Por trás da fome, as verdades da economia e da política
Uma
grande variedade de temas econômicos, sanitários, sociais e políticos, de fato,
estão ligados à permanência da fome endêmica e das carestias recorrentes.
Devemos entender profundamente muitas relações de causa e efeito, se quisermos
conseguir vencer e, por fim, apagar o fantasma da fome no mundo.
A
opinião é do economista e filósofo indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de
Economia de 1998, em artigo publicado no jornal La Stampa, 14/05/2015.
A
persistência generalizada da fome no mundo, um mundo muito mais rico do que
antigamente, é um problema que encerra um desafio. Devemos compreender as
causas tanto da fome endêmica de que sofre uma parcela significativa da
população mundial, quanto do surto recorrente de fomes que matam um grande
número de pessoas e abalam a vida de muitas outras.
A
primeira coisa a se esclarecer é que devemos considerar a falta de alimentos
como um problema econômico.
É um
problema econômico em vez de um “problema alimentar” em sentido estrito. Há
mais de 40 anos, em 1981, em um livro intitulado “Pobreza e fomes“, eu tentei
usar um conceito que defini como “capacidade de obter comida” para explicar as
fomes, mas a mesma ideia também serve para entender as causas da fome nas suas
diversas manifestações, endêmica, moderada e às vezes catastrófica.
A
ideia de base da capacidade de obter comida é extremamente simples. Porque os
alimentos e os outros recursos não são distribuídos gratuitamente à população.
A sua utilização depende, por força, de coisas da cesta de bens e serviços que
podemos nos dar ao luxo de comprar.
Em
uma economia de mercado, a variável que conta é a quantidade de alimentos que
uma pessoa pode adquirir, tanto diretamente, quanto por tê-los produzido no seu
próprio lote de terra.
A
existência de grandes quantidades de alimentos no mundo ou no mercado local,
por si só, não torna mais fácil o problema de ter comida suficiente para se
alimentar. O que podemos comprar depende das nossas rendas, e isso, por sua
vez, depende daquilo que temos para vender.
A
fome e a privação são o resultado do fato de que as pessoas não têm o
suficiente para comer, e não o fato de que não haja isto no país ou na região.
Depois, é preciso considerar também outros fatores, incluindo a distribuição de
alimentos dentro da família. Nem todos os seus membros têm renda: as crianças e
as pessoas muito idosas não o têm, e, em muitas sociedades, as mulheres
trabalham em casa, mas não são elas que levam o pão para casa.
A
condição dos membros da família depende, por conseguinte, das regras que regem
a distribuição dos alimentos. A análise da situação, por isso, deve ser
ampliada e compreende as problemáticas relacionadas às normas sociais e às
convenções que estabelecem quem tem direito a quê.
Por
exemplo, é típico das sociedades sexistas considerar que as mulheres têm menos
direito de atenção no âmbito da família em relação aos homens ou que as meninas
têm menos título de receber uma boa comida ou bons tratamentos médicos, e tudo
isso demonstra a necessidade de ampliar a ideia de “capacidade” no que diz
respeito às regras e aos costumes.
Essas
convenções e essas normas relativas à partilha dos alimentos e dos outros
recursos requerem um exame atento e, muitas vezes, reformas ponderadas.
A
fome e as carestias, finalmente, não são influenciadas apenas por fatores
econômicos e sanitários, mas também pelo sistema político. Isso vale
especialmente para as fomes que ocorrem nas sociedades autoritárias, onde não
há nenhuma participação no processo decisional da política, como acontece, ao
contrário, nas democracias.
Quando
uma democracia é realmente tal, o governo está sujeito a exame e exposto às
críticas e não pode permitir que se verifiquem as condições para uma fome. Por
outro lado, um ditador pode sobreviver a uma carestia fazendo uso do seu poder.
A ocorrência de uma fome é sempre influenciada pelo sistema político e, em
geral, é prevenido graças às práticas da participação democrática, como
eleições regulares, jornais cotidianos e meios de comunicação não sujeitos a
censura.
A
ideia da “capacidade” dos indivíduos, portanto, abre a porta para muitas áreas
de intervenção. Uma grande variedade de temas econômicos, sanitários, sociais e
políticos, de fato, estão ligados à permanência da fome endêmica e das
carestias recorrentes.
Devemos
entender profundamente muitas relações de causa e efeito, se quisermos
conseguir vencer e, por fim, apagar o fantasma da fome no mundo. (ecodebate)
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