Nos
últimos anos, o Brasil e o mundo têm sofrido com as mudanças climáticas. Perdas
econômicas e sociais, relacionadas às reações extremas do clima, são agora
frequentes. Entre elas, aquelas relacionadas à falta de água para a
agricultura, para o abastecimento humano e para gerar energia, são as mais
gritantes. Este quadro de escassez poderá se agravar no futuro, se o Brasil
continuar a tolerar, mesmo que a baixas taxas, a destruição de suas florestas.
Estabelecer uma meta para a eliminação completa e definitiva do desmatamento no
país e da destruição de vegetação nativa é algo urgente se quisermos manter um
clima minimamente equilibrado para as próximas gerações.
A
boa notícia é que o Brasil pode zerar o desmatamento em menos de uma década,
sem que, para isto, sacrifique sua produção agropecuária, que poderá se
expandir nas áreas que já estão desmatadas. Ao se comprometer em zerar
rapidamente o desmatamento, o Brasil estará apto a demandar mais ações dos outros
países participantes da Conferência da ONU sobre mudança climática que ocorrerá
em dezembro de 2015 em Paris. Nesta Conferencia espera-se que os países assumam
compromissos mais ambiciosos e necessários para reduzir o risco de catástrofes
climáticas futuras que poderão por em xeque a habitabilidade do planeta.
Ações
humanas estão tornando o planeta mais quente e aumentando os riscos climáticos.
Cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas1
(IPCC) afirmam que entre 1880 e 2012 a temperatura média global aumentou
0,85°C. Parece pouco, mas o aumento tem sido suficiente para gerar desastres
climáticos como secas severas, tempestades intensas, enchentes históricas e
enormes ondas de calor. Eventos deste tipo quase que triplicaram no mundo entre
2010-2014, em relação à primeira metade da década de 19802.
1.
O IPCC reúne milhares de cientistas de todo mundo. Foi criado em 1988 pela
Organização Meteorológica Mundial e o Programa de Meio Ambiente das Nações
Unidas, a fim de revisar e avaliar as informações científicas sobre as mudanças
do clima e seus impactos. Disponível em: https://www.ipcc.ch/organization/organization.shtml
2.
The Economist. 2015. Climate change. The Economist, pp.7–8. Disponível em: http://www.economist.com/news/science-and-technology/21656133-climate-change
4.
Metas disponíveis na Política Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC).
Por
conta disto, em dezembro de 2015, representantes de 196 países estarão
reunidos, em Paris, para a 21a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP21). Será um momento crucial para que
seja firmado um novo acordo de redução das emissões de gases de efeito estufa a
partir de 20203. Na ocasião, o Brasil deverá levar sua proposta
nacional de combate às alterações climáticas, a qual já conta com resultados
importantes. Entre eles, o estabelecimento de metas de redução de emissões
nacionais4, incluindo uma meta especifica para o desmatamento
amazônico (80% de redução abaixo da taxa média histórica de 19.625 km2
registrada entre 1996 e 2005). Para cumpri-la, em 2020 a taxa de desmatamento
amazônico deverá ser menor que 3.925 km2. Infelizmente, um valor alto
e ainda longe do zero. Para o Cerrado, a meta de redução estabelecida foi de
54% em relação à média de 2003-2008 (14.000 km2). Apesar destes
avanços, o Brasil ainda desmata muito: cerca de 5.000 km2 por ano em
média nos últimos três anos na Amazônia e de 6.469 km2 no Cerrado em
2010 (último ano com dado oficial).
Na
COP21, o Brasil deveria estabelecer a meta de zerar o desmatamento em menos de
uma década em todos os biomas, pois é necessário, factível e vantajoso. O
desmatamento, particularmente na Amazônia, continua a ser uma das principais
fontes de emissão de gases do efeito estufa do país5. Os efeitos da
alteração climática, combinada com a continuação da derrubada de florestas,
poderão colocar em risco a produção agropecuária. A floresta amazônica age como
uma bomba gigante que transfere água do solo para a atmosfera6 e que
é, então, transportada na forma de vapor para outras regiões. Uma boa parte do
território nacional se beneficia desta irrigação natural. A continuidade do
desmatamento pode comprometer este serviço ambiental.
6.
Nobre AD, 2014, O Futuro Climático da Amazônia, Relatório de Avaliação
Científica. Patrocinado por ARA, CCST-INPE, e INPA. São José dos Campos,
Brasil, 42p. Disponível em: http://www.ccst.inpe.br/wp-content/uploads/2014/10/Futuro-Climatico-da-Amazonia.pdf
7.
Assad, E. et al. 2008. Aquecimento global e a nova geografia da produção
agrícola no Brasil.
Disponível
em: http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/destaques/CLIMA_E_AGRICULTURA_BRASIL_300908_FINAL.pdf
8.
Marengo, J.; Nobre, C. A.; Salati, E.; Ambrizzi, T. 2007. Mudanças Climáticas
Globais e Efeito sobre a Biodiversidade. Sub projeto: Caracterização do clima
atual e definição das alterações climáticas para o território brasileiro ao
longo do Século XXI. Sumário Técnico. CPTECINPE, p.73. Ministério do Meio
Ambiente.
9.
Brando, et al. 2014. PNAS 111:6347-6352. Silvério, D.V. Alterações na estrutura
e funcionamento de florestas transicionais da Amazônia associada à degradação
florestal e transições de uso da terra. Tese de doutorado/UnB, 2015.
10.
McKinsey&Company. 2009. Caminhos para uma economia de baixa emissão de
carbono no Brasil. Disponível em: http://www.mckinsey.com.br/sao_paulo/carbono.pdf
11.
Organização das Nações Unidas. 2015. Transforming our World: The 2030 Agenda
for Sustainable Development. Disponível em: http://www.un.org/pga/wp-content/uploads/sites/3/2015/08/120815_outcome-document-of-Summit-for-adoption-of-the-post-2015-development-agenda.pdf
Já
em 2020, a produção agrícola poderá sofrer prejuízo anual da ordem de R$ 7,4
bilhões7, como consequência da redução de chuvas em diferentes
regiões, em especial no Norte e no Centro-Oeste.
Na
Amazônia, por exemplo, a redução pluviométrica seria da ordem de 15-20%8.
Esta projeção parece já estar se tornando realidade, pelo menos em algumas
regiões da Amazônia, em decorrência da remoção drástica da floresta nos últimos
anos.
É
o caso da bacia do Rio Xingu. Entre 2000 e 2010 a temperatura da região
aumentou em quase 4°C9 e a seca vem se agravando nos últimos anos.
Agricultores já relatam queda de produção e produtividade. Basicamente, o
desmatamento está eliminando o serviço de “regador” que a floresta presta ao
agronegócio da região.
O
avanço do desmatamento combinado com o aquecimento global afetaria também a
geração de energia hidroelétrica e o abastecimento de água rural e urbano.
O
risco deste cenário futuro pode ser minimizado com a interrupção do
desmatamento amazônico e da destruição de outros biomas nativos, em especial o
Cerrado. Para reduzir as emissões rapidamente, a meta deve ser do desmatamento
zero e não desmatamento ilegal zero ou mesmo desmatamento líquido zero. Nesse
último caso, a proteção de florestas nativas com alto estoque de carbono,
biodiversidade e serviços hídricos não conseguiria ser igualada às plantações
de florestas (que levariam vários anos para acumular carbono).
Conservar
as florestas é uma das formas mais baratas10 de contribuir para o
cumprimento das metas que os cientistas do IPCC recomendam a nível mundial: uma
redução das emissões de GEE global da ordem de 40% a 70%% até 2050, tomando-se
como referência o ano de 2010.
Pelos
diversos benefícios proporcionados pelas florestas, a busca pelo desmatamento
zero já é meta de vários acordos internacionais. Em setembro de 2014, 179
entidades, dentre elas governos, empresas, movimentos e ONGs, assinaram a
Declaração de Nova Iorque, que pede fim ao desmatamento até 2030. Mais
recentemente, a ONU divulgou os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,
a serem assinados pelos países ainda em 2015, o qual estabelece a meta de
acabar com o desmatamento até 202011. Além disso, zerar o
desmatamento estaria alinhado com o desejo da sociedade brasileira: mais de 1,4
milhão de brasileiros assinaram a favor de um projeto de lei pelo fim do
desmatamento nas florestas brasileiras.
Felizmente,
o Brasil pode atingir o desmatamento zero rapidamente. O país já possui todos
os elementos e o aprendizado suficientes para chegar lá. Basta ampliar as ações
positivas já em curso e abrir espaço para aquelas inovadoras, voltadas ao
controle do desmatamento, à conservação de florestas e ao uso sustentável de
seus recursos. Entre as várias ações para o fim do desmatamento destacam-se:
1-
Aumento da produção agrícola sem desmate
Para
tanto, basta aumentar a produtividade nas áreas já desmatadas. Por exemplo, um
aumento de 50% na produtividade da pecuária bovina na Amazônia (de 1 para 1,5
cabeça/ha) seria suficiente para atender a demanda por produtos agropecuários
até 2040 sem que um único hectare de floresta tenha que ser destruído12.
O crédito rural subsidiado oferecido pelo governo federal deveria ser o maior
acelerador desta transformação. Para a safra 2015- 2016 serão R$ 212 bilhões,
dos quais R$ 187,7 bilhões são do Plano Safra e R$ 24,1 bilhões do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Para acelerar a adoção da
agricultura de baixo carbono (ABC), o governo poderia estabelecer a meta de
alocar todo crédito rural para estas técnicas em uma década, sendo que a cada
ano 10% de todo o crédito seria destinado ao Programa ABC. Esta transição seria
apoiada por outras medidas, como a capacitação massiva de produtores rurais,
estudantes e profissionais que atuam na área, como tem sido feito em outros
países em desenvolvimento, além da regularização fundiária e ambiental.
12. Strassburg et al., 2014 “When
Enough Should Be Enough: Improving the Use of Current Agricultural Lands Could
Meet Production Demands and Spare Natural Habitats in Brazil.” Global Environmental Change 28 (0): 84–97. Disponível
em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0959378014001046
13.
Azevedo-Ramos et al. (em preparação); Azevedo-Ramos et al. http://www.ipam.org.br/download/livro/Florestas-Nativas-de-Producao-Brasileiras/612.
14.
Appy, B. 2015. O Imposto Territorial Rural como forma de induzir boas práticas
ambientais. IPAM, Brasília, DF. e Silva, D., & Barreto, P. 2014. O
potencial do Imposto Territorial Rural contra o desmatamento especulativo na
Amazônia (p. 48). Belém: Imazon.
2-
Aumento da eficácia na fiscalização
O
Brasil deve ampliar o uso de medidas eficazes contra o desmatamento como o
confisco de bens associados à crimes ambientais e o combate a grilagem de
terras, por meio da punição de crimes sujeitos a maiores penas, como a
associação para o crime, a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro.
3-
Estabelecimento de novas áreas protegidas
O
governo federal e os estaduais, em especial na Amazônia, ainda detêm uma enorme
área com florestas públicas “não destinadas” a um uso específico. São cerca de
80 milhões de hectares13 à mercê de grileiros e do desmatamento
ilegal. A destinação de parte destas florestas para a conservação e/ou para
fins de homologação de terras indígenas e estabelecimento de reservas extrativistas
poderá reduzir substancialmente o desmatamento e consequentemente as emissões
de GEE.
4-
Ampliação e consolidação dos compromissos privados e públicos pelo desmatamento
zero
As
empresas e o poder público devem melhorar a eficácia dos acordos existentes
pelo desmatamento zero. Por exemplo, a comercialização de gado de origem ilegal
deve ser combatida fiscalizando-se as fazendas de cria que fornecem os bezerros
(fornecedores indiretos dos frigoríficos) às fazendas de engorda. A Moratória
da Soja, que ajudou a reduzir o desmatamento na Amazônia, deve ser mantida
nesse bioma e expandida ao Cerrado, onde cerca de 20% da nova soja foi plantada
em áreas recentemente desmatadas.
5-
Uso da tributação vigente para o estímulo à conservação
O
combate à sonegação do Imposto Territorial Rural (ITR) ajudaria a reduzir o
desmatamento especulativo14. Por falhas na cobrança, quem desmata
para fins de especulação consegue manter extensas áreas improdutivas pagando um
imposto muito baixo.
Na
Amazônia, havia em 2012 dez milhões de hectares de pastos improdutivos15.
O imposto devidamente aplicado geraria um benefício tributário na casa dos
bilhões de reais, uma fonte importante para a manutenção de áreas protegidas e
para o aumento da produtividade agropecuária, incluindo a capacitação e
extensão rural, especialmente para os pequenos produtores.
15.
INPE, 2012, Projeto Terra Class – Mapeamento do Uso e Cobertura da Terra na
Amazônia Legal Brasileira. Apresentação disponível em: http://www.inpe.br/noticias/arquivos/pdf/TerraClass_2012.pdf
16.
Em setembro de 2015, Comissão no Senado aprovou o adiamento do limite para
inscrição dos imóveis no CAR para maio de 2018. Disponível em: http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKCN0R31Y320150903
6-
Incentivos financeiros para conservação
Governos
e empresas devem usar incentivos financeiros para eliminar o desmatamento e
aumentar a produtividade agropecuária. As empresas que tem anunciado
compromissos de comprar somente produtos livres de desmatamento devem ir além
das restrições e apoiar os produtores agrícolas na adoção de melhores práticas.
Além disso, o novo Código Florestal autoriza a criação de incentivos para a
restauração e conservação, que podem ser estabelecidos a partir de vários
mecanismos (como a CRA – Cota de Reserva Ambiental). O poder público deve
alocar recursos para estes incentivos e, com isso, vencer a pressão16
para adiar a implementação do CAR (Cadastro Ambiental Rural) que é o primeiro
passo para aplicar o novo Código.
As
lições e recomendações acima mostram a dimensão do potencial do Brasil em
avançar para além das metas de redução de desmatamento amazônico e em outros
biomas já estabelecidas na Política Nacional de Mudança Climática.
Ao
se comprometer com metas ambiciosas frente a Convenção de Clima da ONU, o
Brasil reforçará sua liderança ambiental e poderá negociar para que outros
países grandes emissores também adotem metas que sejam suficientes para evitar
catástrofes climáticas. Um acordo global fraco significará aumento de emissões,
com graves consequências para o Brasil e riscos climáticos crescentes para
todos. (socioambiental)
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