As
represas do sistema Cantareira sofreram uma transição catastrófica em janeiro
de 2014, quando passaram rapidamente de condições normais para um estado de
ineficiência. A avaliação é baseada em dados sobre os reservatórios, métodos
estatísticos e modelagem matemática, e foi feita em estudo dos pesquisadores
Paulo Inácio Prado, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP, e Renato
Mendes Coutinho e Roberto Krankel, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
De acordo com o trabalho, ações que poderiam deter a transição deveriam ter
sido tomadas antes de 2014.
A
pesquisa é descrita em artigo
da revista científica PLoS ONE. O motor da transição é o que é chamado
popularmente de “efeito esponja”. Em situação de normalidade, há muita água no
reservatório e na bacia hidrográfica. Boa parte da água da chuva vai para os
reservatórios, mantendo o sistema no estado normal. Isto resulta em um círculo
virtuoso.
Já
numa situação de seca, o volume do sistema é mais baixo e o solo absorve mais
da água que iria para o reservatório, o que faz o seu nível baixar mais ainda.
Neste caso, há um círculo vicioso. A passagem do círculo virtuoso ao vicioso é
uma transição que acontece em poucos meses. Para evitá-la é preciso monitorar o
sistema e retirar menos água quando houver o risco de transição.
O
professor Prado aponta que no Cantareira a eficiência do sistema caiu muito.
“Esta eficiência é a relação entre a chuva que cai e a quantidade de água que
vai para os reservatórios”, ressalta. “E ela continua baixa mesmo com as chuvas
voltando à normalidade, o que indica que o sistema mudou de regime”.
Sinais
de transição
Outra
evidência da perda de eficiência são sinais estatísticos de transição nas
variações diárias de volume. “Há várias técnicas que detectam estes sinais, e
eles são inequívocos para o sistema Cantareira”, aponta Prado. “Além disso, o
grupo de pesquisa desenvolveu um modelo matemático para descrever a transição,
que se ajusta muito bem aos dados de volume e vazões observados”. Por meio
desse modelo são feitas projeções para os próximos 30 dias, publicadas
diariamente no site Águas Futuras
desde o último mês de abril.
Os
pesquisadores estimam que a transição no Cantareira ocorreu entre novembro de
2013 e janeiro de 2014, indicada pela queda abrupta da eficiência do sistema e
os sinais estatísticos de transição. Transições críticas não são novidade para
cientistas, que as associam ao conceito de resiliência. Intuitivamente,
resiliência é a capacidade de um sistema de voltar ao mesmo estado depois de
ter sido perturbado. Alguns casos de perda de resiliência na natureza são bem
estudados, como o processo de desertificação.
O
trabalho mostra que a perda de resiliência também pode ocorrer em reservatórios
de água, como no sistema Cantareira. “O artigo analisa o caso da Cantareira
como um exemplo de biestabilidade. É um conceito da física para descrever
sistemas que têm mais de um estado possível. É o caso de um barco na água, que
em condições normais não vira com a ação das ondas ou do vento. Este é um
estado resiliente”, explica o professor. “O problema é que se uma força grande
o suficiente virar o barco, ele passa a um novo estado que também é resiliente
— é preciso um grande esforço para desvirá-lo”.
De
acordo com Prado, a Cantareira sofreu uma força grande o suficiente para mudar
de estado, e agora resiste para voltar à condição normal. “O empurrão foi
manter a retirada de água em níveis de anos normais em um ano de chuvas
anormalmente baixas”, ressalta. “Não é possível controlar a chuva, mas uma
redução mais precoce da retirada de água poderia ter evitado a transição”. O
pesquisador propõe reduzir a retirada ao mínimo possível, e a médio prazo, se o
sistema se recuperar, realizar uma gestão mais cautelosa, devido ao risco
adicional de transições.
Os
resultados da pesquisa mostram que o gerenciamento de um reservatório deve
levar em conta a possibilidade de transições catastróficas. O padrão
anteriormente utilizado, baseado na chamada “curva de aversão ao risco”, indicava
uma situação de normalidade até dezembro de 2013, o que o artigo mostra que não
era real. “Isto quer dizer que é necessário definir novos parâmetros de
operação a partir de conhecimentos científicos atuais”, conclui Prado.
(ecodebate)
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