economia, entretanto. O colapso dos principais mananciais que
abastecem as grandes cidades do Sudeste compromete a própria sustentabilidade
da região, afetando a saúde, qualidade de vida e sobrevivência de sua
população. A expedição aumentou a percepção de que o Sudeste e outras regiões
brasileiras estão em uma sinuca de bico e não vai ter solução mágica. Um passo
fundamental é acabar com o desmatamento agora. “E começar a reflorestar, pois
só assim podemos recuperar a capacidade dos mananciais de produzir e armazenar
água com qualidade”, completa Cristiane Mazzetti.
O futuro de milhões de brasileiros
depende da recuperação destas represas e de todos nós estabelecermos uma nova
relação com os recursos hídricos e com as florestas. A Amazônia transpira
diariamente 20 bilhões de toneladas de vapor de água para a atmosfera, formando
os conhecidos Rios Voadores que são transportados para as regiões Sul, Sudeste
e Centro-Oeste do Brasil, irrigando plantações e enchendo reservatórios.
Continuar desmatando a Amazônia e não recuperar a vegetação das bacias
hidrográficas que abastecem as grandes cidades do País é pedir para que nosso
País flerte com um desastre socioambiental sem precedentes e comprometa o
futuro das novas gerações.
Mais de 1,1 milhão de brasileiros
formam o movimento pelo fim do desmatamento no Brasil. Queremos levar ao
Congresso Nacional um projeto de lei que impeça novos desmatamentos, protegendo
as florestas que restaram. (greenpeace)
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