Estudo do
INPE qualifica o papel do desmatamento e da degradação florestal nas emissões
de CO2
O
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apresenta cenários de uso da
terra e emissões de gases do efeito estufa atualizados para a Amazônia
Brasileira. Combinando elementos qualitativos e quantitativos, o estudo acaba
de ser publicado por pesquisadores do Centro de Ciência do Sistema Terrestre
(CCST/INPE).
O
trabalho ajuda a elucidar o potencial e limitações das metas propostas pelo
Brasil na iNDC (intended Nationally Determined Contribution),
subsidiando as discussões para a COP21 em Paris.
Ana
Paula Aguiar, pesquisadora do CCST/INPE e uma das líderes do estudo, explica
que a necessidade de elaboração de novos cenários surgiu das mudanças
observadas na região na última década. “Muitos estudos discutiram o futuro da
Amazônia nos anos 2000, com foco principal na questão do desmatamento. Porém,
aqueles estudos foram desenvolvidos com base num contexto socioeconômico e
institucional de total falta de controle do desmatamento – e mesmo seus
cenários mais otimistas seriam considerados hoje muito pessimistas. A situação
mudou e com ela houve a necessidade de atualizar os cenários. Porém, o futuro
da região continua muito incerto. Por exemplo, embora as taxas de desmatamento
na Amazônia tenham caído desde 2004, elas estabilizaram em torno de 6.000 km2/ano
nos últimos cinco anos. As taxas vão cair mais, estabilizar ou subir novamente?
O Código florestal será cumprido? Como o passivo ambiental será regularizado?
Os altos índices de degradação florestal atuais serão revertidos? As respostas
dependem de uma série de fatores, externos e internos – em especial, do modo
como os governos e a sociedade irão lidar com a demanda por terra e commodities
nas próximas décadas. Mas os novos cenários que propomos não se limitam às questões
de recursos naturais e uso da terra. Eles são abrangentes, incluindo
explicitamente a dimensão social como eixo de discussão. Temas bastante
importantes, tais como a urbanização caótica e a desigualdade de acesso aos
recursos na região também foram abordados”, ressalta a pesquisadora.
Neste
contexto, narrativas contrastantes sobre o futuro foram construídas de modo
participativo, através de workshops com representantes da sociedade civil e
governo, no âmbito do projeto AMAZALERT, em parceria com a Embrapa, Museu
Emilio Goeldi e diversas outras organizações. Elementos destas narrativas,
relativos ao uso dos recursos naturais, foram quantificados através de modelos
computacionais capazes de estimar o balanço regional de CO2,
considerando trajetórias alternativas de desmatamento, da dinâmica da
vegetação secundária e também da degradação florestal.
“É o
primeiro trabalho que inclui esses três processos no balanço de carbono da
região de modo espacialmente explícito. Os cenários representam histórias
contrastantes, porém factíveis, e incluem uma série de premissas sobre
políticas para região – em especial sobre o cumprimento ou não do Código
Florestal”, diz Jean Ometto, chefe do CCST/INPE e um dos líderes da pesquisa.
Este
estudo integra dados produzidos pelos sistemas de monitoramento do INPE
(PRODES, DEGRAD e TerraClass) e utiliza as ferramentas de modelagem de código
aberto LuccMe e INPE-EM, também desenvolvidas pelo INPE.
Síntese
dos cenários
O
cenário mais otimista (Cenário A - Sustentabilidade) representa um futuro com
avanços significativos nas dimensões socioeconômica e ambiental. Neste cenário,
as medidas de Restauração e Conservação previstas no Código Florestal são, não
apenas cumpridas, mas superadas. A região se tornaria um sumidouro de carbono
após 2020, devido ao fim do desmatamento por corte raso e do processo de
degradação florestal, aliado a um aumento da área de vegetação secundária (e do
seu tempo de permanência), levando a um processo de Transição Florestal.
O
cenário oposto, bastante pessimista (Cenário C - Fragmentação), parte da
premissa de um retrocesso nos avanços ambientais e sociais da última década,
com uma volta a maiores taxas de desmatamento e desrespeito ao Código
Florestal, aliados a um processo de urbanização caótico e acirramento dos
problemas sociais.
Finalmente,
um cenário intermediário (CenárioB, Meio do Caminho), combina premissas dos
dois cenários mais extremos. Este cenário também considera o cumprimento do
Código Florestal, com taxas de desmatamento legais em torno de 4.000 km2/ano
após 2020. As reservas legais são regularizadas principalmente através do
mecanismo de compensação no mesmo bioma e a vegetação secundária mantém a mesma
dinâmica atual, de abandono e corte cíclico nas áreas menos consolidadas. Neste
cenário, talvez o mais plausível, a região continua sendo emissora de CO2.
Figura
1: (a) Desflorestamento total em 2050; (b) Área de vegetação secundária em
2050; (c) Estimativas de emissões líquidas por década.
Sobre
a plausibilidade dos cenários, os autores do trabalho advertem: “Cenários não
são previsões. Afirmar que a Amazônia vai virar um sumidouro de carbono, como
no cenário A, sem esclarecer todas as premissas subjacentes, seria equivocado.
Cenários são apenas histórias internamente consistentes sobre como o futuro
pode se desenvolver. Técnicas de cenários são aplicadas justamente quando as
incertezas sobre o futuro são muito grandes. Por outro lado, o futuro depende
das nossas ações hoje. Se ele será mais próximo do cenário A ou C irá depender
da organização da sociedade em uma direção ou outra. Fomentar esta discussão é
o objetivo principal do método proposto”.
Os
cenários e a iNDC do Brasil
No
setor florestal e de mudança do uso da terra, a iNDC prevê, entre outros
pontos:“fortalecer políticas e medidas com vistas a alcançar, na Amazônia
brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030 e a compensação das emissões de
gases de efeito de estufa provenientes da supressão legal da vegetação até
2030”. Ou seja, o Brasil está propondo zerar as emissões líquidas por desmatamento
até 2030 – numa situação entre os cenários A e B descritos acima. Alguns
aspectos do trabalho do CCST/INPE podem ajudar na análise dos desafios destas
metas:
1.
Desmatamento ilegal zero – O que significa? Diversos trabalhos recentes
publicados na literatura científica estimaram a área passível de ser desmatada
legalmente de acordo com o Código Florestal, obtendo valores de 86.000 km2
a 290.000 km2 (Martini et al., 2015; Soares-Filho et al.,
2014; Sparovek et al., 2015). O cenário B em Aguiar et al.
(2015) considera uma taxa de desmatamento (legal) em torno de 4.000 km2/ano
após 2020 (isto é, uma perda de aproximadamente 140.000 km2 no
período 2015 a 2050). Uma fonte importante de incerteza consiste em como estes
estudos consideraram as terras públicas sem destinação, sobretudo, no Estado do
Amazonas. As opções em relação à estas áreas são (i) a criação de áreas
protegidas ou (ii) destinar para produção agrícola. A criação de áreas
protegidas nestas áreas poderia diminuir substancialmente o potencial de
desmatamento legal. Por outro lado, a literatura indica (o que também foi sido
bastante discutido no processo participativo de construção dos cenários) a
fragilidade das áreas protegidas existentes, incluindo unidades de conservação
não consolidadas e a pressão sobre terras indígenas (Ferreira et al.,
2014). Por fim, cabe ressaltar ainda que as taxas de desmatamento caíram
significativamente após 2004, mas estabilizaram em 6,000 km2 nos
últimos anos. Logo, a manutenção e aprimoramento do conjunto de ações dos
PPCDAM (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) e o
fortalecimento dos arcabouços institucionais (para evitar retrocessos) são
essenciais para que, no máximo, as taxas permaneçam dentro dos limites legais –
e não voltem a subir na direção do Cenário C (a Tabela S1.1 do material
suplementar do artigo apresenta uma síntese de ações necessárias, resultante do
processo participativo de construção dos cenários).
2.
Compensação das emissões provenientes do desmatamento legal:
(a)
Papel da vegetação secundária no balanço de carbono:
Uma
das formas de compensar as emissões por desmatamento legal na Amazônia seria a
absorção de CO2 através da regeneração da vegetação secundária. De
acordo com o sistema TerraClass, em 2008 foram observados cerca de 150,000 km2
de vegetação secundária em áreas previamente desmatadas. Esta área vem
aumentando nos levantamentos mais recentes do sistema. O processo de
crescimento da vegetação secundária poderia, potencialmente, compensar as
emissões por corte raso. Porém, os dados da literatura e do próprio TerraClass
mostram que parte considerável desta vegetação é ciclicamente cortada
(por exemplo, cerca de 25% da área identificada em 2008 havia sido cortada em
2012). Os novos cenários discutem o papel potencial da vegetação secundária no
balanço de carbono no futuro, através de modelos que representam a dinâmica de
abandono, crescimento e corte cíclico nas áreas desmatadas. Os resultados do
cenário B mostram que, mantida a dinâmica atual, as emissões continuariam
positivas (ver Figura 1). É importante notar que a vegetação secundária
existente na região foi produzida pelo processo histórico de ocupação da região
(pecuária extensiva, falta de assistência técnica, agricultura itinerante,
especulação fundiária, etc.), inicialmente dissociado da questão mais recente
da regularização do passivo ambiental pelo Código Florestal. Medidas que visem
utilizar estas áreas para fim de regularização das reservas legais deverão
incluir – além de sistemas de monitoramento adequados e de legislação
específica que norteie a necessidade de sua supressão cíclica – a
disponibilização de alternativas tecnológicas para que a vegetação secundária
possa fazer parte do sistema produtivo aos agricultores da região, como por
exemplo, sistemas que integram pastagem/agricultura e floresta.
(b)
Regularização das Reservas Legais (RL)
Os
trabalhos mencionados acima (Martini et al., 2015; Soares-Filho et
al., 2014; Sparoveket al., 2015) também estimam a área de Reserva
Legal a ser restaurada (passivo ambiental) caso as regras do novo Código
Florestal venham a ser cumpridas de fato. O trabalho de Soares-Filho et al.
(2014), por exemplo, estima cerca de 80.000 km2 de passivo ambiental.
O Código Florestal oferece dois mecanismos principais de regularização: efetiva
restauração da reserva legal dentro da propriedade rural ou compensação em
outra área do bioma (através de Cotas de Reserva Ambiental – CRA). Existe muita
incerteza em relação a qual mecanismo será adotado por diferentes atores. Em
todos estes trabalhos a área de passivo ambiental é consideravelmente menor do
que o ativo (área legalmente disponível para conversão), em muitos casos, menos
da metade. O mecanismo de compensação pode proteger áreas de floresta primária
(diminuindo o ativo), enquanto o mecanismo de restauração pode favorecer o
aumento das áreas de florestas secundárias. Existe, portanto, a necessidade
de uma ampla discussão sobre os mecanismos de regularização das RL mais
apropriados em diferentes contextos – considerando não apenas as emissões
líquidas de carbono, mas a perda de biodiversidade, a provisão de serviços
ecossistêmicos e os impactos nos atores envolvidos. Os resultados em
Aguiar et al (2015) indicam que, em termos de emissões, mesmo no caso
de que a regularização dos 80.000 km2 de passivo viesse a ocorrer
pelo mecanismo de restauração (pouco provável no entender dos autores, pois
implicaria, em muitos casos, no abandono de áreas em produção), as emissões
continuariam positivas – devido ao balanço entre as áreas passiveis a serem
legalmente desmatadas (ativo) e à curva de crescimento da vegetação nas áreas
de restauração. Por outro lado, os resultados da simulação B* mostram que seria
necessária a regeneração de uma área superior a 150 mil km2 para
zerar as emissões líquidas em 2030. Portanto, apenas o cumprimento do
código dificilmente será capaz de zerar as emissões na Amazônia em 2030,
independente do mecanismo de regularização das RL utilizado pelos diferentes
atores. Serão necessárias medidas complementares que mantenham as taxas de
desmatamento por corte-raso abaixo dos níveis “legais”.
3.
Outros pontos relevantes:
(a)
Emissões por degradação florestal
O
trabalho apresenta a quantificação das emissões provenientes do processo de
degradação florestal – um componente importante do balanço regional de carbono
não considerado na elaboração das metas. Utilizando dados do Sistema DEGRAD do
INPE, o trabalho estima que as emissões brutas por degradação no período foram,
em média, cerca de 47% das emissões por desmatamento corte-raso. Por outro
lado, o processo de regeneração pós-distúrbio pode compensar, em parte, essas
emissões.
(b)
Emissões nos outros biomas
A
iNDC se refere apenas ao bioma Amazônia. Porém, tanto trabalhos de modelagem
econômica (Dalla-Nora 2014), quanto a estimativa da área passível de ser
legalmente desmatada de acordo com o Código Florestal no Cerrado (cerca de
400.000 km2 de acordo com Soares-Filho et al. 2014) apontam
para altas taxas de desmatamento neste bioma nas próximas décadas, devido ao
seu potencial produtivo para a agricultura e menor grau de proteção. Caso
apenas o cumprimento do Código Florestal seja o balizador de ações para
proteger o Cerrado, podemos antever impactos consideráveis nas emissões
nacionais e em termos de perda de biodiversidade. Já o bioma Caatinga, embora
também apresente um ativo elevado (cerca de 258.000 km2, de acordo
com Soares-Filho et al. (2014)), não apresenta condições
edafoclimáticas para a expansão da agricultura de grãos. Este bioma está, no
entanto, sujeito a outros vetores de desmatamento, em especial a exploração
predatória para satisfazer demandas por carvão vegetal e lenha para fins
energéticos.
Inovação
tecnológica
Do
ponto de vista tecnológico, o trabalho traz uma série de avanços incorporados
aos sistemas INPE-EM (de modelagem de emissões) e LuccME (modelagem de mudanças
de uso da terra) para representação dos processos de desmatamento, vegetação
secundária e degradação florestal. O aprimoramento das ferramentas LuccME e
INPE-EM está sendo financiado pelo projeto do INPE junto ao Fundo Amazônia
(MAS/BNDES – Componente6).
Os
resultados, modelos e bancos de dados utilizados no trabalho estão disponíveis
para download em http://luccme.ccst.inpe.br/conteudo_pt/projetos.html
(ecodebate)
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