COP21: Os Estados preparam um
aquecimento climático superior a 3º C
De
30/11 à 11/12/15, a França vai acolher e
presidir a 21ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática de 2015, mais conhecida como COP21. Neste artigo, Máxime Combes
analisa o resultado da última reunião preparatória realizada em Bonn,
na qual a maioria dos governos do mundo apresentou seus planos para enfrentar
os desafios da mudança climática.
A maioria dos Estados do mundo já publicou seus objetivos para a redução das
emissões de gases de efeito estufa para o período posterior a 2020. A leitura
dos mesmos não deixa lugar a dúvidas: os Estados propõem que nos joguemos de
cabeça no rio do caos climático. Justamente o que deveria ser evitado.
Dos
195 Estados-membro da ONU, 150 já publicaram qual será sua
contribuição para a luta contra a desregulação do clima (INDC no jargão da ONU).
Estas contribuições, que são voluntárias e que não comprometem a ninguém,
propõem, sobretudo objetivos de redução de emissões de gases de efeito estufa
para o período posterior a 2020. Estes 150 países representam cerca de 90% das
emissões mundiais, ou seja, um patamar suficiente para termos a ideia da amplitude
do aquecimento global decorrente destas propostas.
2,7°C de aquecimento máximo? Mentira!
Os
meios de comunicação retiveram este número utilizado por muitos negociadores e
analistas. Segundo eles. A luta contra a desregulação climática estaria bem encaminhada
porque os (anunciados) compromissos dos Estados permitiriam que o aquecimento
do clima não ultrapassasse os 2,7ºC em relação à era pré-industrial; um
primeiro passo antes de ir mais longe e conseguir nos situar em uma trajetória
que, até o final do século, permitirá que o aquecimento máximo não supere os
2ºC.
Esta
forma de apresentar as coisas é enganosa. O estudo do qual saiu esse número
oferece uma margem que vai de 2,2ºC até 3,4ºC. Ou seja, apresenta a incrível
margem de 1,2ºC superior ao aquecimento climático atual. Para dizê-lo em duas
palavras: reina a incerteza.
Por
outro lado, nunca se diz que o aquecimento global de 2,7ºC seria três vezes
superior ao aquecimento atual (0,85ºC) que já acarreta graves riscos pelos
quatro cantos do mundo.
Mais
importante ainda, estas propostas de contribuição voluntária conduzem a um
crescimento contínuo das emissões até 2030, o que fará com que nessa data se
tenham alcançado as 53-55 gigatoneladas (Gt) de CO2. Ou seja, entre 17 e 17 Gt
mais de CO2 acima do limite máximo de emissões recomendada pelo GIEC
[grupo de especialistas da ONU em cujas análises se baseiam os
Estados para elaborar suas propostas] para evitar ultrapassar a barreira dos
2ºC de aquecimento.
E o
que é mais importante ainda, estes níveis de emissão em 2030 poderão
impossibilitar que no futuro se possa recuperar o caminho para obter um
aquecimento máximo de 2ºC e, menos ainda, para situar-se abaixo de 1,5ºC. Esse
estudo explica que ali onde os Estados se comprometeram com objetivos máximos
de redução de 1,5% até 2030, para nos situarmos numa trajetória de 2ºC, seria
necessário alcançar taxas de redução anuais da ordem de 3% ou 4%. Ou seja,
seriam precisos objetivos anuais que poderiam “não ser tecnicamente possíveis”
e que, em todo o caso, serão muito “caros”.
Por
conseguinte, é necessário compreender que o cálculo que leva a um aquecimento
máximo de 2,7ºC no fim do século é estabelecido em base a estas taxas de
redução de 3% a 4% a partir de 2030. Esta hipótese tem pouco fundamento e dá a
entender que se poderia esperar alguns anos a mais antes de se comprometer
totalmente com a redução das emissões. Mas isso não é verdade, porque em
matéria climática é impossível recuperar o tempo perdido: as emissões vão se
acumulando ao longo dos anos na atmosfera e é esse choque que determina o
aquecimento global, mais que o fluxo de um determinado ano.
Um novo estudo feito pela sociedade civil (1)
Sindicatos,
associações e ONGs internacionais decidiram realizar sua própria pesquisa sobre
as contribuições voluntárias apresentadas pelos Estados. Esse estudo foi
publicado no dia 20 de outubro passado, em Bonn, na Alemanha,
por ocasião da última semana de negociações prévias à Conferência da COP21 em Paris. Os resultados da pesquisa não dão margem a dúvidas:
as contribuições voluntárias dos Estados são inaceitáveis, porque elas nos
preparam para um aquecimento global superior a 2ºC e, além disso, não são
equitativas.
Um
dos pontos fortes deste estudo ao analisar suas contribuições iniciais é que
leva em conta a responsabilidade histórica dos Estados e sua desigual
capacidade para agir. Portanto, a sociedade civil chama os Estados para rever
suas propostas. Trata-se de um veredicto nas antípodas de todos esses
negociadores e analistas que dão a entender que os Estados estariam bem
encaminhados no que diz respeito à luta contra a resregulação climática.
Seguem
os principais resultados do estudo (2):
1.
Em seu conjunto, os compromissos dos Estados não permitem situar-se abaixo de
2ºC e muito menos ainda de 1,5ºC. Mesmo no (hipotético) caso em que todos os
Estados cumprirem de forma efetiva suas promessas, o aquecimento global poderia
superar os 3ºC, ou seja, existe uma forte probabilidade de embarcarmos em um
cenário de explosão climática perigosa e incontrolável.
2.
As contribuições dos Estados representam menos da metade das reduções de
emissões que deveriam ser feitos até 2030; os compromissos atuais representam,
portanto, uma ínfima parte do que deveria ser feito (3).
3.
Se tivermos em conta seus compromissos financeiros, as contribuições da maioria
dos países desenvolvidos estão muito longe da justa parte que deveriam
realizar: a contribuição do Japão representa 10% do que
deveria realizar em termos de redução de emissões e de financiamento; a dos Estados Unidos, cerca de 20%, e da União Europeia um pouco
mais de 20%.
4. A
maioria dos países em desenvolvimento colocou sobre a mesa objetivos de redução
de emissões que são compatíveis com – ou se aproximam a – com sua justa parte,
propondo um potencial de redução de emissões superior aos seus compromissos
atuais.
5.
Enquanto que os financiamentos em relação ao clima são absolutamente chaves
para que os países desenvolvidos cumpram com a parte que lhes corresponde no
esforço global, salta aos olhos a falta de meios que se colocam à disposição
para enfrentar os custos de adaptação e as perdas e danos que sofrem,
sobretudo, os países mais vulneráveis diante da desregulação climática.
As exigências:
1. O
acordo de Paris deveria basear-se em uma perspectiva básica em
termos da quantidade de carbono a alcançar para poder determinar os objetivos
de cada país, tanto em termos de redução de emissões como no do financiamento.
Em função disso, se deveriam ir agregando objetivos para 2020, 2025, 2030, 2040
e 2050, com a finalidade de oferecer um roteiro que permita alguma opção
razoável para situar-se abaixo de 1,5ºC ou, no pior dos casos, de 2ºC de
aquecimento. O objetivo de descarbonização total da economia mundial deve ser fixado
para 2050 e não para o final do século.
2. O
acordo de Paris deve incluir um mecanismo eficaz a fim de que
os compromissos dos Estados sejam revistos para cima em cada etapa do processo,
sobre a base de recomendações científicas e de exigências de equidade, sem
possibilidade de dar marcha à ré.
3.
Devem ser adotados compromissos suplementares substanciais no que diz respeito
ao financiamento público para políticas eficazes para a redução de emissões e
de adaptação para os países que tiverem necessidade.
4.
Os diferentes Estados devem rever o aumento de suas próprias políticas de
transição energética com a finalidade de sair da era das energias poluentes.
Quando
se escuta os analistas – e, sobretudo, os negociadores franceses –, o processo
de coleta das contribuições voluntárias dos Estados-membro constituiu um imenso
sucesso, dado que a maioria dos países apresentou suas propostas e que as
mesmas constituem uma base para avançar mais longe. O estudo das organizações
da sociedade civil – no qual se afirma que o mesmo não agrada muito à
presidência francesa da COP21 – mostra que esses comentários são muito
otimistas e que não podem ocultar a falta de ambição das contribuições feitas
pelos Estados.
Notas:
1. Entre as organizações que estão na origem
desta avaliação estão: Aid International, Climate Action Network, CARE
international, Christian Aid, CIDSE, Friends of the Earth International,
International Trade Union Confederation, Oxfam, Third World Network, WWF
International, etc.
Este
trabalho foi realizado sobre a base de uma previsão sobre o nível carbono com
uma pequena probabilidade de que permita estar abaixo de 1,5ºC e com 66% de
probabilidades de ficar abaixo de 2ºC. Trata-se de uma previsão carbono de alto
risco e relativamente pouco ambiciosa. Os resultados da avaliação são ainda
mais surpreendentes ao levar em consideração as responsabilidades históricas
dos diferentes países e sua diferente capacidade para agir. (ecodebate)
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